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História

50 anos após a queda de Saigon

maio 16, 2025

Por: Alejandro Iturbe

Em 30 de abril de 1975, tropas norte-vietnamitas e do Viet Minh (Frente para a Libertação do Vietnã) entraram e dominaram a cidade de Saigon (então capital do Vietnã do Sul). Imagens que percorreram o mundo mostram tropas e autoridades dos EUA fugindo às pressas em helicópteros e porta-aviões enquanto seus agentes vietnamitas tentavam desesperadamente subir nos helicópteros. Foi o fim definitivo da Guerra do Vietnã e a primeira derrota militar do imperialismo estadunidense em sua história. Este fato teve um impacto imenso na situação mundial e em sua dinâmica. 

Para entender o significado disso, faremos um breve resumo da história vietnamita no século 20 e por que os Estados Unidos se envolveram nessa guerra.

O Vietnã é um país localizado no Sudeste Asiático, na região chamada Indochina. Sua área é de cerca de 300.000 km2 e atualmente possui mais de 100 milhões de habitantes. Em 1887, o país foi colonizado pela França, junto com os demais da península da Indochina (Laos e Camboja).

Em 1940, o Império Japonês invadiu a península, ocupou grande parte dela e expulsou a maioria das tropas francesas. Nesse contexto, em 1941, foi formado o Viet Minh, com muita influência comunista e seu líder Ho Chi Minh. Essa influência vinha da luta contra o colonialismo francês. As forças trotskistas lideradas por Ta Thu Thau (fuzilado em 1945 por ordem de Ho Chi Minh) também participaram da resistência contra os franceses e japoneses[1].

O Império Japonês foi derrotado na Segunda Guerra Mundial e suas tropas se retiraram da Indochina em 1945. A parte norte do Vietnã estava sob o domínio do Viet Minh, enquanto a França permanecia no sul. Naquele ano, a Primeira Guerra da Indochina começou entre o Viet Minh e as tropas francesas (reforçadas a partir da metrópole) pelo controle de todo o território. Foi uma longa guerra que culminou com a derrota francesa na famosa batalha de Dien Bien Phu, em 1954, que deu início à derrocada colonial da França).

Naquele ano, foi realizada a Conferência de Genebra, que estabeleceu a divisão em dois países: Vietnã do Norte (que se tornou um Estado operário apoiado pela ex-URSS e pela China) e Vietnã do Sul (um país capitalista sujeito à França).

O processo revolucionário na Indochina está profundamente ligado ao da China, que, em 1949, levaria à fundação da República Popular da China, como um novo Estado operário, o primeiro do Extremo Oriente. A revolução chinesa gerou uma “onda expansiva ” em vários países da região (como Vietnã e Coréia).[2]  

Os EUA se envolvem

A situação era explosiva. Em 1957, houve um levante contra o governo sul-vietnamita, liderado a partir da clandestinidade pelo Viet Minh e o início de um avanço do exército do Norte. Estava ficando cada vez mais evidente que o governo artificial do Vietnã do Sul, sustentado pelo imperialismo francês em declínio, não resistiria por muito mais tempo. 

Nesse contexto, o imperialismo estadunidense começou a se envolver cada vez mais no conflito. Primeiro, com o aumento do envio de armas, conselheiros militares, instrutores e suprimentos. No início dos anos 1960, durante a administração de John F. Kennedy, havia 16.000 soldados estadunidenses no Vietnã. Seu sucessor, Lyndon Johnson, inventou o “incidente do Golfo de Tomkin” para declarar oficialmente guerra ao Vietnã do Norte e aumentou a presença militar dos EUA para 300.000 soldados. Com o governo de Richard Nixon (presidente entre 1969-1974) havia mais de 500.000 soldados ianques em combate, com o armamento mais moderno da época.

A intervenção militar no Vietnam não foi um acontecimento isolado, mas a expressão mais saliente da política internacional do imperialismo estadunidense desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Com a desculpa da “luta contra o comunismo”, realizou invasões militares, interveio em guerras e promoveu golpes de Estado sangrentos contra os governos que tentaram fazer alguma resistência ao seu controle.

No Sudeste Asiático, seu objetivo era formar uma “rede” de contenção para a onda expansiva da revolução chinesa. Essa política se expressou no apoio ao regime ditatorial burguês de Chiang Kai-shek, instalado na ilha de Taiwan, que foi transformado em um enclave do imperialismo ianque (1949); na criação da Coreia do Sul e intervenção na Guerra da Coréia (1950-1953) e, finalmente, na Guerra do Vietnã.  

As razões para a derrota dos EUA

Enfrentando uma resistência tenaz do povo vietnamita e um duro inimigo militar, as tropas de ocupação começaram a usar métodos cada vez mais cruéis e genocidas, como o massacre da aldeia de My Lai (1968) ou a queima de campos de cultivo com napalm (junto com os camponeses que trabalhavam nessas terras).[3] A guerra se espalhou para o Laos e o Camboja.

Apesar desses métodos de extrema crueldade, o curso da guerra foi cada vez mais desfavorável ao imperialismo. Em 1968, os vietcongues (braço militar do Viet Minh) lançaram a “Ofensiva do Tet”, que, embora contida, aumentou seu moral e mostrou sua capacidade de combate.

Pelo contrário, o moral das tropas ianques estava rachando. Por um lado, pela comprovação de que não haveria “vitória fácil”. Por outro lado, estava dividido sobre a crueldade dos métodos que devia usar.  O filme de Oliver Stone, Platoon (1986), mostrou esse processo.

Ao mesmo tempo, dentro dos Estados Unidos, a frente interna também estava rachando: começaram mobilizações massivas de estudantes e jovens em geral contra a Guerra do Vietnã, exigindo a retirada imediata das tropas estadunidenses do país. O governo de Richard Nixon encontrou muitas dificuldades para conter esse processo por meio da repressão. Seu governo estava cada vez mais enfraquecido.

Nesses anos, ainda havia recrutamento obrigatório nos EUA. Como expressão dessa rebelião contra a guerra, muitos jovens se recusaram a ser incorporados às Forças Armadas, queimavam o papel de convocação e desertavam. O famoso musical Hair é baseado nesse processo.

Diante de uma situação desfavorável, tanto no Vietnã quanto dentro dos Estados Unidos, a burguesia estadunidense chegou à conclusão de que era necessário “sair da guerra”: forçou o governo Nixon a assinar os Acordos de Paris (janeiro de 1973), que estabeleceram um cessar-fogo e um plano para a retirada das tropas e funcionários dos EUA. Foi a admissão de sua derrota pelo imperialismo estadunidense. Como punição pela derrota, Nixon sofreu impeachment e renunciou em outubro de 1974.

Sem o apoio militar, político e financeiro dos EUA, o Vietnã do Sul e seu regime político foram “condenados à morte”. A queda de Saigon em 1975 foi a concretização da derrota final do imperialismo estadunidense no Vietnã.

Consequências da derrota ianqui

O Vietnã voltou a ser um país unificado, com capital em Hanói, e foi transformado em um novo Estado operário burocratizado, muito ligado à ex-URSS e à China. O processo se estendeu para o Laos e o Camboja.

A primeira derrota político-militar do imperialismo estadunidense teve um impacto imenso na situação internacional porque abriu uma onda revolucionária que derrubou velhos regimes ditatoriais (aliados e agentes do imperialismo) em várias regiões do mundo. Em 1974, em Portugal; em 1979, no Irã; e no mesmo ano, na Nicarágua. Também promoveu a luta contra o regime de Franco na Espanha e contra as ditaduras latino-americanas.

Ao mesmo tempo, essa derrota trouxe uma grande mudança na política internacional do imperialismo estadunidense. Por um lado, abandonou o objetivo de construir uma rede político-militar para conter a revolução chinesa e adotou a política proposta por Henry Kissinger: associar-se à burocracia maoísta na restauração do capitalismo na China, que começou a tomar forma depois de 1976[4].

Por outro lado, o imperialismo estadunidense estava completamente na defensiva diante das lutas revolucionárias no mundo, o que se expressou na “síndrome do Vietnã”. A experiência do segundo período do pós-guerra mostrou que o exército dos EUA era muito eficaz se fosse uma intervenção militar rápida. Mas quando essa intervenção se transformava em uma ocupação militar permanente e enfrentava uma guerra de libertação, as coisas se tornavam muito complicadas e até levavam a pesadas derrotas. Também que golpes militares e ditaduras derivavam, mais cedo ou mais tarde, a situações explosivas e muito difíceis de controlar.

Por isso, a partir do governo de James Carter (1977), começou a promover a política que chamamos de “reação democrática”.[5] Tentando impedir processos revolucionários (ou canalizá-los se não pudessem evitá-los) por meio de eleições burguesas, acordos e negociações. Isso não significava que o imperialismo havia se tornado “pacifista” ou “humanitário”, mas que a situação o obrigava a limitar ao mínimo sua ação militar e a colocá-la a serviço de outros mecanismos táticos que permitiriam frear e desviar esses processos revolucionários para avançar nos objetivos mais estratégicos. Usando a imagem daquela besta de carga que pode avançar através de golpes ou de uma cenoura pendurada à sua frente, se limitava o uso do “porrete” e se o colocava a serviço da “cenoura”. Para isso, contava com a colaboração do aparato stalinista e sua política (“coexistência pacífica”), da Igreja e das direções burguesas nacionais.

A curta vida do Estado operário vietnamita

A vida do Vietnã unificado como um Estado operário burocratizado foi curta: em 1986 (após a restauração do capitalismo na China e na ex-URSS) a direção stalinista vietnamita começou a restauração capitalista em seu próprio país, de acordo com o modelo chinês. Ou seja, sob o regime ditatorial do PC, mas agora a serviço de um estado capitalista.

De lá para cá, uma parte significativa das empresas estatais foi privatizada e muitas famílias camponesas foram expulsas de suas terras com métodos violentos. Ao se apropriar dos campos, muitos ex-burocratas se tornaram proprietários de terras. Essas terras agora são cultivadas com o critério selvagem do “agronegócio”, com suas safras destinadas à exportação de arroz (às custas da fome de seu povo[6]). 

Ao mesmo tempo, com os trabalhadores recebendo salários ainda mais baixos do que na China, o Vietnã tornou-se um receptor de investimentos em indústrias de baixo capital e mão-de-obra intensiva, como a confecção de roupas e calçados, pelo imperialismo e de países como a Coréia do Sul[7].

Ambos os processos se expressaram em um forte aumento do PIB do país. Esses números são apresentados pela imprensa mundial como um sinal da superioridade do capitalismo sobre a economia planificada de um Estado operário[8]. No entanto, esses números não podem esconder, por um lado, que o país perdeu muito de sua independência e hoje é uma semicolônia; por outro lado, o grau de superexploração sofrido pelos trabalhadores urbanos, com um dos salários mais baixos do mundo e que não cobrem as necessidades básicas, bem como o aumento da pobreza e da fome nas áreas rurais[9]. Em outras palavras, é um crescimento do qual apenas as empresas estrangeiras e a nova burguesia vietnamita se beneficiam.

As lições da Guerra do Vietnã

Muitos lutadores no mundo consideram que é impossível derrotar o imperialismo no campo militar porque, nesse campo, ele tem uma superioridade esmagadora. No entanto, a história mostrou muitos exemplos em contrário. À custa de duros sacrifícios e sofrimentos, vimos grandes vitórias militares de povos oprimidos e colonizados contra forças militares que a  priori eram muito superiores. Basta mencionar os triunfos do povo vietnamita, primeiro sobre a França e depois sobre os Estados Unidos, e o do povo argelino em sua luta pela independência contra o imperialismo francês.

Nesses triunfos, fatores políticos e militares foram combinados. Em primeiro lugar, a disposição das massas oprimidas e colonizadas de lutar heroicamente. Em segundo lugar, essa luta foi elevada a uma guerra de libertação cada vez mais dura. Em terceiro lugar, estavam cercados de solidariedade e apoio internacional, especialmente pelas mobilizações nos próprios países imperialistas e opressores contra seus próprios governos. Tudo isso acabou causando uma queda no moral e até mesmo um colapso na combatividade do exército opressor/imperialista devido à percepção de que não haveria impunidade ou “vitória fácil”. Uma situação que se repetiu mais recentemente nas derrotas dos EUA nas guerras no Iraque e no Afeganistão.

Lembremos, então, a queda de Saigon, para tirar as lições que esse grande triunfo das massas contra o imperialismo nos deixou. Lições que devem ser aplicadas nas atuais lutas anti-imperialistas.


[1] https://litci.org/es/ta-thu-thau-lider-trotskista-vietnamita/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[2] Sobre este assunto, recomendamos a leitura do livro “As Revoluções Chinesa e Indochinesa” (Nahuel Moreno, 1968) em https://www.marxists.org/espanol/moreno/obras/06_nm.htm

[3] O Massacre de My Lai, Um Crime Sem Punição e o Uso Horrível de Napalm e Agente Laranja na Guerra do Vietnã

[4] Morre Kissinger, uma figura-chave do imperialismo norte-americano no século 20 – International Workers LeagueInternational Workers League

[5] https://litci.org/es/la-reaccion-democratica-del-sindrome-de-vietnam-al-sindrome-de-irak/?utm_source=copylink&utm_medium=browser

[6] https://www.youtube.com/watch?v=CgmokoNk-rw

[7] https://es.nhandan.vn/vietnam-recibira-gran-ola-de-inversion-extranjera-en-2025-post72067.html

[8] https://www.swissinfo.ch/spa/vietnam-tratar%C3%A1-de-alcanzar-un-crecimiento-econ%C3%B3mico-de-hasta-el-7%2C5-%25-en-2025/87767110

[9] https://www.modaes.com/entorno/vietnam-en-el-punto-de-mira-la-brecha-entre-salario-minimo-y-nivel-de-vida-se-ensancha

Tradução: Lílian Enck

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