O que é o Estado Islâmico?
Em 29 de junho de 2014, o Estado Islâmico do Iraque e do Levante anunciou a criação de um “Califado islâmico” nos territórios que atualmente compreendem a Síria e o Iraque, especificamente na porção situada “entre Aleppo e Diyala”. Na época, Abu Bakr al-Baghdadi, o máximo líder do ISIS, se autoproclamou “Ibrahim, imã e califa de todos os muçulmanos”.
[Artigo publicado originalmente em julho de 2014 na Revista Correio Internacional nº 12]
Por: Daniel Sugasti
A partir de então, o ISIS retirou as referências ao Iraque e ao Levante (Síria) de seu nome para ser chamado de “Estado Islâmico” (EI), nada mais.
O estabelecimento do Califado coincidiu com o auge de uma “guerra relâmpago” que o agora Estado Islâmico deflagrou no início de junho, movendo-se a partir dos territórios que controla na Síria em direção ao noroeste do Iraque e rumo a Bagdá.
Em menos de duas semanas, o EI tomou posse de uma extensão do território do Iraque equivalente a cinco vezes o tamanho do Líbano, que abrange cinco províncias, incluindo a segunda maior cidade do país, Mosul. Em 11 de junho também ocuparam Tikrit, emblemática por ser o local de nascimento do ex-ditador Hussein.
As tropas do EI estão disputando o controle da principal refinaria do país, em Baiji, que fornece um terço do combustível refinado do Iraque. Os combates chegaram a Baquba, a 60km de Bagdá.
No entanto, os antecedentes mais recentes dessa ofensiva do Estado Islâmico aconteceram em janeiro, quando tomaram as cidades de Fallujah e Ramadi — a 60 e 100km de distância da capital, respectivamente — e instalaram seu primeiro “Estado Islâmico”. No final de junho, o Iraque já havia perdido para os “jihadistas” o controle dos postos de fronteira para a Síria (Al Qaim) e Jordânia (Traibil).
Em todos esses territórios o EI proclamou que “a legalidade de todos os emirados, grupos, Estados e organizações torna-se nula após a expansão da autoridade do califa e a chegada de suas tropas”[1].
De acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), depois de seus mais recentes avanços nas províncias de Homs e Deir al Zur, o EI controla 35% do território sírio. Após tais conquistas, dominam quase toda a Deir al Zur, uma das zonas mais ricas em petróleo na Síria.
O avanço militar do EI é completamente reacionário
A ofensiva do EI não é um processo de luta popular que estaria sendo comandado por uma direção burguesa e contrarrevolucionária, mas sim o avanço de um “partido-exército” que pretende tomar posse dos territórios e recursos naturais da Síria e do Iraque, aplicando para isso métodos fascistas, no marco de um programa teocrático e ditatorial.
Portanto, o papel atual do EI não pode ser comparado, por exemplo, com a resistência iraquiana da última década, que, apesar de ter direções burguesas e teocráticas, cumpriu um papel progressivo, de luta pela libertação nacional, ao enfrentar as tropas de ocupação imperialistas.
O Estado Islâmico é uma organização burguesa com um programa ultra-reacionário, ditatorial e teocrático. A ofensiva militar atual tomou a forma de uma frente que reúne vários setores, incluindo ex-militares do Baas como os Homens do Exército da Ordem Naqshbandi, o braço armado do partido Baas (recentemente proibido)[2], chefes tribais sunitas[3] e outras forças “jihadistas”[4], mas o núcleo duro do EI vem de uma ruptura dissidente da Al Qaeda.
Essas forças surgiram no Iraque no contexto da ocupação norte-americana. Em 2004, eram conhecidos como a “Al Qaeda do Iraque”, e dois anos mais tarde passaram a se chamar “Estado Islâmico do Iraque”. Em 2010, a organização recebeu um duro golpe, quando as tropas dos EUA eliminaram o chefe da Al Qaeda no Iraque, Ayyub Al Masri, e o líder do Estado Islâmico do Iraque, al-Rashid al-Baghdadi. Neste contexto, no mesmo ano, Abu Bakr al-Baghdadi assumiu a liderança da organização.
Em abril de 2013, começaram a operar na guerra civil síria e acrescentaram ao seu nome a expressão “e do Levante” (Síria), dando início a um conflito com a cúpula da Al Qaeda, que exigia do então ISIS que se limitasse ao Iraque, reconhecendo como sua única extensão na Síria a Frente Al-Nusra. Esta “desobediência” terminou na ruptura e a crise derivou em confrontos armados entre a Al-Nusra e o ISIS dentro da Síria, que recrudesceram desde janeiro de 2014 e nos quais já morreram mais de 7.000 soldados de ambos os lados.
A razão da discórdia entre as duas facções está na disputa pelo controle de cidades como Raqqa e Deir al Zur, ricas em petróleo e de enorme importância política.
A movimentação militar do EI corresponde à sua estratégia política de estender o domínio do novo “Califado” a territórios que incluem também a Jordânia, a Palestina histórica, Líbano, Kuwait, Turquia e Chipre[5], sendo sua capital declarada a cidade síria de Raqqa[6].
Por trás de todo o invólucro religioso e da simbologia do “Califado”, é claro que o objetivo do EI é o controle direto, através de meios militares, das ricas reservas de petróleo de toda a região, impondo ditaduras ferozes baseadas em uma interpretação literal da lei islâmica (Sharia), ainda mais brutal que as ditaduras de seus progenitores da Al Qaeda.
Isto inclui execuções sumárias e múltiplas, além de vários tipos de atrocidades como decapitações e crucificações públicas, destruição de mesquitas xiitas e igrejas cristãs, tudo com o objetivo de impor o terror mais completo sobre a população civil.
Em Mosul e outras cidades da província de Nínive, por exemplo, o EI deixou sem água, eletricidade ou gasolina todos os cidadãos “infiéis” que não juraram fidelidade ao “Califa Ibrahim”, especialmente os cristãos e xiitas dos distritos de al Hamdaniya, Bashika e Bartala, localizados ao sul de Mosul. O caso mais dramático é o do distrito de Talkif, norte de Mosul, onde as tropas do EI cortaram definitivamente o acesso à água potável a mais de 30 mil cristãos[7].
Nesse mesmo sentido, cresce a perseguição geral aos cristãos em Mosul. Todas as casas dos cristãos naquela cidade estão sendo marcadas com um “N”, inicial da palavra Nazarat, cristão em árabe. As casas vazias foram confiscadas. As famílias cristãs que permaneceram estão sendo convocadas a se retirar, ou a converterem-se ao islamismo ou a pagar a proteção fiscal, a jizia, um “imposto” especial para os não-muçulmanos[8], algo em torno de 100 dólares mensais[9]. O EI também ordenou a funcionários públicos de Mosul suspender toda e qualquer ajuda em gás ou alimentos para os cristãos, xiitas e curdos, sob pena de serem “punidos de acordo com a Sharia”[10].
Na cidade síria de Raqqa, onde geralmente há água e eletricidade apenas por algumas horas do dia, o EI estabeleceu um “imposto” de 10 dólares para cada um desses serviços, argumentando que “a água e a eletricidade são prazeres deste mundo” e que o que realmente importa é “a obediência e a lealdade para com o califa Abu Bakr al-Baghdadi”[11].
Em Homs, milicianos do EI executaram 11 empregados civis no campo de gás de Al Shaer, em 18 de julho. O OSDH divulgou um vídeo em que um dos soldados do EI aparece batendo na cabeça de um cadáver com o sapato, como mostra de desprezo.
No final de junho, o EI havia crucificado nove pessoas, oito delas por serem rebeldes “moderados” do Exército Livre da Síria (ELS) ou da Frente Islâmica (FI). Os condenados à cruz levaram três dias para morrer, na praça principal de Deir Hafer, em Aleppo, de acordo com o OSDH[12].
Segundo relatórios da ONU, morreram no Iraque 5.576 civis devido a atentados e múltiplos casos de violência sectária desde o início de 2014, dos quais 2.400 foram mortos em junho, durante a ofensiva do Estado Islâmico. A estes números somam-se mais de 1,2 milhão de pessoas que fugiram de suas casas em 2014, a metade delas depois das ações do EI[13].
Essas medidas tirânicas minam qualquer possibilidade de apoio popular mais sólido. É provável que, num primeiro momento, algumas áreas sunitas tenham simpatizado com o EI, como parte de sua rejeição ao governo sectário de Maliki, mas com o terror implementado pelos fundamentalistas é muito difícil que este apoio se mantenha.
As milícias do EI, por exemplo, não têm nada a ver com organizações como o Hamas em Gaza ou o Hezbollah no Líbano, que, apesar das diferenças programáticas que temos com elas, temos de reconhecer que surgiram a partir de suas comunidades e no contexto de lutas progressivas. O Estado Islâmico não tem esse enraizamento popular, e o controle da população nas áreas que ocupa se dá necessariamente através da violência, de métodos brutais.
Como o Estado Islâmico é financiado?
O EI é a expressão de setores burgueses que em meio ao caos da guerra e da instabilidade no Iraque buscam sua própria fonte de negócios. De acordo com seus próprios relatórios, financiam suas campanhas militares a partir de extorsões, roubos e sequestros[14]. Tais recursos somam-se ao financiamento que recebem — embora aparentemente não de fontes diretamente governamentais — de outros importantes setores burgueses sunitas dos países da Península Arábica, como a Arábia Saudita, Qatar e Kuwait. Trata-se de milionários desse países que estão dispostos a “investir” no projeto do “Califado”.
No entanto, oficialmente, o financiamento não é declarado em países como a Arábia Saudita, que em março incluiu o EI em sua lista de grupos terroristas e anunciou penas de até 20 anos de prisão para os indivíduos que “pertençam, apoiem e financiem grupos terroristas”. Mas esse tipo de resolução tem agora pouco impacto na estrutura do EI, pois sem deixar de receber doações de particulares aparentemente conseguiu atingir o autofinanciamento a partir do controle direto de territórios e reservas de petróleo na Síria e no Iraque.
Em Mosul, além disso, tomaram posse num só golpe de mais de 500 milhões de dólares que estavam depositados na agência do Banco Central naquela cidade[15]. Segundo o general Gharaui Mahdi, ex-chefe de polícia de Mosul, o EI recebe pelo menos oito milhões de dólares em “impostos revolucionários”, contando entre eles as taxas cobradas dos cristãos e xiitas pelo “transporte seguro” através das estradas que controlam no Iraque e na Síria[16].
A ditadura do Estado Islâmico e os direitos das mulheres
O regime de barbárie instaurado pelo EI pode ser compreendido em toda a sua magnitude no que diz respeito aos direitos das mulheres. Em Raqqa, após a oração muçulmana da tarde do dia 17 de julho, o EI ordenou o apedrejamento público de uma mulher no mercado popular do distrito de Al Tabaqa, acusando-a de “adultério”, na primeira condenação deste tipo emitida pelos fundamentalistas no país.
Em Al Bab, na zona leste de Aleppo (Síria), o EI abriu uma “agência matrimonial” para mulheres solteiras e viúvas, para que encontrem maridos combatentes do grupo fundamentalista, de acordo com o Observatório Sírio para os Direitos Humanos[17].
Depois de tomar Mosul, Al Baghdadi ordenou a ablação (mutilação genital feminina) de todas as mulheres — entre o início da adolescência até os 49 anos — residentes no novo “Califado”, a fim de “evitar ‘a expansão da libertinagem e imoralidade’ entre as mulheres”[18]. Segundo a ONU, esta medida poderia afetar quatro milhões de crianças e mulheres adultas.
Também impôs o uso obrigatório do véu integral para as mulheres, ameaçando-as de receber uma “punição severa” caso não cumprissem esta ordem. Tampouco é permitido usar perfumes ou roupas justas “que permitam intuir a forma do corpo”. A justificativa: “As condições impostas sobre as roupas e a arrumação destinam-se simplesmente a acabar com o pretexto da libertinagem resultante do fato de que as mulheres se enfeitam demais”[19]. Nem os manequins das lojas de Mosul escaparam dessa medida medieval, uma vez que o EI insistiu para que todos fossem cobertos com um véu negro.
De acordo com a Federação dos Conselhos e Sindicatos de Trabalhadores do Iraque, em Mosul muitas mulheres cometeram suicídio diante da cruel situação que se abriu com a ditadura teocrática imposta pelo EI. A ONU também apresentou dados nesse sentido, relatando que quatro mulheres tiraram suas próprias vidas depois de serem estupradas ou forçadas a se casar com soldados do EI. O relatório também descreve casos de homens que cometeram suicídio depois de serem forçados a testemunhar o estupro de suas esposas e filhas[20].
Al Qaeda em crise
Segundo seus próprios informes, o EI afirma possuir 15 mil combatentes ativos, a maioria recrutada nos últimos três anos. Apesar de ter sua origem no Iraque, a organização conta com milhares de estrangeiros: marroquinos, argelinos, afegãos, tunisianos, egípcios e inclusive cerca de três mil europeus, que são recrutados em centros especiais na França, Reino Unido, Holanda, Bélgica e Espanha.
Aparentemente, é um número pequeno, mas são soldados muito disciplinados, com muita experiência em combate e, acima de tudo, com um programa político claro.
O impacto causado pela tomada de Mosul e o estabelecimento unilateral do Califado pelo mujahideen (combatentes) do EI e sua aproximação de Bagdá criaram uma força de atração que impacta uma ampla gama de grupos “jihadistas” que operam no Magreb.
Autoridades da Europa, por exemplo, não escondem sua preocupação com os milhares de combatentes do continente nas fileiras do EI e com os indícios de preparativos dessa organização para entrar na Líbia, país em que atuam vários grupos fundamentalistas e que está a menos de 300km da ilha italiana de Lampedusa.
Estima-se que, desde o início da guerra na Síria, 15 mil europeus foram se unir à “frente jihadista”, sendo o EI o principal receptor de combatentes europeus[21]. Em outros países do norte da África, como o Marrocos, origem de muitos membros do alto comando do EI e de cerca de 1.500 soldados dessa organização, foi declarado alerta máximo em todo o território.
Na Líbia e na Tunísia, grupos como o Ansar Sharia (Partidários da Lei Islâmica) já expressaram sua admiração e apoio às ações militares espetaculares dos seguidores de Al Baghdadi na Síria e no Iraque, e pediram a reconciliação entre o EI e a Frente Al Nusra. Também receberam o apoio do Ansar Bayt al Maqdis no Egito ou do Abu Sayyaf nas Filipinas.
Os êxitos militares do Estado Islâmico estão provocando até mesmo fraturas internas em outras organizações de jihadistas ainda associadas à “rede” da Al Qaeda[22], incluindo uma série de batalhões da Frente Al Nusra na Síria.
Por exemplo, a Al Qaeda nas terras do Magreb Islâmico (AQMI), que atua na Tunísia, na Líbia e até mesmo no Mali, emitiu declarações elogiando o EI, dizendo que este “avançava por um caminho justo que não é o do compromisso”[23].
Há elementos sérios que indicam que existe uma crise no seio da Al Qaeda, reforçada após a morte de Bin Laden, na qual o novo Estado Islâmico estaria substituindo-a como uma referência internacional para esse tipo de fundamentalismo.
No marco dessa disputa, a ressonância da “vitória” do EI ao estabelecer o Califado exerce muita influência, especialmente quando é apresentada em contraste com a “inércia” e “estagnação” da Al Qaeda nos últimos anos.
E essa crise atingiu seu ápice ao se traduzir em confrontos armados entre as duas facções na Síria, onde está em curso, como dissemos, uma luta feroz entre o EI e a Frente Al Nusra pelo controle das cidades que haviam sido tomadas anteriormente pelas forças rebeldes.
Tudo começou quando os seguidores de Al Baghdadi começaram a disputar a direção da Al Nusra, a filial reconhecida da Al Qaeda na Síria. Em resposta, o líder da Al Qaeda, Ayman al Zawahiri, ordenou ao então ISIS que retornasse ao Iraque, reafirmando a autoridade da Al Nusra. O ISIS respondeu anunciando a ruptura: “sobre vossa súplica para que nos retiremos da Síria, isso não vai acontecer e repetimos que é impossível”, esclarecendo ainda que “não deviam obediência” ao líder da Al Qaeda[24].
A partir daí ocorreram sucessivos confrontos armados, com um saldo de milhares de mortos. A maior parte dessas batalhas ocorreu em Deir al Zur, a região mais rica em petróleo e centro das principais empresas do ramo. O motivo é claro: controlar esse negócio como meio de financiamento para suas atividades. O outro centro de combates é Raqqa, que é de grande importância por ser a capital da província. Antes de cair nas mãos do EI, Raqqa estava dominada pela Al Nusra, que já havia expulsado os rebeldes laicos.
No contexto dessa disputa, a Frente Al Nusra também chegou a declarar outro “Califado” na Síria, o que só intensificou a luta entre este ramo da Al Qaeda e os rebeldes sírios[25].
Segundo informes do OSDH, os combates entre os dois setores ocorrem também em Aleppo, Idlib e no norte de Homs[26]. Mais de 60 mil civis foram obrigados a abandonar suas casas nessas regiões orientais da Síria[27].
O fato é que está aberta a disputa para definir a nova referência mundial do chamado “jihadismo”, o que indica um declínio da Al Qaeda, que foi agravado após a morte de seu fundador e líder, Osama Bin Laden. O desenlace não é previsível, pois pode ocorrer a partir de confrontos militares ou de uma série de mutações entre a Al Qaeda e o setor de Al Baghdadi, mas é evidente que, no teatro de operações, o novo EI leva vantagem em função da concretização do acalentado projeto de um “Califado islâmico”.
O papel do Estado Islâmico na Síria
Na Síria, como explicamos em outras ocasiões, o EI cumpre um papel contrarrevolucionário, concretamente de “quinta coluna” de Al Assad. Isso acontece porque, desde o seu aparecimento no seio da guerra civil em 2013, em vez de lutar contra a ditadura, entrou em conflito com os rebeldes sírios, tanto do ELS quanto os da Frente Islâmica, a fim de parasitar as conquistas que essas forças haviam arrancado do regime de Damasco.
Esse papel foi ficando claro com o passar dos meses, a tal ponto que hoje as principais forças antiditatoriais na Síria afirmam que o Estado Islâmico mantém acordos com Al Assad, que não bombardeia suas posições, e que chega a comprar combustível das refinarias que este setor controla em Raqqa e Deir al Zur[28].
Esta situação obrigou os revolucionários sírios, que travam uma luta desigual contra a ditadura síria, a abrir uma “segunda frente” para combater o EI e a Frente Al Nusra. Em janeiro deste ano, teve início uma série de violentos confrontos entre uma coalizão composta pela Frente Islâmica, o Exército dos Mujahideen (guerreiros santos) e o ELS, de um lado, e, de outro, o atual Estado Islâmico e as forças da Al Qaeda. Os choques armados ocorreram em Homs, Hama, Aleppo, Raqqa, Idlib e Deir al Zur, deixando apenas no primeiro mês de combates mais de 1.700 mortos[29].
Em 19 de maio de 2014, houve uma greve geral em Manbej (Aleppo) contra o controle da cidade pelo então ISIS. De acordo com ativistas da cidade, a greve teve adesão de 80% entre os trabalhadores e comerciantes locais e resistiu bravamente, apesar da dura repressão do EI, segundo o Comitê de Coordenação Local de Manbej[30].
Essas ações ocorreram no âmbito de uma ofensiva chamada “Terremoto do Norte”, que rebeldes de Aleppo lançaram para expulsar o ISIS das zonas do norte da província[31].
Em outra iniciativa contra o atual EI, rebeldes de cinco grupos islâmicos — Frente Islâmica, Brigada al Furqan, o Exército dos Mujahideen, a Legião do Levante e a União Islâmica dos Soldados do Levante — declararam, em 17 de maio, o ISIS como sendo “alvo militar da revolução”, junto com o regime sírio e seus aliados em outros países. Em um documento denominado “Contrato diante de Alá”, esses grupos justificaram sua postura a partir da necessidade de “unificar esforços e fileiras em um marco comum que sirva às necessidades do povo sírio”, pois o ISIS “cometeu agressões contra o povo [sírio]”[32].
Tais organizações, embora sejam islâmicas, destacaram que devem permanecer “longe do fundamentalismo e do radicalismo”: “A revolução síria é baseada em valores que visam alcançar a liberdade, a justiça e a segurança de toda a sociedade síria e de seu diversificado tecido social, multiétnico, multirreligioso e social”, acrescenta o comunicado[33].
No entanto, o preço de lutar contra o regime e contra o EI é muito alto para os rebeldes antiditatoriais. Alguns grupos rebeldes que lutam contra o EI estimam que até metade das suas forças foram desviadas para esta segunda frente[34].
Por se tratar de inimigos da revolução, o confronto contra o atual EI e setores do EI e Al Nusra é progressivo, e os revolucionários devem lutar para expulsá-los das zonas libertadas da Síria e em defesa dos Comitês Locais e Conselhos Populares que foram criados em diferentes cidades arrancadas do controle do regime.
Por tais razões, o avanço do Estado Islâmico no Iraque só pode favorecer a contrarrevolução na Síria. De fato, na segunda quinzena de julho, o EI lançou uma nova ofensiva na Síria, na qual ostentou o novo arsenal capturado no Iraque, a maior parte armas provenientes dos EUA, incluindo cerca de 1.500 Humvees (veículos militares), alguns armados com mísseis TOW, vários obuses e armas de precisão. Com essa artilharia pesada, atacou áreas curdas na Síria, onde agora milhares de combatentes das Unidades de Proteção do Povo (UPP) lutam contra o EI[35].
A presença do EI na Síria, além de ser uma força militar a mais contra os rebeldes no terreno, tem servido enormemente ao ditador sírio para fortalecer seu discurso em que se apresenta como o único “salvador” do país diante do “avanço do terrorismo”. Al Assad usa esta carta diante do imperialismo, mostrando-se como imprescindível para derrotar o EI, procurando ser visto ao menos como um “mal menor” pelo Ocidente.
Seu objetivo é mostrar-se como um “aliado confiável” para o imperialismo, já que depois do avanço do EI no Iraque Al Assad chegou inclusive a bombardear algumas cidades dominadas pelo EI, embora cuidando para não destruir suas sedes ou alcançar objetivos militares importantes. Em 14 de julho, o vice-ministro sírio de Negócios Estrangeiros e Expatriados, Faisal al-Mekdad, assegurou que Al Assad está determinado a “eliminar” o Estado Islâmico e conclamou os países ocidentais a se juntarem à “luta contra o terrorismo”. A este respeito, o vice-ministro argumentou que a única maneira de resolver a ameaça de grupos extremistas islâmicos é trabalhar em conjunto com o governo sírio[36].
Em outras palavras, todas as ações do EI na Síria e no Iraque são contrarrevolucionárias: na Síria, porque lutam diretamente contra os rebeldes antiditatoriais e, no Iraque, porque desviam o foco da guerra civil síria e servem de justificativa para que a ditadura síria possa aparecer como um fator de “estabilidade”. É por isso que o Estado Islâmico é parte integrante da ampla frente contrarrevolucionária que se abate sobre todo o Oriente Médio.
Notas:
[1] http://www.foxnews.com/world/2014/06/30/sunni-militants-declare-islamic-state-in-iraq-and-syria/
[2] http://www.abc.es/internacional/20140625/abci-leales-saddam-toman-armas-201406241847.html?utm_source=abc&utm_medium=rss&utm_content=uh-rss&utm_campaign=traffic-rss&rel=rosEP
[3] Entre os grupos sunitas que apoiam o EI, encontram-se o islâmico curdo Ansar Al Islam, o grupo tribal Yaish Al Islam e outros clãs de uma região que inclui partes de Bagdá e as cidades de Ramadi, Tikrit, Fallujah e Samarra (RTVE).
[4] http://www.lemonde.fr/proche-orient/article/2014/06/20/ces-alliances-heteroclites-qui-renforcent-l-eiil-en-irak_4441067_3218.html.
[5] http://piensachile.com/2014/06/hacia-donde-va-el-estado-islamico-de-irak-y-siria-isis/
[6] http://www.dailymail.co.uk/news/article-2676347/ISIS-leader-calls-Muslim-territory-group-seized-build-Islamic-state.html
[7] http://www.lavanguardia.com/internacional/20140720/54412057263/los-yihadistas-dejan-sin-agua-a-los-infieles-de-mosul.html#ixzz3835z9Gs4
[8] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/07/19/actualidad/1405780949_754142.html
[9] http://www.clarin.com/mundo/prospero-califato-siglo-XXI_0_1182481781.html
[10] http://www.lavanguardia.com/internacional/20140720/54412057263/los-yihadistas-dejan-sin-agua-a-los-infieles-de-mosul.html#ixzz3835z9Gs4
[11] http://www.lavanguardia.com/internacional/20140720/54412057263/los-yihadistas-dejan-sin-agua-a-los-infieles-de-mosul.html#ixzz3835z9Gs4
[12] http://www.lavanguardia.com/internacional/20140718/54411249312/estado-islamico-controla-tercio-siria.html#ixzz383X8Qjz2
[13] http://www.dw.de/m%C3%A1s-de-5500-civiles-han-muerto-este-a%C3%B1o-en-irak-dice-la-onu/a-17795264
[14] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/06/19/actualidad/1403210110_042938.html
[15] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/06/16/actualidad/1402946776_690141.html
[16] http://www.elmundo.es/internacional/2014/06/24/53a99799e2704e13298b4584.html?cid=MNOT23801&s_kw=los_bolsillos_que_financian_el_terror_del_isis
[17] http://www.abc.es/internacional/20140728/abci-yihadistas-agencia-matrimonial-201407281726.html
[18] http://www.lavanguardia.com/vida/20140723/54412397830/el-lider-del-estado-islamico-ordena-practicar-la-ablacion-a-las-mujeres.html
[19] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/07/25/actualidad/1406283699_085249.html
[20] http://www.infobae.com/2014/07/02/1577566-la-onu-esta-escandalizada-los-abusos-los-terroristas-contra-mujeres-iraquies
[21] http://www.abc.es/espana/20140714/abci-magreb-convierte-cantera-yihadistas-201407140540.html
[22] http://elpais.com/elpais/2014/07/06/opinion/1404661521_458839.html
[23] http://www.elmundo.es/internacional/2014/07/13/53c2a181ca4741147c8b4584.html
[24] http://www.eluniversal.com/internacional/140513/lucha-entre-grupos-yihadistas-en-siria-deja-mas-de-4700-muertos
[25] http://octavodia.mx/articulo/53035/insurgentes-anuncian-un-segundo-quotestado-islamicoquot-en-siria.
[26] http://www.abc.es/internacional/20140514/abci-siria-qaida-201405131803.html
[27] http://internacional.elpais.com/internacional/2014/05/05/actualidad/1399294660_557507.html
[28] https://tahriricn.wordpress.com/2014/06/26/iraq-and-syria-the-struggle-against-the-multi-sided-counterrevolution/
[29] http://www.rpp.com.pe/2014-02-03-siria-suben-a-mas-de-1-700-los-muertos-en-choques-entre-rebeldes-noticia_666654.html
[30] http://www.dailystar.com.lb/News/Middle-East/2014/May-19/256939-general-strike-challenges-isis-in-aleppo-town.ashx#ixzz32COGn43G
[31] http://www.dailystar.com.lb/News/Middle-East/2014/May-19/256939-general-strike-challenges-isis-in-aleppo-town.ashx#ixzz32COGn43G
[32] http://noticias.terra.com/internacional/asia/rebeldes-islamistas-sirios-declaran-a-grupo-yihadista-como-objetivo-militar,8c37d96a02106410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
[33] http://noticias.terra.com/internacional/asia/rebeldes-islamistas-sirios-declaran-a-grupo-yihadista-como-objetivo-militar,8c37d96a02106410VgnCLD2000000dc6eb0aRCRD.html
[34] http://www.economist.com/news/middle-east-and-africa/21603470-rivalry-between-insurgents-helping-him-nowbut-may-eventually-undermine-him#
[35] http://www.latercera.com/noticia/mundo/2014/07/678-587708-9-bbc-mientras-irak-arde-isis-ataca-en-siria.shtml
[36] http://www.prensalatina.cu/index.php?option=com_content&task=view&idioma=1&id=2881151&Itemid=1