Noboa nos leva à deriva neoliberal e o povo se organiza
Publicamos este artigo da Revista Crisis de 11 de novembro último. Crisis é uma revista digital que nasceu com o objetivo de apresentar uma nova referência de esquerda no Equador. Com esta publicação concretizamos uma colaboração entre os dois meios de comunicação, através do intercâmbio de artigos.
Daniel Noboa, oligarca da banana, empresário gangster e presidente, além de candidato, está no cargo há um ano, no comando de um navio abertamente à deriva. Sua gestão é caracterizada por uma inoperância política concisa e consciente, além do aprofundamento da lógica empresarial no Estado burguês. Ao mesmo tempo em que se tornou o maior exportador mundial de cocaína, a República Bananeira, além de ser o território mais violento de todo o continente, é o país com o maior número de cortes de energia. Não se trata dos curingas do discurso de ódio da classe empresarial e seu típico discurso de ódio em relação à Venezuela ou Cuba, mas do Equador, o primeiro e mais próximo aliado político daqueles que consideram todo o continente como seu quintal. USA te usa.
Enquanto o presidente retorna ao seu complexo característico, gabando-se em Esmeraldas de que “temos coragem e temos o vigor de um carpinteiro, batemos pelo menos três paus…”[1], os cortes de energia representam um prejuízo econômico de mais de US$ 100 milhões por hora. A ganância corporativa de privatizar definitivamente o setor de energia, causando seu colapso devido ao desfinanciamento crônico e à inoperância autoinduzida, acabou desencadeando uma crise generalizada de eletricidade. Esses parâmetros ameaçam até mesmo o nefasto projeto de privatização, uma vez que a infraestrutura energética em seu estado atual e após anos de abandono, requer um grande e prolongado investimento para sustentá-la.
Algo que o presidente banana deixou evidente é que sua falta de critérios atinge proporções catastróficas para a classe trabalhadora. Na entrevista marcada para 27 de outubro, Noboa confessou que ignora os/as técnicos/as trabalhadores/as do setor elétrico. O motivo: “empatia”, disse o menino rico que se tornou presidente sem sangue no rosto. A consequência é que há uma absoluta falta de coordenação entre os aparelhos do Estado, que já não geram apenas até 12 horas de cortes de eletricidade por dia, mas também uma incerteza absoluta quanto aos tempos de cortes, que inevitavelmente também causam uma incerteza dolorosa para o futuro. Em algumas áreas do país, também estão sofrendo cortes do serviço de água potável, o que aumenta as dificuldades que as famílias do país enfrentam atualmente, mas também afetam a capacidade de produção da classe trabalhadora, tornando a vida já empobrecida ainda mais precária.
Se observarmos o funcionamento da estrutura econômica do país, podemos ver como a crise energética impacta especialmente os setores populares. No Equador, as grandes empresas administram 92% do total da economia, enquanto as médias, pequenas e microempresas administram os 8% restantes. Em contrapartida, no que diz respeito à criação de emprego, o Estado é responsável por cerca de 7%, as grandes empresas são responsáveis por apenas 3%, enquanto as médias, pequenas e microempresas são responsáveis por 90% do emprego da população economicamente ativa do país. Isso significa duas coisas: a primeira, que existe uma lógica de acumulação privada que controla o mercado, gerando monopólios nas mãos de poucas grandes empresas; e a segunda é que o povo gera suas próprias fontes de trabalho, mas controlam apenas 8% da economia: ou seja, que há altos graus de precariedade.
Se na república bananeira, o direito a serviços básicos como eletricidade e água se tornou um privilégio de quem pode pagá-las de forma privada ou subsidiada, como a mineração até menos de um mês atrás, então a produção dos pobres, que sustentam a vida dos mais pobres, é a mais impactada pelos cortes de energia. Somente grandes empresas como Coca-Cola, Supermaxi ou Pronaca -entre outras- podem se dar ao luxo de instalar geradores elétricos industriais para abastecer sua produção, sem em absoluto comprometer sua posição no mercado. Enquanto isso, um/a pequeno/a produtor/a é significativamente impactado/a por ter que investir em formas alternativas de fornecimento de eletricidade. Da mesma forma, principalmente os/as trabalhadores/as autônomos/as precários perderam completamente a divisão mediana entre horas de trabalho e tempo livre, usando as poucas horas de luz para produzir o que é possível.
Sendo essa a realidade econômica do país, Noboa gera subsídios, benefícios fiscais, flexibiliza a jornada de trabalho e dá prioridade a aqueles que funcionam para acumular mais lucros – a grande empresa – e deixa em absoluto abandono a grande massa do povo, que se resgata dia após dia autoempregando-se.
Um exemplo disso é a XXIX Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado que acontecerá em Cuenca de 13 a 15 de novembro, parece celebrar de forma pérfida o aniversário do governo de Noboa e, portanto, da República Bananeira. Um fórum político que desde 1991 reúne 22 países, 19 da América Latina, além de Espanha, Portugal e Andorra, parece ser um cenário favorito para dar apoio político a um presidente tão atacado e desgastado como Daniel Noboa. Tanto é o caso, que esta semana figuras da estatura de Pedro Sánchez, Luis Abinader, Javier Milei e, como não poderia faltar jamais, do rei da Espanha, sob o slogan pretensiosamente benevolente de “inovação, inclusão e sustentabilidade”, estarão em território equatoriano.
Enquanto parece ter começado o momento histórico em que as lógicas da acumulação capitalista chegam a impactar de forma catastrófica o meio ambiente e as sociedades, um fórum político neoliberal que lembra os tempos coloniais pretende propor a sustentabilidade como o novo mantra do capitalismo dependente. A Cúpula Ibero-Americana coincide com a reabertura do cadastro mineiro, pelo governo Noboa em novembro, permitindo novas concessões antes do final do curto mandato presidencial do presidente bananeiro.
Por sua vez, e em rejeição a uma reunião em que apenas os interesses do capital local e transnacional prevalecem, vários movimentos sociais, políticos e territoriais, liderados pela Frente Nacional Antimineração, se reunirão simultaneamente em Cuenca, no âmbito da Contra-Cúpula dos Povos em Resistência. A Contra-Cúpula propõe um projeto político baseado no poder popular e contra a lógica de extermínio imposta pela classe empresarial e pelas corporações transnacionais. Embora não haja dúvida de que há uma seca grave, é igualmente inquestionável que indústrias predatórias como a mineração consomem quantidades gigantescas de água e energia – até recentemente com subsídios estatais – como a mina Mirador, que consome o equivalente à água para quase 2 milhões de pessoas.
O projeto neoliberal da burguesia implica necessariamente a mais absoluta precariedade da classe trabalhadora do campo e da cidade: casas empobrecidas, futuros incertos, aprofundamento da onda migratória, depredação da natureza, terrorismo de Estado contra povos e nacionalidades, criminalização da organização e do protesto, e muita, muita angústia coletiva. É nesses momentos de raiva e dor reais, que é mais necessário construir uma consciência de classe que possa dar direção a um projeto coletivo de vida e cuidado, para todos/as. Completamente opostos ao projeto de pobreza, morte e destruição das elites. É nossa responsabilidade salvar-nos das garras do Capital e organizar-nos pela defesa do nosso futuro.
Participe da Contra-Cúpula dos Povos em Resistência, de 13 a 15 de novembro em Cuenca. Existimos porque resistimos.
[1] Durante uma intervenção pública, Noboa declarou que “temos muita coragem”, referindo-se à sua determinação, mas utilizando uma linguagem que foi rapidamente interpretada em sentido vulgar. Ele acrescentou: “temos o vigor de um carpinteiro, acertamos pelo menos três paus”, o que intensificou as reações nas redes. Acessível em: Las redes estallan: Noboa y su frase de los ‘tres palos’ convierten a Lavinia en meme (ndt.)