Primeiras lições do movimento contra a reforma da previdência na França

Macron escolhe o desprezo e a imposição pela força até o fim
Em 14 de abril, a decisão do Conselho Constitucional era esperada por alguns como um elemento-chave da mobilização contra a “reforma” da previdência que Macron decidiu impor aos franceses, apesar da oposição maciça a ela que nunca enfraqueceu. Alguns dos comentaristas ao serviço do monarca do Palácio do Eliseu quiseram vê-la inclusive como a decisão suprema que encerraria definitivamente o debate e poria fim a uma mobilização social que já dura três meses.
Por: Michaël Lenoir, França
Como se os chamados “Sábios”, que decidem o que é constitucional e o que não está entre os textos legislativos, fossem justos, imparciais, a serviço de uma “democracia” por sua vez garantida pela Constituição da V República! Na noite de sexta-feira, os sábios do Conselho optaram por validar em grande parte a “reforma” de Macron. Segundo os textos, ele tinha duas semanas para promulgar a lei validada pelos “sábios”. Também poderia retomar as negociações sobre alguns aspectos da “reforma”. A Intersindical, embora garantisse que a luta contra essa “reforma” não havia terminado, pediu ao presidente que não promulgasse a lei… Este último fizera saber que, com o apoio do Conselho Constitucional, a promulgaria no prazo de 48 horas. No final, Macron agiu ainda mais rápido, promulgando a lei no meio da noite, às 3h28 da madrugada, para desgosto de todos aqueles que continuam a acreditar ou a fazer crer que é possível dialogar com o anfitrião do Eliseu e infundir-lhe alguma moderação. Ao fazê-lo, Macron aparece como um bombeiro piromaníaco multi-reincidente, que não perde uma oportunidade de mostrar o seu desprezo pelo povo, pelos trabalhadores, pelos sindicatos. Ele desencadeia cada vez mais raiva e até ódio contra ele e, além disso, contra o regime que encarna. O que poderia desbloquear a situação num futuro próximo, depois dessa nova tentativa de se impor pela força? Depois de apresentar alguns elementos de análise sobre as causas da explosão social e expor as características dos últimos três meses de luta, este artigo procura responder a essa pergunta.
Por que a explosão social?
As causas dessa explosão são múltiplas, mas tentaremos resumir os principais fatos do governo Macron. Em primeiro lugar, está a oposição entre Macron e as classes populares, não só devido ao programa, mas também por conta do estilo presidencial. Entre o inquilino do Eliseu e as classes populares, há uma velha história de não-amor. Digamos até que é uma história de um ódio tão recíproco quanto crescente. A essa permanente tensão de classe somou-se a crise social e econômica da pandemia, com uma resposta muito insuficiente do governo e, mais recentemente, uma inflação descontrolada.
Coletes amarelos e resistência à primeira tentativa de reforma da previdência
A arrogância de Macron, que passou notavelmente pela ENA e pelo Banco Rothschild, logo mexeu com os nervos dos proletários do país. Nem mesmo dois meses após sua eleição em 2017, durante uma inauguração de uma estação de trem parisiense, Macron deu o tom, expressando seu desprezo de classe abjeto pelos anônimos e desfavorecidos em uma frase que ficou famosa: “Uma estação de trem é um lugar onde você encontra pessoas que são bem-sucedidas e pessoas que não são nada”. Esta frase foi seguida por outros comentários depreciativos e ofensivos “jupiterianos”. No entanto, muitas “pessoas que não são nada” se levantaram em massa a partir de 17 de novembro de 2018, início da luta dos Coletes Amarelos. A polícia de Macron e Christophe Castaner – seu Ministro do Interior na época – contaram um punhado de mortos durante esse período e os Coletes Amarelos, centenas de feridos e mutilados, entre eles, cerca de trinta pessoas que perderam um olho “para dar o exemplo”. A grande moda entre os policiais da época, sob as ordens do sinistro chefe de polícia de Paris Didier Lallement, era atirar bolas de flash (LBD) na altura do rosto humano. É fácil entender que, no fundo dos cérebros sociopatas dos líderes macronistas, “pessoas que não são nada” apenas merecem atenção por sua saúde e integridade física… É lógico, já que não são nada! Não é de admirar, então, que sejam mutilados, inclusive assassinados… enquanto negam a existência da violência policial? Essa negação foi reiterada pelo regime, pelos sindicatos da polícia e pelo grupo onipresente e meio crítico de justiceiros da mídia a serviço do poder.
Enquanto a mobilização dos Coletes Amarelos, notadamente enfraquecida pela feroz repressão policial e judicial, marcou o momento, a luta contra a primeira “reforma” previdenciária de Macron tomou conta entre o início de dezembro de 2019 e fevereiro de 2020. De uma lógica diferente da que prevalece no texto atual, previa-se, no entanto, que tivesse um impacto catastrófico sobre os trabalhadores. O inverno de 2019-2020 foi marcado por importantes greves contra esta reforma, principalmente no setor dos transportes, nos ferroviários (SNCF) e em Paris (RATP). Mas a gestão do protesto, com dias alternados convocados por uma intersindical mais próxima do que este ano, deixou os grevistas isolados. No final, foi a chegada da pandemia de Covid-19 que impediu a implementação desta “reforma”.
Longa e anestésica Covid
Em seguida, vieram dois anos, em grande parte posto entre parênteses, em que não só a Covid, mas ainda mais as medidas sanitárias ineficientes, ineficazes, autoritárias e infantilizantes que os Macronistas reservaram à população, em particular às classes trabalhadoras, se dividiram entre aqueles que se viram obrigados a se expor ao vírus para garantir a produção material e os serviços necessários ao país e os que em grande parte voltaram ao teletrabalho. Ficou evidente, como os primeiros (cuidadores, coletores de lixo, caixas de supermercados, entregadores, transportadores, operários de fábrica etc. etc.) não eram apenas nada, mas eram os que mantinham a economia do país funcionando. Por pouco tempo, os heróis desconhecidos do trabalho cotidiano receberam elogios e encorajamentos de toda a sociedade; até mesmo do governo, que aplaudiu os cuidadores por sua bravura em desempenhar seu papel em um sistema hospitalar devastado por anos de destruição neoliberal. Ao mesmo tempo, os amados “pioneiros” “de Macron, os ricos e os gestores, revelaram sua natureza parasitária e até mesmo sua nocividade.
O segundo mandato de Macron
Num contexto marcado por uma difícil saída dos efeitos da pandemia, serviços públicos em desordem, austeridade dramática e pobreza crescente das classes populares, a que se juntaram a guerra na Ucrânia e uma catástrofe climática acelerada e cada vez mais palpável, Macron foi reeleito em 24 de abril de 2022, em condições bastante fáceis, mas mais difíceis do que em 2017, com um remake do duelo Macron-Le Pen no segundo turno. Foi especialmente nas eleições legislativas de junho, quando a coalizão eleitoral de Macron sofreu um revés, com uma presença reforçada da esquerda institucional, aglutinada no NUPES; mas sobretudo a chegada de 89 deputados do Rassemblement National (RN) de Le Pen, um fenômeno inédito na V República. Mais uma vez, Macron foi eleito, sobretudo, para bloquear Marine Le Pen e o RN. Macron primeiro reconheceu isso publicamente, parecendo admitir as implicações políticas dessa situação. Depois, apressou-se em “esquecer” e a voltar à sua proverbial arrogância e ataques aos trabalhadores. Ele permaneceu no Eliseu, não por causa, mas apesar de ter anunciado sua “reforma” da previdência durante a campanha de 2022. A inflação começou a corroer o poder de compra da maioria e, no verão, eclodiram lutas por aumentos salariais. No outono, uma greve nas refinarias dificultou muito o fornecimento de combustível, levando o governo a tomar medidas autoritárias para requisitar os grevistas. Mas a batalha sobre as pensões não tardou, já que Macron queria agir rapidamente neste terreno.
Outra vez a previdência!
A reforma do Governo Borne, anunciada a 10 de janeiro, visa, nomeadamente, aumentar a idade da aposentadoria de 62 para 64 anos e acelerar a ampliação do período mínimo contributivo, previsto desde 2013. O argumento do governo é que os franceses “devem trabalhar mais” para compensar o endividamento do Estado durante a crise da Covid e compensar o défice estrutural do sistema de pensões, que é de 1,8 bilhões este ano e será de 13 bilhões em 2030. Categoricamente, Borne e Macron se esquivam de fatos-chave que deslegitimam a necessidade de reformas e demonstram que seu governo tem no coração os interesses dos ultra ricos e das grandes multinacionais. Recorde-se, por exemplo, que, em 2017, a primeira medida de Macron como Presidente foi abolir o ISF, o imposto sobre as grandes fortunas, que se estimava contribuir para o Estado com cerca de 3 bilhões de euros por ano. Além disso, os principais grupos franceses listados no CAC 40 tiveram mais um ano de lucros recordes, com 142 bilhões de euros em 2022 (156 bilhões em 2021). Há que ressaltar ainda que o governo votou em dezembro um aumento astronômico das despesas militares para até 430 bilhões de euros para o período 2022-2030. O dinheiro para satisfazer e melhorar as necessidades vitais dos trabalhadores na França existe de sobra, o que falta é um governo operário que coloque a economia ao seu serviço e sob o seu controlo. E o governo Macron vai na direção oposta!
Sempre por meio do autoritarismo e do desprezo, nunca do diálogo, Macron conseguiu atuações singulares contra seu governo e marcou muitos gols contra seu time. Com este tipo de reforma e um método de ignorar os sindicatos, conseguiu unir contra ele todas as centrais sindicais, incluindo a CFDT, a CFTC ou a CFE-CGC, habituadas a pactuar com o governo e a opor-se às greves. A base dos sindicatos, muito irritada, também pressiona suas lideranças a se unirem e não cederem. E não esqueçamos que a luta pelas aposentadorias se faz num contexto em que as greves salariais não cessaram com o inverno. Não pode ser de outra forma, dada a inflação. Em fevereiro de 2023, era de +6,3% na média anual, mas de +16% para produtos básicos e +14% para energia.
Uma reforma brutal e massivamente rejeitada
A rejeição a esta contrarreforma é ainda mais massiva e profunda do que no inverno de 2019-2020. Todas as organizações de estudantes, de secundaristas e organizações juvenis, unidos numa Intersindical nacional, opõem-se a ela. As pesquisas desde janeiro são muito claras: 94% dos assalariados ativos e ainda mais de 70% da população se opõem a esse projeto; e 65% dos entrevistados recentes eram da opinião que o país deveria ser bloqueado para evitar isso. Algo nunca visto antes!
Três meses de luta intersindical
Entre os dias 19 de janeiro e 13 de abril, foram realizados 12 dias nacionais de mobilização convocados pela intersindical nacional. Além dos sábados 11 de fevereiro e 11 de março. Trata-se de convocações interprofissionais para manifestações e greves de 24 horas. De 19 de janeiro a 7 de março, cinco jornadas nacionais interprofissionais da Intersindical (com greve e manifestações) tiveram um acompanhamento massivo. Especialmente as manifestações, que foram multitudinárias (entre 1 e 3 milhões de pessoas nas ruas, segundo os sindicatos). Havia então muito pouca auto-organização na luta e as greves reconduzíveis não funcionavam. Quase todo mundo seguia as palavras de ordem da Intersindical.
Em 7 de março, um novo dia histórico de mobilização pretendia, segundo a direção da Intersindical, “paralisar o país”… Mas apenas por 24 horas. Em 7 de março, começaram greves prolongadas em vários setores-chave: usinas de energia elétrica, distribuição de gás, refinarias, ferrovias (SNCF), setor de coleta e tratamento de lixo.
Até 15 de março, inclusive, o quadro geral foi de manifestações massivas, muito pacíficas, sob o controle da Intersindical, mas com participação decrescente nas greves. A auto-organização em assembleias interprofissionais de grevistas, assembleias gerais de base (AGs), etc. era muito difícil e limitada.
O papel fundamental do proletariado industrial
O proletariado industrial foi um dos principais setores-chave nesta onda de greves, que protagonizaram um primeiro confronto com Macron bloqueando efetivamente setores-chave da economia. É o caso dos petroleiros das refinarias, especialmente na Normandia, dos coletores de lixo de Paris, dos ferroviários da SNCF e dos funcionários de empresas de eletricidade e gás. Em meados de março, 16% das estações de serviço da França e 30% das de Paris enfrentavam problemas de abastecimento. Cortes seletivos de energia elétrica seguem ocorrendo. Em várias ocasiões, Borne enviou policiais para desmantelar piquetes, com requisições de trabalhadores para tentar reabrir refinarias e incineradoras. Embora essas iniciativas tenham conseguido enfraquecer a greve na refinaria de Gonfreville l’Orcher, elas não alcançaram seu objetivo de esmagar a greve pela força. Pelo contrário, a vanguarda do movimento, os jovens militantes e sindicalistas mais conscientes do papel estratégico do proletariado industrial no movimento, mobilizaram-se de forma eficaz e impressionante para materializar a solidariedade com os grevistas, na refinaria da Normandia ou na incineradora de Ivry em particular, permitindo vitórias temporárias contra a polícia.
49.3 e enfraquecimento do regime
A partir 16 de março, após uma discussão fracassada no parlamento, o governo decidiu usar uma medida autoritária da Constituição da V República (o 49.3) para forçar a aprovação do texto sem votação no parlamento: Macron e a primeira-ministra Elisabeth Borne sabiam que não tinham maioria na Assembleia Nacional. Em resposta, a raiva popular explodiu e se expressou nas ruas e em todos os tipos de lugares estratégicos e/ou simbólicos. Manifestações de massa foram realizadas em 23 de março, mas a tendência foi a diminuição no número de manifestações, principalmente devido ao medo da violência policial e a ausência de uma organização de autodefesa do movimento. Alguns setores, no entanto, não têm medo e se radicalizam. Milhares de ações ocorreram nas últimas 5 semanas. A tendência de se multiplicar e endurecer é muito nítida.
A partir dessa data, a mobilização ultrapassa o quadro da Intersindical e não mais questiona apenas a reforma e Macron, mas também o funcionamento antidemocrático da V República. Este princípio de crise política foi agravado pela decisão do Conselho Constitucional de 14 de abril, que validou o 49.3 e invalidou o pedido de referendo popular sobre a reforma. No entanto, não é uma VI República refundada no âmbito da V, como propõe a França Insubmissa de Mélenchon, que dará uma resposta real à exigência de uma democracia operária e à esperança de um governo por e para os trabalhadores que se observa entre os setores mais mobilizados.
Ações radicais e ilegais
A partir de 16 de março, houve uma onda de ações radicais e até ilegais, com manifestações “selvagens” (não declaradas ou proibidas) em várias cidades regularmente, quase sempre culminando em confrontos com a polícia.
Vários bloqueios ocorreram no Aeroporto Charles de Gaulle (com até 24 km de engarrafamentos em 23 de março). Estradas, rodovias e o anel viário de Paris foram bloqueados pelos manifestantes. Especialmente nos grandes dias de mobilização, estações de trem e ferrovias são invadidas. Também edifícios públicos, como câmaras municipais ou prefeituras. Delegacias de polícia chegaram a ser atacadas, com incêndios em várias cidades.
Diante das intervenções policiais para romper as greves nas refinarias, ou contra os trabalhadores da coleta e centros de tratamento de lixo, é preciso lembrar que centenas de pessoas vieram, muitas vezes no último momento, apoiar os grevistas. Os inúmeros casos de repressão levaram a manifestações combativas em frente aos tribunais e delegacias.
Em 5 de abril, um dia “normal”, além dos dias intersindicais nacionais, houve pelo menos duas ações “espontâneas” significativas: uma faixa com os dizeres “Não aos 64!” foi pendurada no topo do Arco do Triunfo, visível de longe; e a prefeitura do 9º distrito foi invadida por manifestantes que cantavam e gritavam palavras de ordem.
Políticos favoráveis à “reforma” foram punidos: gabinetes e escritórios de deputados empossados, vandalizados ou cobertos com placas; agentes da EDF (Electricité de France) que cortaram sua eletricidade; “comitês de boas-vindas” contra políticos favoráveis à reforma em todos os lugares, sistematicamente!
Agora que a lógica institucional prevaleceu, fala-se muito em sabotar os Jogos Olímpicos de Paris 2024! Mas Paris está longe de ser a única cidade. Desde janeiro, dezenas de pequenas cidades registraram um número sem precedentes de manifestantes. Na fase atual, fala-se muito de cidades como Marselha, Nantes, Le Havre, Bordeaux, etc.
Em 20 de março, uma moção de censura contra o governo foi colocada em votação, pela esquerda, parte do centro, parte da direita e a Agrupação Nacional, na Assembleia. Faltaram apenas 9 votos (de um total de 577) para derrubar o governo. Em nível institucional, esperava-se sobretudo a noite de 14 de abril: o Conselho Constitucional devia julgar a conformidade da lei com a Constituição.
Macron foi desacreditado, como organizar o próximo passo?
Os “Sábios” – como a mídia do sistema chama os 9 membros do Conselho Constitucional, em sua maioria conservadores ou reacionários e nomeados pela cúpula do Estado burguês – julgaram a reforma em geral constitucional. Apenas alguns aspectos favoráveis aos trabalhadores mais velhos foram rejeitados, assim como uma petição de referendo feita pela esquerda.
Macron tinha 15 dias para promulgar a lei, mas o fez na madrugada de 14 para 15 de abril. Hoje o governo Borne tenta virar a página e estabilizar o país, Macron continua agindo como um bombeiro incendiário derramando óleo no fogo. Sua persistência em humilhar os sindicatos está contribuindo para radicalizar os trabalhadores.
Macron e seus ministros sob os holofotes
A frustração e a revolta continuam, o que não exclui a possibilidade do movimento, agora em retirada, ser retomado, seja contra a reforma da previdência que só será aplicada em setembro, seja no âmbito das negociações salariais que Borne quer iniciar com a Intersindical. No entanto, o ódio contra o governo continua a se expressar com ações espontâneas na ausência de uma estratégia real para construir a greve. Onde quer que vá Macron ou seus ministros, ao menos ações de protesto serão tentadas. Por exemplo, a viagem de Macron para visitar uma fábrica em Sélestat, na Alsácia, diz muito: foi vaiado e até insultado; a fábrica que ele visitou foi cortada por ativistas da EDF! Dezenas ou centenas de milhares de pessoas não querem deixá-los em paz! E isso é uma boa notícia!
Macron pretende “apaziguar o país” antes de 14 de julho, mas os setores mais combativos não querem virar a página das pensões, ao contrário do Executivo. Mesmo os sindicalistas mais brandos se recusam a ratificar a passagem pela força. No momento, nenhum sindicalista concorda abertamente em discutir com Macron. Para Sophie Binet, a nova secretária confederal da CGT, “estende-nos a mão depois de ter cortado as mangas”.
Macron ficou muito isolado. Mesmo alguns de seus guardiões da mídia têm que se distanciar dele e de seu governo. Apenas os empresários, que criticam o método (a forma), mas não a substância, participam de suas novas reuniões. Mas mesmo deste lado não há unanimidade. O sector do turismo manifestou seu descontentamento. Lixo nas calçadas, confrontos entre policiais e manifestantes: afugenta turistas. Os donos de restaurantes parisienses disseram a mesma coisa.
Macron visto do exterior
Internacionalmente, a imprensa burguesa atacou Macron. Pode-se ver isto pelo Financial Times ou o Frankfurter Allgemeine. Por quê? Porque sua brutalidade, seu desprezo pelo diálogo social radicalizam a luta de classes. A luta dos trabalhadores na França é apoiada pelas classes trabalhadoras de outros países e pode desestabilizar suas burguesias. Apenas dois exemplos. Na Grã-Bretanha, a hashtag “Seja mais francês” floresce. Na Alemanha, durante a megagreve de 27 de março e desde então, muitos trabalhadores disseram que se inspiraram na luta na França.
Depois da visita cancelada do rei Carlos III, foi o presidente argelino que desistiu da sua viagem à França… Em suma, Macron, celebrado em 2017 como um herói para a Europa do capital, parece ter se tornado uma pedra de moinho, um pato manco da burguesia internacional.
Repressão violenta e deriva policial
Como explicar que Macron ainda esteja no poder? Primeiro, a repressão simbolizada em particular pelas ações da brigada motorizada BRAV-M, ressuscitada desde 2019 e no centro de inúmeros incidentes violentos denunciados pela imprensa. O governo não convence mais, é odiado, então reprime. A violência do Estado é usada para ferir, mutilar, eventualmente matar e aterrorizar as pessoas para irem para casa! A polícia não faz o tradicional “policiamento”. Seus bandidos se soltam sobre os manifestantes e se tornam cada vez mais violentos.
Não tenhamos medo das palavras: com este presidente arrogante e o seu ministro do Interior, o horrível Gérald Darmanin, temos assassinos à frente. Depois dos Coletes Amarelos, os manifestantes voltam a ser mutilados: um sindicalista pacífico, por exemplo, perdeu um olho por um disparo de uma granada em Paris, em 23 de março. Todas as manifestações foram objeto de repressão arbitrária desde o 49.3. Em Sainte Soline (Poitou), em 25 de março, a polícia atacou os manifestantes, deixando 200 feridos, 40 deles em estado grave, dois em coma e um homem de 32 anos ainda entre a vida e a morte. As gravações mostram que a prefeitura e a gendarmaria optaram por bloquear a chegada de ajuda médica, impedindo o tratamento e resgate desse ativista, que nunca voltarão a ser como antes.
Defensores dos direitos humanos na França e em todo o mundo denunciam essa deriva repressiva, mas Macron e Darmanin continuam avançando. Este último quer dissolver as associações ambientalistas e ameaça cortar os subsídios à Liga dos Direitos Humanos. Prisões arbitrárias são realizadas, sentenças são proferidas contra simples manifestantes. O Judiciário justifica os erros policiais e se distancia do Estado de Direito.
Uma estratégia de luta que precisa mudar urgentemente
Mas a segunda razão, talvez a mais importante, que explica por que, apesar da enorme mobilização e rejeição à reforma, ela foi aprovada e o governo Macron permanece em seu lugar é a estratégia errada da intersindical. Seu objetivo era e ainda é pressionar com grandes manifestações para negociar elementos e não desenvolver uma dinâmica de luta e uma real relação de forças para que a classe trabalhadora possa bloquear a economia em uma grande greve geral, para que os trabalhadores tenham a palavra sobre as pensões e muitas outras questões. Essa estratégia de contenção das lutas sociais prevalece há 20 anos e quase sempre leva à derrota: greves pontuais, alternadas e espaçadas, que fazem perder salários sem bloquear a economia, desmoralizando os trabalhadores. Macron não se importa com tudo isso e vai pela força, desafiando o povo e os sindicatos.
Portanto, devemos bloquear o país. Isso significa construir uma greve geral até a retirada dessa lei, que Macron quer começar a implementar em setembro. Nosso campo continua como um pato sem cabeça. Há, por um lado, uma Intersindical nacional, burocrática, que propõe agora fazer do 1º de Maio um dia histórico… (e depois?); e, por outro lado, centenas de milhares de pessoas em luta, que não se rendem, mas que ainda não estão suficientemente organizadas e coordenadas, sem centralização. A luta passa por uma espécie de crise: greves isoladas, greves prorrogáveis e falta de fundos de greve suficientes, se detém. Mas muitos ativistas entendem isso sobretudo como uma recuperação de forças para iniciar uma nova luta em breve. Ao mesmo tempo, a juventude, ausente no início, está cada vez mais mobilizada, numa base muito mais radical do que as direções sindicais. Assustam os poderes constituídos.
É urgente, portanto, dotar o movimento de um programa político para se organizar de forma eficaz e vencer. Neste contexto, é necessário, por um lado, construir a auto-organização a partir das bases nos sindicatos e em outros locais. Trata-se de dotar as estruturas sindicais de base, como as assembleias interprofissionais, de uma verdadeira dinâmica soberana e também de criar e desenvolver estruturas democráticas para que outros setores do movimento e a juventude em luta possam coordenar-se. De qualquer forma, o essencial é que os setores em luta possam decidir por si mesmos sobre os próximos prazos para a construção de uma greve geral, sobre as palavras de ordem políticas e reivindicativas do movimento, ao mesmo tempo em que lançam as bases dessa direção alternativa à intersindical. Se as greves param, é por falta de perspectivas e porque muita gente perdeu dias de salário à toa. Ao mesmo tempo, a grande massa de trabalhadores gostaria que a intersindical bloqueasse o país até que se retire, mas não estão dispostos, por enquanto, a substituir à intersindical por uma direção mais radical, mas ainda muito minoritária. Por isso, é preciso que os sindicatos de base, as AGs da Interpro, etc., desafiem diretamente às direções sindicais e exijam delas o que não querem fazer: o bloqueio da economia, a greve geral para vencer.
Porém, esse movimento contra as aposentadorias mostrou que o sistema capitalista não só nos obriga a trabalhar cada vez mais e em condições cada vez piores, como também mantém dinâmicas de opressão, particularmente contra as mulheres, que são seriamente discriminadas quando se trata de ver seu trabalho produtivo e reprodutivo valorizado. No pano de fundo das reivindicações por aposentadorias e salários, o que é cada vez mais questionado é o sistema capitalista de exploração pelo lucro. Esse sistema também está destruindo o meio ambiente e as conquistas sociais da geração passada (saúde, educação…). “De que adianta uma pensão em um planeta inabitável e tóxico, um planeta que queima?”, grita uma parte dos jovens nas ruas. O movimento previdenciário oferece, portanto, a oportunidade de levantar e articular diversas reivindicações dos movimentos sociais e de construir uma alternativa política contra todos os projetos dos partidos governistas, sejam neoliberais ou pró-capitalistas, mais ou menos envergonhados, ou pretendam mudar o sistema a partir de dentro, através de uma abordagem reformista e institucional. A preparação para o 1º de Maio, que todos querem ver como um momento histórico, deveria contribuir para promover esses dois elementos de mudança da relação de forças. É a esse preço que conseguiremos conquistar uma vitória histórica, talvez indo muito além da retirada dessa “reforma”.
O caráter antidemocrático da V República torna praticamente impossível retirar a reforma sem derrubar Macron. Por isso, o movimento não pode mais se limitar a exigir a retirada da reforma e um aumento real dos salários: deve também exigir urgentemente o fim da repressão e a reconstrução dos direitos políticos e sociais, seriamente ameaçados. Em suma, diante de um poder repressivo e ilegítimo, é preciso propor uma solução que permita aos trabalhadores construir e administrar seu próprio governo.
Um desafio profundo ao governo Macron e ao marco antidemocrático da V República não pode ser feito sem um desafio às políticas da União Europeia e às suas estruturas. Macron a invoca constantemente para impor a todo custo sua “reforma”, e é de fato toda a UE que ataca as pensões e unifica a luta da burguesia contra os nossos direitos. É, pois, necessário construir um marco de luta a escala da UE para defender as nossas aposentadorias, lançando e coordenando a solidariedade do proletariado europeu.
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Tradução: Néa Vieira