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Quênia

Quênia | A exemplar luta dos jovens pelo: Fora Ruto

julho 21, 2024

O Quênia é um país de pouco mais de 50 milhões de habitantes e banhado pelo Oceano Indico. Como toda nação semicolonial está padecendo e lutando contra a crise mundial do capitalismo que ganhou sucessivos saltos em 2008-2009, 2019, epidemia da Covid, a crise alimentar em decorrência da guerra da Ucrânia e como se não bastasse também está sendo golpeado pelas consequências dos desastres climáticos.

Se temos esse conjunto de desgraças que se abatem sobre o povo queniano, temos também uma espetacular resposta do movimento de massas, em especial da juventude e que a vanguarda lutadora de outros países precisa conhecer.

Por: Cesar Neto e J.G.Hata

Tudo começou com as enchentes

O conjunto de treze favelas, com mais de 500.000 habitantes e que fazem parte do complexo Mathare, na capital Nairobi, viram na noite de 24 de abril a violência dos rios Mathare e Getathuru. As inundações provocaram mais de 200 mortes, 200 mil pessoas sem casas (quase a metade da população de Mathare). Ao final da enchente as casas e infraestrutura estavam destruídas, e também a falta de recursos de subsistência. Esse e outros eventos climáticos tem se tornado comuns e o governo não se preocupou em evitar as consequências desses desastres climáticos.

Quinze dias depois das enchentes, no dia 8 de maio, os moradores de Mathare fizeram uma manifestação contra a demolição das casas afetadas pela enchente. O governo disse que daria 75 dólares a titulo de indenização por cada casa demolida. E não deu. A manifestação foi duramente reprimida pelos paramilitares da General Service Unit, que aliás, também está no Haiti.

Dessa manifestação saiu o slogan: “Que os gritos dos marginalizados não passem despercebidos como lágrimas na chuva”[1]

Ruto apresenta projeto de aumento de imposto e começam as mobilizações

No dia 18 de junho começaram as manifestações contra a elevação de impostos para gerar divisas e atender ao FMI. Wiliam Ruto, atual presidente e ex-membro da milícia de direita Youth for Kanu (YK92) durante a ditadura de Moi, agiu rápido e começou a repressão. Já no primeiro dia foram 200 presos. No dia 19 as manifestações se massificaram e a repressão aumentou com uso de munição real e o assassinato do jovem Rex Kanyike Masai.      

Jovens assumem a liderança das lutas

A África é o continente onde 70% da população tem menos de 30 anos. Esse fato é a expressão da diáspora africana em função da migração econômica, refugiados de ditaduras ou fugitivos de milícias e guerras. Esses jovens são a ponta de lança nas lutas contra custo de vida, desemprego, ditaduras, etc. Assim foi na África do Sul com o “fees must fall”, contra a repressão policial na Nigeria, contra a reeleição de Mack Sall no Senegal, nas passeatas após a morte do músico Azagaia em Moçambique, contra o aumento dos combustíveis em Angola, etc.

No Quênia também não está sendo diferente. Os jovens se colocaram a cabeça por meio das mídias sociais sob as hashtags #RejectFinanceBill2024 e #OccupyParliament. Após a morte do ativista Rex Kanyike, lançaram a campanha “Sete Dias de Lutas” com protestos planejados através das hashtags #OccupyStateHouse e #totalshutdown

Contra os pilares do Estado burguês

A juventude queniana, sem emprego, com inflação alta, indignada com a repressão em Mathare e sabendo que seus deputados e juízes ganham mais que seus homólogos de alguns países do G7, foram à luta contra os pilares do Estado burguês. Invadiram Assembleia Nacional e a Suprema Corte

De fato, os jovens de forma inconsciente na medida que não têm uma direção revolucionária, se insurgiram contra o conjunto do Estado burguês. Contra a polícia, parlamentares, juízes e o próprio presidente Wiliam Ruto.

Pare, tome um folego e veja o que fizeram os jovens quenianos em uma semana

No dia 25 de junho invadiram e incendiaram parte da Assembleia Nacional. De passagem se serviram da comida destinada aos honoráveis deputados e senadores. O símbolo que representa a autoridade do parlamento, uma maçã dourada, foi retirada e levada para uma assembleia popular em uma zona livre e bem longe da Assembleia Nacional.

Os parlamentares acuados e amedrontados tiveram que fugir por um túnel subterrâneo denominado “rota panya” ou rota para ratos. Esse era o melhor lugar para os deputados ratazanas. Ao aprovarem a Lei de Finanças passaram a ser chamados de ratos vorazes e somente pela “rota panya” puderam fugir.

A Assembleia Nacional era apenas o primeiro estágio. Em seguida invadiram o prédio da Suprema Corte. Saquearam e destruíram parte do escritório do presidente da Suprema Corte, aliado de Wiliam Ruto e membro do Kenya Kwanza (KK) a aliança que governa o país. O escritório do prefeito de Nairobi também foi incendiado, assim como as sedes dos partidos políticos e as casas de parlamentares que votaram a favor da Lei de Finanças.

O ímpeto e a fúria se espalharam imediatamente por todo o país. Foram sete dias de lutas, que começou no dia 21 e se estendeu até o dia 27 de junho. O ponto alto foi dia 25, que os jovens jocosamente apelidaram de Super Terça Feira quando invadiram o parlamento.

Jovens quenianos: Geração Z e auto organização

A maioria da vanguarda dessas lutas se autodenomina como Geração Z, isto é, aqueles que nasceram depois de 1995. A principal característica desse movimento é que são sem vínculos com as organizações tradicionais e que usaram as redes sociais para se mobilizarem. Atuando por fora dos aparatos sindicais ou das organizações estudantis, puderam escapar do controle dessas organizações burocratizados e dependentes do Estado burguês.

Se essa autonomia permitiu a auto-organização, por outro lado, reduziu a participação e discussão coletiva dos rumos do movimento e não gerou organizações mais sólidas para a vanguarda e para o desenvolvimento do próprio movimento.

Três semanas de mobilizações. Ruto destitui ministro, assessores e Procurador Geral

Depois de três semanas de mobilizações, repressão com dezenas de mortos, sequestros e prisões, Ruto foi obrigado em primeiro lugar retirar o projeto de lei que aumentava os impostos, mas o movimento exigia muito mais. Exigia Fora Ruto e este para tentar se salvar demitiu seus ministros, assessores e o próprio Procurador Geral. O jornal África News descreveu as mudanças da seguinte maneira:

“O presidente queniano William Ruto demitiu na quinta-feira quase todos os seus ministros e prometeu formar um novo governo que será enxuto e eficiente após semanas de protestos contra altos impostos e má governança. Em um discurso televisionado, o presidente também demitiu o procurador-geral e disse que os ministérios serão administrados por seus secretários permanentes. Ruto disse que tomou a decisão após ouvir o povo e que formaria um governo de base ampla após consultas”.[2]

Após a demissão de todos ministros, os jovens recomeçam: Fora Ruto

Na terça feira (16.07) depois de um mês de lutas a chama da fúria não se apagou. Os jovens saíram novamente às ruas com a consigna Fora Ruto. Mais uma vez a repressão foi violenta e nesse dia contabilizado mais um ativista assassinato, chegando ao expressivo numero de 50 mortos, segundo dados dos organismos de Direitos Humanos.

O governo ameaça proibir manifestações em Nairobi, os jovens desafiam o governo e novas manifestações estão programadas.

Algumas lições a serem tiradas do processo queniano

Em primeiro lugar é preciso reivindicar o processo de lutas dessa juventude contra as políticas de cortes gastos públicos, o desemprego e a inflação e também contra a violência policial presente no dia a dia da juventude.

O outro elemento é valorizar o papel das mídias sociais como instrumento de mobilização e ao mesmo tempo reconhecer seus limites no processo de organização democrática e participativa da vanguarda.

O outro elemento fundamental é a elaboração de um programa independente dos patrões e do governo. Nesse sentido, as poucas organizações como o Partido Comunista do Kenya cumprem um papel nefasto ao dizer para essa juventude que a tarefa central é: Pátria ou Morte! Ou é Quênia para todos, ou Quênia para ninguém!

Para nós da Liga Internacional dos Trabalhadores a tarefa central é expulsar as empresas transnacionais que roubam os recursos naturais e o FMI. E construir um país para os trabalhadores, para a juventude e o povo pobre.

  • Todo apoio a luta da juventude queniana
  • Prisão e castigo dos policiais e milicianos responsáveis por mais de 50 mortos
  • Fora Ruto
  • Fora as transnacionais e o FMI
  • Por um governo dos trabalhadores, da juventude e do povo pobre.

[1] May the cries of the marginalised not go unnoticed like tears in the rain – https://ukombozireview.com/issue-17/may-the-cries-of-the-marginalised-not-go-unnoticed-like-tears-in-the-rain/

[2] Kenyan president dismisses all cabinet ministers after weeks of protests – https://www.africanews.com/2024/07/11/kenyan-president-dismisses-all-cabinet-ministers-after-weeks-of-protests/

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