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Equador

Leonidas Iza somos todxs nós

Leonidas Iza
agosto 22, 2025

Este artigo, originalmente publicado na Revista Crisis, é reproduzido aqui pela Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) em solidariedade a Leonidas Iza, dirigente indígena do Equador que vem sofrendo graves ameaças e perseguições por sua luta em defesa dos direitos do povo trabalhador e dos povos originários. Consideramos fundamental dar visibilidade a sua voz e reforçar a denúncia contra toda tentativa de intimidação e criminalização das lutas sociais.

Há décadas, vemos nosso país vizinho sofrer os males do Narcoestado: entre as mortes causadas pela violência paraestatal em setores marginalizados e os desaparecimentos e execuções de lideranças populares, a experiência colombiana nos mostrou em primeira mão que o Narcoestado representa um banho de sangue para o povo e para a organização da classe trabalhadora.

Diante da violência extrema que começa a se abater sobre os corpos de lideranças populares como Leonidas Iza, é importante revisitar alguns marcos de sentido que vêm sendo construídos há vários anos, mas que só agora começam a concretizar suas implicações e consequências, com muita evidência, na vida das pessoas e na organização da sociedade civil em defesa da vida, dos direitos e dos territórios.

Em primeiro lugar, devemos entender que vivemos um momento histórico de extrema convulsão, no qual as forças imperiais que controlam o fluxo de capital — e, portanto, a própria vida no planeta — disputam a distribuição dos recursos a controlar. A guerra interimperialista entre os BRICS e o Ocidente significa que nós, no Sul, estamos enfrentando máquinas mais radicais de extração de mais-valia, seja humana ou extra-humana. Como esse lucro extra é extraído? Na forma de 1. mão de obra barata, tanto nos centros quanto nas periferias; 2. minerais e petróleo baratos; 3. energia e alimentos baratos; e 4. trabalhos de cuidado gratuitos.

Para garantir que a exploração do trabalho humano e extra-humano seja suficiente para sustentar a maquinaria produtiva dos Nortes, o imperialismo exige que os Estados do Sul adotem uma forma específica de controle sobre o território e as populações. No Equador, a forma de Estado que vem se configurando na última década resultou em um Narcoestado autoritário, que pode se tornar um Narcoestado fascista, se permitirmos.

Por que um Narcoestado? Porque o Estado como instituição — do Poder Executivo ao sistema de justiça e aos aparatos repressivos — é permeado por estruturas ligadas a economias ilícitas, como o narcotráfico, e suas economias derivadas, como a extorsão, o tráfico de armas e o tráfico de pessoas. Por que um governo autoritário? Porque Daniel Noboa demonstrou uma centralização de poder desde muito cedo: com a declaração do Conflito Armado Interno em 9 de janeiro de 2024 e os subsequentes estados de emergência que conseguiram estabelecer o movimento e o controle permanente das Forças Armadas e da Polícia Nacional em todo o país.

Esse elemento é fundamental porque corrobora que a militarização do território também abriu um maior alcance territorial ao crime organizado, uma vez que o aparato repressivo do Estado é altamente permeado por economias ilícitas. Neste segundo mandato, Noboa conseguiu impor quatro leis econômicas urgentes, que violam frontalmente os direitos mais básicos, fundindo ministérios e secretarias. Além disso, impõe-se uma narrativa que, além de presumir um ataque à democracia — por mais burguesa que seja —, ataca reiteradamente Leonidas Iza, a Frente Nacional Antimineração e também o Tribunal Constitucional.

Assim como a burguesia e o Estado passaram por sua evolução na última década, as organizações populares também passaram por sua própria evolução. Ao longo de nossa história como organizações da sociedade civil, Leonidas Iza Salazar emergiu como uma liderança popular, transcendendo dois marcos continentais da luta popular — outubro de 2019 e junho de 2022 — sua liderança dentro do Movimento Indígena, para se tornar uma liderança popular de amplo alcance.

Diante do atual cenário turbulento, onde o Narcoestado só promete precariedade e morte, a única força capaz de conter o avanço perverso da superexploração contra os povos e a natureza é a organização popular. Se há algo em que os setores populares e a burguesia concordam, é que Leonidas Iza Salazar representa a possibilidade de construção do Poder Popular Plurinacional. Portanto, atacar a legitimidade e a vida do companheiro Leonidas é um dos principais objetivos estratégicos do poder estatal, que atualmente também representa os interesses do imperialismo extrativista e das economias ilícitas.

Nesse sentido, atacar Leonidas acaba sendo também um ataque à possibilidade de organização da sociedade civil. Em outras palavras, o Estado equatoriano, em 18 de agosto, atacou a vida de todxs. Aqueles que lutam pela terra, pela água, pela saúde, pela educação, pelo IESS (Sistema Integrado de Seguridade Social), pelas crianças, pelos animais, pela cultura, pelo trabalho decente, pelas instituições, pela vida.

O quarto atentado à vida de Leonidas Iza demonstra a intencionalidade de um dispositivo específico de controle social. Em última análise, o discurso de ódio do capitalismo leva a cenários como o atual, em que mercenários pagos, neste caso “servidores públicos” — que como “servidores” servem apenas para defender seus senhores e como “públicos” só têm o salário — atentam contra a vida da figura mais importante da organização popular equatoriana. Na verdade, são encarregados de executar e impor o ódio que seus donos exalam nos panfletos erroneamente rotulados como “imprensa”.

Os grandes genocidas da Alemanha, quando confrontados com seus supostos crimes, negaram responsabilidade com o único argumento de “cumprir ordens”. E assim, qualquer assassino de aluguel faz justiça com as próprias mãos, executando um mandato que já lhe foi confiado em termos institucionais (ordem do Estado) e sociais (discurso de ódio), independentemente de pertencer a forças repressivas regulares ou irregulares. Os discursos de ódio são eficazes para o poder político do Estado porque generalizam seus próprios argumentos na opinião pública: só assim alguém que, no sentido mais literal, está morrendo de fome acaba defendendo um narcotraficante que é pessoalmente responsável por sua exploração. Este é o dilema do pobre de direita. O ódio à própria classe se estabelece a tal ponto que o cidadão comum acaba defendendo um extermínio social dirigido contra si mesmo.

A imprensa corporativa, a vanguarda midiática da reação — elemento central na manutenção do poder — lava as mãos de um ato de terrorismo de Estado, a ponto de defendê-lo, legitimá-lo e até mesmo exigi-lo. “O terrorista Iza sequestrou três policiais” acaba repercutindo nos círculos de opinião digitais. Não há dúvida de que a normalização, a distorção e a relativização dos fatos materiais se mostram uma constante em meio à cortina de fumaça que acaba sendo o “Novo” Equador. Se Correa e companhia estabeleceram o marketing político como instrumento de controle social, e Bukele o profissionalizou, Noboa acabou por aperfeiçoá-lo.

A imundície humana que a classe política representa como um todo também se reflete no equilíbrio de poder entre as classes: empresários são venerados por explorar a imensa maioria da classe trabalhadora, rotulados como plebeus subumanos a serem escravizados, enquanto nossos líderes populares são criminalizados, infamados e até assassinados, sob o mandato expresso de um Narcoestado e de uma maioria esmagadora que o aplaude.

Em meio à lucidez de um momento histórico em que o não-futuro é hegemônico, professado por um empresário megalomaníaco com conotações napoleônicas, o infame ato do quarto atentado contra a vida do líder popular mais significativo e resoluto da história contemporânea do Equador demonstra o seguinte: um Estado burguês, por mais narco que possa ser ou por mais convencido que esteja de manejar um país inteiro como sua própria fazenda, continua temendo uma classe organizada e digna, à altura de enfrentar o explorador, sem os complexos coloniais que assolam as pessoas “de bem” e, óbvio, bem branqueadas.

Que a classe exploradora saiba: por trás do camarada Leonidas Iza, há um povo inteiro, pronto para defendê-lo com unhas e dentes. Leonidas Iza não está sozinho, pois soube defender com dignidade a causa justa e o projeto histórico da classe trabalhadora: uma sociedade de justiça, uma sociedade bela.

Leonidas Iza tem um poncho à prova de balas chamada “povo”. Resistimos.

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