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Argélia

A luta de classes não para com a pandemia

abril 29, 2020

A pandemia do coronavírus, com as medidas de isolamento social, está obrigando muitos processos de mobilização a darem um intervalo em suas formas de mobilização contra seus governos despóticos. Isso ocorre em: Hong Kong, França, Argélia, Sudão ou Chile, para citar alguns exemplos. Mas engana-se quem pensa que estes processos morreram.

Por: Asdrúbal Barboza
Isso porque as causas que geraram estes processos não acabaram, ao contrário, estes governos burgueses continuam despóticos e superexplorando a classe trabalhadora. Na verdade, estão se aproveitando da pandemia para desencadear mais ataques tanto ao nível das condições de vida dos setores mais pauperizados da população como se aproveitam deste intervalo para atacar e reprimir o movimento.
Por isso é fundamental que as mobilizações se mantenham, utilizando-se de todas as formas de luta possíveis, assim como busquem se defender e se preservar.
Através das redes sociais, criticando e explicando as políticas capitalistas e pro-patronais destes governos; com críticas à inação inicial governamental e depois às gestões incompetentes, capitalistas e mentirosas que tem sido feitas, e seus efeitos nefastos: espalhando fome e morte pelo planeta. Já se preparando para a volta das mobilizações quando arrefecer a contaminação.
Mas também tomando medidas para garantir a segurança e a integridade física e moral de seus ativistas e militantes.
Os protestos tiveram seus picos quando praças e ruas de várias cidades estiveram cheias, quando se enfrentaram com a repressão e com trabalhadores realizando suas greves e manifestações. Foram os manifestantes e jovens da “Primeira Linha”, no Chile; os coletes amarelos e os grevistas na França; os libaneses contra a ordem sectária governamental; os argelinos contra o pouvoir (poder) ditatorial de Buteflika e seus asseclas; os jovens de Hong Kong e Barcelona; os iranianos, os palestinos e todos mais.
Os franceses não esqueceram
No dizer de um ativista francês o confinamento social “funciona como uma mola que é comprimida e as tensões já estão a irromper nos bairros. E os trabalhadores expostos, veem que não são considerados. São os trabalhadores da linha de frente. na sua maioria mulheres e trabalhadores precários que estão com uma faca na garganta”. Uma explosão social generalizada pode vir provavelmente depois do “desconfinamento”, potencializada pela inflação e a piora das condições de vida dos setores mais pauperizados. “Aumentando a rejeição do governo Macron”. A grande contradição é que apesar do peso que ganharam os sindicatos as lideranças sindicais não querem confrontar o governo e continuam deixando portas de saída que lhe permitam continuar a sua política.
Neste sentido os Serviços de Inteligência da França realizaram um estudo em que concluem que após o confinamento obrigatório devem existir protestos mais radicalizados.[1] Advertem que alguns coletivos que surgiram nos últimos protestos, já estão chamando mobilizações. De acordo com as notas confidenciais deste serviço «O confinamento não permite as manifestações, mas a ira da sociedade não se debilita e a gestão da crise (…), alimenta os protestos».
Não poderia ser de outra maneira já que na França, os trabalhadores vêm se enfrentando sistematicamente, com greves gerais e mobilizações de rua, contra este governo que atualmente acumula quase 20.000 mortes. Pesquisas demonstram que a maioria dos franceses acredita que governo oculta informação, que não tem atuado a tempo, não está dando os meios necessários para a saúde e nem dá os informes corretos sobre a evolução da crise. Os profissionais da saúde se queixam da falta de máscaras e testes de detecção do vírus.
Além disso, as medidas de confinamento, postas em marcha em 17 de março, são claramente insuficientes. Como na Itália ou Espanha, os franceses continuam a trabalhar nas fabricas e em serviços não essenciais. As regiões mais afetadas pela pandemia são Gran Este e as regiões de Paris onde há uma alta densidade de população, muitos imigrantes, com os salários mais baixos, serviços públicos deteriorados e uma exclusão social crescente. Também estão sendo muito afetados pelo isolamento os trabalhadores precarizados e os que não podem permitir-se o teletrabalho e, portanto, estão sem salário com o confinamento. Nos subúrbios de Paris ocorrem enfrentamentos com a polícia já, agora, durante o isolamento social.
A odiada polícia francesa utiliza o confinamento para hostilizar, vigilar, humilhar e inclusive assassinar a quem identifica como seus maiores perigos: os imigrantes das zonas pobres. Nestas regiões se comenta: «A polícia representa uma ameaça maior que o vírus»,
Hong Kong a repressão continua.
Há praticamente um ano iniciaram os protestos contra a lei de extradição, que permitia entregar inimigos políticos suspeitos ao governo da China, que foi retirada em outubro, nos maiores processos de mobilização, desde a antiga colônia britânica.
Também em Hong Kong houve um “breick” nas manifestações, mas o ódio às autoridades governamentais permanece intacto e querem a derrubada da chefe de governo Carrie Lam. Pesquisas indicam que a maioria está favorável à volta das manifestações pela democracia, com sufrágio universal e a criação de uma comissão independente que investigue a atuação truculenta da polícia durante as manifestações. Portanto é de se esperar que logo “as máscaras contra o vírus sejam substituídas pelas máscaras de combate contra o gás lacrimogêneo”.
Muitos manifestantes hongkoneses têm optado pelas manifestações virtuais, utilizando videojogos da Nintendo, censurados pelo governo chinês no continente, decorando seus espaços com referências políticas.
Por seu lado a repressão do Estado chinês não diminuiu. Três adolescentes, acusados de jogar “cóquiteis molotov” contra uma delegacia de polícia durante as manifestações foram presos recentemente, assim como vários ativistas e dirigentes políticos, acusados de terem participado de “assembleias ilegais” realizadas durante as mobilizações. A polícia está realizando vários procedimentos, investigações e prisões preventivas.
Argélia reprime em plena quarentena
Na Argélia, o Hirak (nome em árabe do movimento do protesto contra a ditadura), existente a mais de um ano. Os ativistas tiveram que pactuar uma “trégua sanitária”.
Mas a repressão não deu trégua nenhuma. De acordo com o Comitê Nacional pela Libertação dos Detidos são 173 presos políticos neste momento nos pais, entre eles Karim Tabú e Abdelouahab Fersaoui.[2]
Nem precisa falar que há uma grande desconfiança sobre as informações divulgadas, pela ditadura, da Covid-19 em plena crise sanitária. Tudo indica que o Hirak deve voltar com força redobrada despois do isolamento obrigatório, mesmo com todas as prisões e perseguições que estão sendo realizadas pela ditadura argelina.
Piñera tenta sufocar a revolução
A pandemia deu um intervalo nas manifestações de rua do processo revolucionário chileno, assim como postergou a realização do plebiscito que estava previsto para 26 de abril. Mas não o encerrou.
As contradições políticas e sociais seguem existindo e se aprofundam em um país que tem o seu sistema de saúde privatizado, a estilo dos Estados Unidos, que com a pandemia vai prejudicar mais ainda os trabalhadores mais pobres e precarizados.
Por isso o governo Piñera quer se aproveitar deste intervalo para sufocar a revolução, mantém mais de 2.500 jovens ativistas como presos políticos, em prisão preventiva, com péssimas condições carcerárias, sem condições de higiene, de maneira totalmente arbitraria. O que foi qualificado pela Fiscal Geral do Estado, Lya Cabello, depois de uma recente inspeção ao sistema carcerário, como uma “bomba de tempo” pois “não é possível garantir que os presídios cumpram com as exigências para evitar contágios“.
Muitos deles são menores de idade, adolescentes detidos e colocados em “medida cautela de internação provisória”.
Há uma política deliberada para eliminar um dos setores do melhor da vanguarda desta luta, representada na “Primeira Linha”. Realizada por um dos maiores aparatos repressivos de América Latina, que já assassinou mais de 30 lutadores socais e mutilou mais de 400, além dos estupros e abusos sexuais cometidos por suas tropas. Tanto é assim que quando o juiz Daniel Urrutia liberou 13 ativistas de ofício para a prisão domiciliaria motivado pela pandemia de Covid-19, a Corte de Apelación deixou sem efeito esta medida, suspendeu o juiz e abriu uma investigação contra ele.
Milhares de famílias, ativistas e militantes estão se mobilizando contra esta situação através de várias organizações, enquanto a maioria das organizações que se reivindicam de “esquerda”, como Frente Amplia, vergonhosamente, se esqueceram destes presos políticos.
Defender a vida destes ativistas e combatentes é defender um capital político fundamental para Revolução Chilena. Neste sentido o heroico trabalho que está realizando a Defensoria Popular e a advogada Maria Rivera lutando, e conseguindo, a libertação destas ativistas (ainda que individualmente) é uma tarefa de primeira ordem para autodefesa do movimento.
Se preparar para os futuros combates
Mesmo em tempos de pandemia os governos burgueses não dão nenhuma trégua às organizações da classe trabalhadora, e aumentam seus ataques.
Por isso os trabalhadores devem somente acreditar em suas próprias forças, organizando-se durante a pandemia e construindo mecanismo de autoproteção contra os ataques que estão recebendo. Por que somente com sua auto-organização poderá amenizar a catástrofe que se prepara contra nossa classe e se organizar para os combates que se avizinham.
[1]file:///E:/Imprimir/Francia_%20Servicios%20de%20Inteligencia%20advierten%20radicalizaci%C3%B3n%20de%20las%20protestas%20terminada%20la%20cuarentena%20%E2%80%93%20Mirada%20Cr%C3%ADtica.pdf
[2] Liberdade para presos políticos argelinos – https://litci.org/pt/mundo/africa/argelia/liberdade-para-presos-politicos-argelinos/

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