31 Dias de Paralisação no Equador: Repressão e resistência
As medidas impopulares de Noboa e o início da Paralisação
Desde o primeiro dia, o governo de Daniel Noboa revelou seu caráter de classe: um regime a serviço do imperialismo estadunidense, das corporações multinacionais e dos grandes grupos econômicos, principalmente o grupo de sua família[1].
Para entender como o governo é usado em benefício próprio, basta observar que a dívida da Exportadora Bananera Noboa S.A. (parte do Grupo Noboa) com a Receita Federal (SRI) foi essencialmente “extinta” graças à Lei Orgânica de Integridade Pública, aprovada em 2025 por iniciativa do presidente Daniel Noboa[2]. Foi implementada uma anistia extraordinária, permitindo o perdão automático de 100% dos juros, multas e sobretaxas sobre dívidas fiscais contraídas até 31 de dezembro de 2024, desde que o saldo devedor fosse pago antes de 31 de dezembro de 2025. Como resultado, a empresa principal do Grupo Noboa, que tinha uma dívida pendente de aproximadamente US$ 95-98 milhões, viu sua dívida reduzida para meros US$ 3,5 milhões em setembro de 2025 e, finalmente, declarou dívida zero com o Estado em 1º de outubro de 2025.
Assim, com o decreto que eliminou o subsídio ao diesel, a Noboa transferiu o fardo da crise capitalista para os ombros da classe trabalhadora, dos camponeses e dos povos indígenas. A medida, apresentada com a retórica hipócrita da “modernização econômica”, desferiu um golpe direto no transporte público, nos camponeses, nas economias comunitárias, e suas consequências afetam toda a população.
Em resposta, a CONAIE e amplos setores da sociedade se levantaram em 22 de setembro, iniciando uma Paralisação nacional por tempo indeterminado que durou 31 dias.
A Paralisação foi uma expressão do descontentamento acumulado com um modelo econômico imposto pelo governo e pela classe que dele se beneficia, um modelo que concentra riqueza e destrói as condições de vida da população pobre[3].
Recusa do diálogo pelo governo Noboa
Durante a Paralisação, longe de abrir espaços reais para negociação, o governo fechou as portas para o diálogo, optando, em vez disso, pelo desgaste, repressão e manipulação através da mídia. Noboa utilizou a estratégia de criminalizar os protestos, acusando os lutadores de serem “terroristas”[4] e semeando o medo entre a população.
Uma única mesa de diálogo foi organizada em Otavalo (província de Imbabura) após um dia de brutal repressão — com mobilização militar e dezenas de feridos —, mas essa mesa foi estabelecida sem consulta dos dirigentes à base e serviu apenas como cortina de fumaça para o governo, que não ofereceu acordos concretos nem prazos definidos.
Militarização e Repressão: O “Diálogo” do Governo Noboa
O regime de Noboa desencadeou uma verdadeira guerra interna contra o povo em resistência. Sob o pretexto de “ordem pública”, decretou estado de emergência, militarizou as províncias em luta e inundou as ruas com tropas, tanques e gás lacrimogêneo.
A repressão deixou três mortos confirmados e dezenas de feridos[5]. Os militares invadiram comunidades indígenas, invadiram casas e assediaram líderes. Em Otavalo, o epicentro da resistência, a repressão foi brutal. O Estado burguês mostrou sua verdadeira face: um aparato armado para defender os privilégios dos ricos, não os direitos do povo.
A Política de Cooptação de Noboa por Meio de Bônus e Outras Formas de Manipulação
Enquanto reprimia com uma mão, Noboa tentava comprar a “paz social” com a outra. Após decretar o fim do subsídio ao diesel, o governo lançou uma série de “bônus compensatórios” e programas focalizados com o objetivo de neutralizar a mobilização popular. Anunciou, por exemplo, o Bônus de Compensação Diesel, destinado principalmente a transportadores registrados, com valores que variavam de US$ 400 a US$ 1.000 por mês por veículo, durante oito meses, com possibilidade de prorrogação.
Paralelamente ofereceu moratórias fiscais e linhas de crédito facilitadas para pequenos produtores rurais e cooperativas. A hipocrisia do discurso governamental era evidente: o Estado perdoava dezenas de milhões de dólares a capitalistas, enquanto distribuía migalhas aos pobres e reprimia os manifestantes.
A cooptação não foi apenas econômica, mas também política: Noboa lançou uma intensa campanha midiática para dividir o movimento indígena e neutralizar seus/suas dirigentes, prometendo projetos locais, acordos e “ajuda direta” às comunidades dispostas a suspender os bloqueios.
Em suma, essa política de cooptação foi o complemento perfeito para a repressão: uma estratégia que buscava destruir a unidade de classe e desmobilizar as massas, garantindo que o ajuste neoliberal prosseguisse sem uma revolta generalizada.
A resistência do povo de Imbabura e o epicentro da luta em Otavalo
A província de Imbabura, e especialmente Otavalo, tornou-se o coração da revolta popular. De lá se irradiaram os bloqueios de estradas, assembleias comunitárias e mobilizações que mantiveram o governo em xeque durante um mês inteiro.
O povo de Imbabura demonstrou que a força organizada de baixo para cima pode desafiar o poder burguês. Apesar da repressão, as comunidades resistiram com dignidade, transformando Otavalo em um símbolo de luta, solidariedade e dignidade.
No entanto, a Paralisação não atingiu a mesma magnitude em todo o país. Em diversas províncias, a repressão foi mais eficaz, o controle da mídia maior e as direções locais mais vacilantes. O isolamento do epicentro em Imbabura facilitou a manutenção do controle político e econômico do governo em outras regiões e, em última análise, permitiu que ele impusesse sua estratégia de desgaste[6].
Divisões internas no movimento indígena e o fim da Paralisação
Em 22 de outubro, após 31 dias de luta, Marlon Vargas, então presidente da CONAIE, anunciou o fim da Paralisação sem ter alcançado as reivindicações. A decisão foi imposta sem consultar a base e em meio a fortes críticas dos setores mais combativos. O fim da Paralisação foi interpretado por muitos como uma rendição à pressão do governo.
Parte da direção, influenciada pelo eleitoralismo e pelo reformismo, optou pelo diálogo com o inimigo de classe. Enquanto a base resistia nas rodovias, alguns dirigentes buscavam acordos em Quito. O governo explorou essas divisões para fragmentar a mobilização e enfraquecer a Paralisação. O resultado foi uma Paralisação sem direção revolucionária, onde a combatividade da base se chocava com a hesitação de sua cúpula.
Apesar disso, as comunidades mantêm vivo o espírito de luta e prometeram se reorganizar para continuar enfrentando os ataques neoliberais. A experiência demonstra que, sem independência política do Estado e da burguesia, nenhum movimento popular pode triunfar.
Consulta popular: Noboa, fiel seguidor do imperialismo estadunidense
O regime de Daniel Noboa age como um fiel servo do imperialismo estadunidense. Sob o pretexto de “segurança e cooperação”, permitiu a interferência militar e política dos EUA em território equatoriano. Seguindo os passos de Trump e da extrema-direita continental, Noboa está promovendo uma agenda autoritária: mais militarização, mais privatizações e menos direitos trabalhistas e sociais. O governo atual é uma clara expressão do capitalismo dependente e subserviente, que entrega a soberania nacional em troca do apoio do imperialismo e das elites financeiras.
Como parte de sua ofensiva neoliberal, Noboa convoca um referendo popular para 16 de novembro com uma série de reformas estruturais do Estado: entre elas, a possibilidade de permitir a instalação de bases militares estrangeiras no país, mudanças no número de deputados, a introdução de contratos de trabalho por hora no setor de turismo, o retorno de cassinos em hotéis de luxo e a elaboração de uma nova Constituição com o objetivo de modificar a Constituição de 2008. Sob o pretexto de “modernização institucional”, ele pretende apagar as conquistas históricas dos trabalhadores, dos povos indígenas e dos movimentos sociais.
Vote NÃO no referendo!
Diante desse ataque, organizações populares e a CONAIE lançaram a campanha pelo “NÃO”, convocando à resistência contra o avanço do autoritarismo.
Dizer NÃO significa defender direitos arduamente conquistados, as terras comunitárias, o direito de protestar e a autodeterminação dos povos. É necessário transformar essa rejeição em um movimento político de massas, independente do Estado e dos partidos burgueses, que articule uma verdadeira alternativa de classe.
Apoio e solidariedade à resistência no Equador
A Paralisação de 31 dias foi uma batalha histórica do povo equatoriano contra o capitalismo dependente e o autoritarismo neoliberal.
De toda a América Latina, devemos expressar nossa solidariedade ativa e internacionalista às comunidades indígenas, aos camponeses e aos trabalhadores do Equador.
Sua luta faz parte de uma causa comum: a defesa da vida, da terra e dos direitos da classe trabalhadora, dos povos indígenas, da juventude, das mulheres, dos/as negros/as e de todas as populações oprimidas contra os governos do capital e do imperialismo.
A experiência da greve demonstra que somente uma organização revolucionária de trabalhadores e camponeses, com um programa socialista, pode realmente confrontar a burguesia e alcançar um Equador livre da exploração.
[1]El Rey del banano ¿Qué es el grupo Noboa y cuáles son sus intereses en el Estado? | Wambra Medio Comunitario
[2] Ley de Daniel Noboa permitió que Bananera Noboa salde su deuda millonaria con el SRI
[3] https://litci.org/pt/2025/09/20/o-equador-se-levanta-para-enfrentar-o-ajuste-de-noboa/
[4]Equador | E onde estão os terroristas? – Liga Internacional dos TrabalhadoresLiga Internacional dos Trabalhadores
[5]https://litci.org/pt/2025/10/15/equador-governo-declara-guerra-aos-protestos-e-assassina-manifestantes/
[6] https://litci.org/pt/2025/10/18/equador-o-paro-nao-para/




