A “paz” de Trump e Putin contra o povo ucraniano

Por: Alejandro Iturbe
Desde o início deste ano, Donald Trump vem promovendo um plano para acabar com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia. Trump propôs um “roteiro” que inclui como ponto essencial, uma reunião entre ele e Putin para chegar a um acordo sobre as etapas a seguir até a assinatura da “paz” e uma trégua de 30 dias na guerra. Qual seria o verdadeiro significado desse acordo?
A fase atual desse conflito começou em 2022, quando as tropas russas (que dominavam uma faixa oriental da Ucrânia desde 2014) lançaram uma invasão generalizada e ataques maciços para assumir o controle de todo o país, especialmente da capital Kiev. Esta ofensiva encontrou resistência heroica das massas ucranianas, forçando as tropas russas a recuar para a faixa oriental que já controlavam (Luhansk e Donetsk). Por razões que analisaremos mais adiante, a contra-ofensiva ucraniana não conseguiu derrotar e expulsar definitivamente as tropas russas e, desde então, uma longa e sangrenta “guerra de posições” foi travada contra o invasor.
Nesse contexto, o plano de Trump tem dois aspectos centrais. O primeiro é chegar a um acordo com Putin sobre a divisão da Ucrânia, entregando-lhe definitivamente a parte oriental do país. Uma proposta que Joe Biden e as potências europeias já haviam feito. Dessa forma, isso daria a Putin e a seu regime uma “retirada digna” da guerra, já que uma derrota completa colapsaria esse regime e transformaria a Rússia em uma “terra de ninguém”, algo que o imperialismo norte-americano e os europeus querem evitar a todo custo.
O problema com essa parte do plano é que eles precisam convencer as massas ucranianas a concordar em entregar parte de seu país, que elas defenderam heroicamente por três anos. A tarefa de “convencimento” recai sobre o governo Zelensky e a burguesia ucraniana.
Um segundo aspecto do plano é que a parte ocidental que conservaria a Ucrânia sairia desse acordo de “paz” completamente subjugada ao imperialismo dos EUA, como uma semicolônia. Por outro lado, o país foi duramente atingido pela guerra, sofrendo inúmeras baixas e sua infraestrutura e capacidade produtiva foram severamente danificadas (o PIB caiu cerca de 30%).
Além disso, o país ficou profundamente endividado, já que a suposta “ajuda” do imperialismo dos EUA e da União Europeia (UE) era, na verdade, empréstimos que a Ucrânia agora precisa pagar. Como garantia de pagamento, o governo de Zelensky aceitou que, após o fim da guerra, a reconstrução do país será totalmente controlada pelos EUA e pela UE. Dessa forma, eles não apenas lucrarão com o negócio da reconstrução, mas também se apropriarão dos despojos significativos das empresas estatais ucranianas e das riquíssimas terras agrícolas na planície central do país.
Além disso, o subsolo ucraniano é rico em minerais, com metais estratégicos, como o titânio, e uma abundância das chamadas “terras raras” (elementos químicos de valor crescente por seu uso na indústria, na telemática e na medicina). 60% de suas reservas estão na parte ocidental e 40 % por cento na faixa controlada por Putin. Trump já exigiu que Zelensky assinasse um acordo entregando o controle da exploração desses minerais aos EUA.
Zelensky e os oligarcas ucranianos estão dispostos a assumir a tarefa de “convencer” o povo ucraniano a aceitar essa “paz” e entregar as terras raras a Trump. Mas isso cria profundas contradições para ele, porque se assinar essa “paz” será visto como um traidor da heróica resistência ucraniana e sem futuro político. Ao mesmo tempo, assinar o acordo sobre os minerais o despiria como um agente do imperialismo dos EUA. É por isso que ele fez a “cena de TV” de não assinar esse acordo e discutir com Trump em sua recente entrevista nos EUA.
Em resumo, esse plano de “paz” proposto por Trump a Putin é um acordo contra o povo ucraniano e sua luta pela defesa de seu país. Ou seja, um acordo nitidamente contrarrevolucionário.
Mais uma vez, a teoria dos campos
Diante disso, é surpreendente que figuras e organizações que se dizem de esquerda apóiem a proposta de Trump. É o caso de Breno Altman, um jornalista brasileiro que foi membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e depois se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT). Diferentemente de outras figuras do PCB, Breno Altman ainda se diz stalinista e tem o mérito de expor suas posições com nitidez e sem ambiguidades ou manobras discursivas.

Mantendo esse estilo, em um programa recente, ele disse que a esquerda e os governos que ele define como “progressistas” (como o de Lula no Brasil) deveriam apoiar sem hesitação o plano proposto por Trump. Em sua apresentação, ele diz que a assinatura deste acordo de paz seria um triunfo da luta antiimperialista, porque significaria o reconhecimento de que Putin e as tropas russas derrotaram o imperialismo dos EUA e a OTAN. Portanto, eles teriam colocado um fim ao “monopólio da guerra no mundo”, que estes detinham.
A estrutura dessa análise é a “teoria do campo”. Essa teoria abandona a concepção marxista de classes sociais (burguesia e proletariado) e a luta de classes como o “motor da história”. Por isso, analisa os processos políticos nacionais e internacionais a partir do entendimento de que, no mundo e nos países, existem dois campos burgueses: um reacionário/inimigo e outro progressista/amigo ao qual a esquerda deve se unir para apoiar e defender seus governos em qualquer circunstância porque “é um dos nossos”.
Isso levou aqueles que defendem essa teoria a apoiar e defender ditaduras capitalistas repressivas e sangrentas, como a de Assad na Síria ou a de Putin na Rússia, e a apoiar sua agressão na Ucrânia. Dessa forma, eles não apenas são cúmplices dessas ditaduras contra seus povos, mas também afastam os trabalhadores e as massas do socialismo e da esquerda, porque eles os vêem, com razão, como cúmplices do governo burguês contra o qual estão lutando.
Quem foi o agressor na guerra entre a Ucrânia e a Rússia?
Com base nisso, Breno Altman (que apoiou a invasão russa) avança um passo além ao considerar que esse acordo de paz seria equivalente em seu conteúdo e consequências ao que Richard Nixon (então presidente dos EUA) teve de assinar em 1973, como resultado da derrota do exército dos EUA na guerra do Vietnã, que deixou o imperialismo dos EUA totalmente na defensiva no mundo (a chamada “síndrome do Vietnã”).
É uma comparação histórica completamente falsa. Na Guerra do Vietnã, o agressor e invasor foi o imperialismo norte-americano. Desde o início da década de 1960, para sustentar a existência artificial do Vietnã do Sul e seu governo burguês, começou a enviar cada vez mais tropas, chegando a mais de 500.000 soldados em combate, com o armamento mais moderno da época e empregando métodos de extrema crueldade. Seu objetivo era tentar conter a onda de choque da revolução chinesa de 1949 na região da Indochina, sob o pretexto de “combater o comunismo”. Apesar dessa superioridade militar e de seus métodos genocidas, o imperialismo norte-americano foi derrotado nessa guerra pela combinação da resistência heróica das massas vietnamitas e das mobilizações maciças contra essa agressão dentro dos próprios Estados Unidos. Como apontamos no artigo acima mencionado, essa derrota dos EUA teve um impacto muito positivo, a favor das massas, na luta de classes internacional.
Na atual guerra entre a Ucrânia e a Rússia, o agressor contra um país mais fraco foi, sem dúvida, o regime ditatorial de Putin, que buscou “varrer a Ucrânia do mapa”. Para isso, também mobilizou um exército poderoso com armamento muito superior e utilizou métodos genocidas. Fez isso com uma série de razões falsas: que a Ucrânia pertencia por “direito histórico” à Rússia, que a Ucrânia tinha que ser “desnazificada” e que estava respondendo a um possível ataque iminente da OTAN à Rússia.

Putin pensava que conseguiria uma vitória fácil contra um país muito mais fraco. Mas a resistência heróica do povo ucraniano impediu isso, mergulhou a invasão russa num atoleiro e deu início à guerra sangrenta e prolongada que vimos nos últimos três anos. Nesse contexto, Putin recorreu novamente à falsificação e comparou o que estava acontecendo na Ucrânia com a batalha de Stalingrado, onde as massas da União Soviética resistiram heroicamente à invasão da Alemanha nazista e a derrotaram.
Vamos resumir o que dissemos. No Vietnã, o agressor a ser combatido era o imperialismo dos EUA e o “lado bom” a ser apoiado era o povo vietnamita; em Stalingrado, a luta era contra a agressão nazista e o “lado bom” a ser apoiado eram as massas soviéticas. Em ambos os casos, essa era a posição comum de toda a esquerda mundial.
Pelo contrário, na guerra Ucrânia e Rússia, a esquerda se dividiu, e parte dela apóia a invasão de Putin. Francamente, é preciso olhar a realidade através de uma lente muito distorcida para negar que o exército russo é o agressor que deve ser combatido e que o povo ucraniano é quem defende seu país com uma resistência heróica contra essa agressão. Em outras palavras, é o “lado bom” que deve ser apoiado para derrotar a invasão da Rússia de Putin. Essa é a posição que a LIT-QI mantém desde o início da agressão russa.
A verdadeira política do imperialismo norte-americano e da OTAN
Ao fundamentar seu apoio ao plano proposto por Trump, Breno Altman deixa de lado outras falsificações de Putin e sustenta que esta guerra teve origem na resposta de Putin para defender a Rússia de um ataque iminente dos EUA e da OTAN. Foi, então, uma guerra entre a Rússia de Putin e os EUA/OTAN. O povo ucraniano e sua resistência à invasão teriam sido meramente uma ferramenta do imperialismo norte-americano nesta guerra, na qual Trump deve agora admitir a derrota e camuflá-la como um acordo de paz.
Mas a realidade é que nunca houve uma guerra entre os EUA/OTAN e a Rússia. Desde que o regime de Putin assumiu o poder, a política do imperialismo norte-americano, das potências europeias e da OTAN tem sido a de “coexistência pacífica” e de fazer bons negócios com esse regime, especialmente o imperialismo alemão.
Já durante sua primeira presidência, no decorrer da guerra civil síria, Trump estabeleceu um acordo de fato com Putin (que apoiava a ditadura de al-Assad) para dividir o país em duas áreas de influência separadas pelo rio Eufrates. Inclusive, em uma cruel zombaria, em 2020 houve propostas para que ambos recebessem o Prêmio Nobel da Paz.
A presidência de Biden introduziu mudanças nessa política: em seu discurso de posse, ele colocou o confronto com o regime de Putin como seu segundo alvo internacional, depois da China. Após a invasão da Ucrânia, ele elevou o tom e declarou que, tendo quebrado as regras de “coexistência pacífica”, o presidente russo “não poderia permanecer no poder”.
Mas esse endurecimento das palavras foi apenas parcialmente expresso na guerra da Ucrânia. Embora os países da OTAN estivessem se rearmando até os dentes, o fornecimento de armas para a resistência ucraniana e seu exército sempre foi muito limitado em quantidade e poder destrutivo. E foram reduzidos ao mínimo quando a contra-ofensiva ucraniana conseguiu derrotar categoricamente o exército russo e expulsá-lo do país. Nunca houve soldados da OTAN lutando na Ucrânia, embora houvesse apoio logístico dos EUA para o exército ucraniano e treinamento de oficiais ucranianos em países europeus.
Os países da OTAN “olharam para o outro lado” quando o regime de Putin anexou à Ucrânia e ocupou Donetsk e Luhansk em 2014. Como já observamos, eles estavam dispostos, desde o início, a dividir o país com Putin e fazer acordos com ele. Mas também ficaram surpresos com a força da heroica resistência ucraniana, que deteve a ofensiva russa e lançou uma poderosa contra-ofensiva. Nesse contexto, uma combinação de vários motivos os forçou a intervir com mais força.
Primeiro, eles precisavam enfraquecer Putin na perspectiva das negociações sobre a divisão da Ucrânia. Ao mesmo tempo, evitar uma derrota categórica de Putin diante da resistência ucraniana, o que levaria ao colapso de seu regime e a um processo de dinâmica irreversível em todo o Leste Europeu. É por isso que seu apoio militar sempre foi a conta-gotas. Em segundo lugar, eles tinham que descobrir como controlar e frear o processo do “povo em armas” que se desenrolava na Ucrânia. Uma grande ameaça ao capitalismo após o fim da guerra. Eles precisavam construir um exército burguês clássico como uma base sólida para um estado burguês pós-guerra. É por isso que eles nunca entregaram armas diretamente às milícias da resistência, mas ao governo de Zelensky, que era o instrumento dessa política.
A política do imperialismo norte-americano e da OTAN era prolongar a guerra o máximo possível para desgastar e sangrar o povo ucraniano, avançar na destruição da economia e da infraestrutura do país e deixá-lo completamente endividado e comprometido. Dessa forma, por um lado, eles tentam forçá-los a aceitar esse acordo de “paz” e, por outro lado, garantem que a reconstrução do país seja a maneira de subjugá-lo completamente como uma semicolônia.
Nunca houve tal guerra entre a OTAN e a Rússia. Para responder a essa falsificação, desenvolvemos uma análise complexa do que aconteceu e está acontecendo na realidade desta guerra.
Algumas conclusões
Por todas essas razões, apelamos aos trabalhadores e a esquerda de todo o mundo a rejeitar esse acordo de “paz” proposto por Trump a Putin. Como já expressamos, este é um acordo contra o povo ucraniano e sua luta pela defesa de seu país. Em outras palavras, é claramente um acordo contrarrevolucionário. Por mais que Breno Altman tente esconder isso, eles estão lado a lado.
Não devemos nos deixar enganar pelo uso da palavra “paz”. Nos tempos antigos, o conceito de “paz romana” era usado para se referir ao fato de que os povos dominados pelo Império Romano aceitavam pacificamente essa subjugação. Era a paz do opressor. É o mesmo conteúdo desta “paz de Trump e Putin”. Tal como expressa a última declaração da LIT-QI, mantemos nosso total apoio à luta dos trabalhadores e do povo ucraniano em sua guerra de libertação nacional para derrotar a agressão e a invasão de Putin. Nas condições atuais, eles precisam mais do que nunca do apoio dos trabalhadores e dos povos do mundo. A única paz verdadeira virá com o triunfo do povo ucraniano e a derrota da agressão de Putin.
Tradução: Rosangela Botelho