Declaração| Urge a solidariedade centro-americana e internacional para evitar o golpe de Estado Institucional na Guatemala
Só a mobilização democrática pode impedir um novo retrocesso autoritário.
A Guatemala é a principal economia da América Central, com 17 milhões de habitantes e cerca de 2,5 milhões de imigrantes nos Estados Unidos [1]. A Guatemala foi, desde a colônia, chave nos processos políticos regionais. A modernização autoritária e capitalista do século XX teve sua origem na Guatemala, assim como também muito das conquistas sociais que ainda se mantêm na América Central são um eco das conquistas da revolução de 1944-1954.
As eleições e seu contexto.
No dia 25 de junho, vão acontecer as eleições na Guatemala, com um padrão de 9 milhões de pessoas que vão eleger presidente e vice-presidente, 160 deputados, 340 corporações municipais e 20 deputados no Parlamento Centro-americano.
O processo eleitoral acontece em meio a ataques violentos às liberdades democráticas como a proscrição de três candidatos à presidência: o Movimento para a Libertação dos Povos (MLP) encabeçado por Telma Cabrera [2] e Jordán Rodas (ex-procurador dos Direitos Humanos) e as candidaturas de Roberto Arzú García do Partido Podemos e do empresário Carlos Pineda do partido Prosperidade Cidadã.
Neste mesmo sentido de crescimento dos traços bonapartistas, o país viu um retrocesso notável na luta contra a corrupção, a perda da autonomia universitária na Universidade de San Carlos[3], o fechamento do “El Periódico” e a condenação a seis anos de prisão ao jornalista Rubén Zamora, segundo informou a BBC: “cerca de 40 operadores de justiça que trabalhavam em casos relacionados com corrupção e cerca de vinte jornalistas que os investigavam acabaram detidos ou resolveram sair da Guatemala para evitar a prisão”.[4]
Esses traços bonapartistas podem ser vistos como um movimento pendular, em 2015 a Guatemala viveu uma “primavera dos povos” que através da mobilização popular tirou do governo a Otto Pérez Molina, ex-general aposentado, membro do Partido Patriota. A mobilização popular foi uma irrupção do descontentamento da população que abriu espaço no meio da “maquilhagem institucional e democrática” que pretendia a CICIG (Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala). Jimmy Morales e Alejandro Giammattei são, ambos, respostas políticas de um setor da elite econômica, política, judicial e cultural guatemalteca que não deseja a mais mínima democratização do país.
As eleições apresentaram um resultado inesperado para este setor da oligarquia guatemalteca e foram, portanto, um reflexo distorcido do descontentamento da população com o “pacto de corruptos” [5] e com o autoritarismo de Giammattei. As eleições tiveram 40% de abstenção, 17% de votos nulos e 7% de votos em branco, ou seja, um grande protesto passivo e ativo da cidadania.
O primeiro lugar ganhou Sandra Torres, política tradicional, que recebeu 15% e o segundo e, com muita surpresa, o Movimento Semilla, liderado por Bernardo Arévalo que obteve 12%, com um forte apoio nas cidades e nas classes médias. Ninguém esperava esta ascensão de Semilla que deixou fora a vários partidos de direita importantes, entre eles o partido de Zury Ríos, a filha do ex ditador Efraín Ríos Montt.
O movimento Semilla, de corte socialdemocrata, surge em 2015, como um grupo de intelectuais e profissionais que querem dar um sentido político às mobilizações populares contra Otto Pérez Molina: o conhecido intelectual Edelberto Torres Rivas e Bernardo Arévalo era um dos seus personagens centrais. Nestas eleições, Semilla consegue deslocar-se como alternativa eleitoral para outros partidos “progressistas” como a antiga URNG-MAIZ (Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca) e o ilegalizado MLP (Movimento para a Liberação dos Povos).
A maquinaria do golpe de Estado institucional está andando
A oligarquia guatemalteca não aceita nenhum tipo de democratização e impugna as eleições. O Tribunal Constitucional (máximo tribunal do país) controlado pelos partidos tradicionais de direito ordena ao TSE que suspenda a oficialização dos resultados eleitorais. Os objetivos são claros: evitar que Arévalo chegue ao segundo turno, já que seguramente ganhará as eleições [6] ou enfraquecê-lo e “roubar” alguns dos 23 deputados.
A movimentação autoritária é nitidamente -e, assim, se assemelha ao golpe de Estado hondurenho de 2009- uma movimentação das elites guatemaltecas, o imperialismo estadunidense que apoiou todos os golpes de Estado na Guatemala e na América Central, se demarca deste impulso autoritário de sus sócios chapines[1]. O Departamento de Estado aponta em 2 de julho: “Estados Unidos apoia o direito constitucional dos guatemaltecos de eleger a seus líderes por meio de eleições livres e justas, e está profundamente preocupado com os esforços de interferir no resultado das eleições de 25 de junho.” [7], a OEA exigia em 12 de Julho: o respeito à vontade popular expressada pelo povo guatemalteco no dia 25 de junho” [8].
O imperialismo norte-americano, assim como o CACIF o poderoso sindicato empresarial guatemalteco está na contramão do roubo das eleições e da ilegalização do partido Semilla, não por vontade democracia, ambos se enriqueceram à sombra das ditaduras e do “pacto de corruptos” mas porque priorizando a estabilidade da Guatemala e da região, a desestabilização política da Guatemala, poderia significar a desestabilização de toda a área, a impossibilidade da polícia guatemalteca de servir de “guarda de fronteiras” dos ianques, além de que uma mobilização democrática triunfante na Guatemala alentaria a luta dos nicaraguenses e salvadorenhos contra suas próprias ditaduras, assim como a defesa das liberdades democráticas que são atacadas na Costa Rica e em Honduras. Ou seja, os ianques não querem uma explosão no coração da América Central, que inclusive poderia chegar ao seu próprio interior graças aos milhões de imigrantes centro-americanos nos EUA.
O movimento popular guatemalteco não deve se confundir com os cantos de sereia democráticos do imperialismo, assim como o fez várias vezes em Honduras, sua “oposição” só é uma peça para depois “maquiar” o golpe e continuar com seus negócios “business as usual”.
A maquinaria do golpe de Estado institucional teve dois momentos, primeiro impugnar as eleições ante o TSE, esta movimentação não deu resultado. Finalmente, pela mobilização popular e pela presidência da governança mundial, o TSE teve que oficializar os resultados e passar Sandra Torres e Bernardo Árevalo ao segundo turno. Mas imediatamente a máquina corrompida sob o controle das elites promoveu um segundo golpe usando a Procuradoria e os juízes para tentar desempossar a pessoa jurídica do movimento Semilla.
O que fazer?
Nós, que divulgamos esta declaração somos partidos políticos que defendemos o socialismo com democracia operária como alternativa. Não compartilhamos o programa moderado de reformas de Semilla, a América Central precisa de uma grande transformação popular, que comece por sua unificação e continue com os programas não concluídos das revoluções de 1944 e 1979: Reforma agrária, nacionalização dos grandes meios de produção, separação da A Igreja e o Estado, a reforma educacional, urbana e de saúde, com plena integração dos povos indígenas que têm sido sistematicamente marginalizados.
Agora é evidente que neste momento os olhos do movimento popular em toda a América Central devem estar voltados a afirmar as liberdades democráticas na Guatemala, garantindo o direito das e dos guatemaltecos de eleger o presidente que queiram, e parece que para a maioria esse presidente tem que ser Arévalo.
Não há forma de defender estas liberdades democrática a não ser através de uma extensa mobilização popular que desmantele as estruturas corruptas como a Procuradoria, o TSE, os juízes, a polícia, etc. Garantir evitar o golpe de Estado, implica também abrir caminho para uma Assembleia Constituinte Plurinacional que refunde a Guatemala.
Partido dos Trabajadores – Costa Rica
Partido Socialista dos Trabalhadores – Honduras
Plataforma da Clase Trablhadora – El Salvador
Seções da Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional
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[1]https://www.dw.com/es/estados-unidos-env%C3%ADa-primeros-tres-vuelos-con-deportados-a-guatemala/a-64289133#:~:text=La% 20canciller%C3%ADa%20calcula%20que%20cerca,esencial%20para%20la%20econom%C3%ADa%20guatemalteca.
[2]“Telma Cabrera, líder indígena do Comitê de Desenvolvimento Camponês (CODECA) foi candidata à presidência pelo MLP em 2019, ficou em quarto lugar com 10% dos votos e ganhou em três distritos eleitorais majoritariamente indígenas.” Ver https://nuso.org/articulo/Guatemala-elecciones/
[3]https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=3002832250008369
[4] https://www.bbc.com/mundo/articles/cw8ld1799d3o
[5] Pacto de corruptos é como na Guatemala se ele chama o conjunto de redes, partidos, etc. que se utiliza para realizar delitos e garantir a impunidade.
[6] Sandra Torres concentrou-se nela no voto antipolítico, pese a haber passado a segunda ronda em duas ocasiões foi derrotada por Jimmy Morales e Alejandro Giammattei. Supõe-se que qualquer um que passe para a segunda rodada poderá vencer.
[7]https://www.state.gov/translations/spanish/interferencia-electoral-en-guatemala/
[8]https://www.oas.org/es/centro_noticias/comunicado_prensa.asp?sCodigo=C-038/23
[1] Gentílico utilizado para designar a quem nasce na Guatemala