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Equador

31 Dias de Paralisação no Equador: Repressão e resistência

Ibarra, jueves 25 de septiembre de 2025 los campesinos de las comunidades del pueblo Kichwa Karanki se movilizaron hacia el centro de la ciudad, para expresar su rechazo al decreto ejecutivo 126. Con consignas en contra del gobierno se desplazaron por las principales calles de la urbe. FOTOS: Juan Carlos Cevallos/API

Lena Souza e Vero Chulde

novembro 6, 2025

As medidas impopulares de Noboa e o início da Paralisação

Desde o primeiro dia, o governo de Daniel Noboa revelou seu caráter de classe: um regime a serviço do imperialismo estadunidense, das corporações multinacionais e dos grandes grupos econômicos, principalmente o grupo de sua família[1].

Para entender como o governo é usado em benefício próprio, basta observar que a dívida da Exportadora Bananera Noboa S.A. (parte do Grupo Noboa) com a Receita Federal (SRI) foi essencialmente “extinta” graças à Lei Orgânica de Integridade Pública, aprovada em 2025 por iniciativa do presidente Daniel Noboa[2]. Foi implementada uma anistia extraordinária, permitindo o perdão automático de 100% dos juros, multas e sobretaxas sobre dívidas fiscais contraídas até 31 de dezembro de 2024, desde que o saldo devedor fosse pago antes de 31 de dezembro de 2025. Como resultado, a empresa principal do Grupo Noboa, que tinha uma dívida pendente de aproximadamente US$ 95-98 milhões, viu sua dívida reduzida para meros US$ 3,5 milhões em setembro de 2025 e, finalmente, declarou dívida zero com o Estado em 1º de outubro de 2025.

Assim, com o decreto que eliminou o subsídio ao diesel, a Noboa transferiu o fardo da crise capitalista para os ombros da classe trabalhadora, dos camponeses e dos povos indígenas. A medida, apresentada com a retórica hipócrita da “modernização econômica”, desferiu um golpe direto no transporte público, nos camponeses, nas economias comunitárias, e suas consequências afetam toda a população.

Em resposta, a CONAIE e amplos setores da sociedade se levantaram em 22 de setembro, iniciando uma Paralisação nacional por tempo indeterminado que durou 31 dias.

A Paralisação foi uma expressão do descontentamento acumulado com um modelo econômico imposto pelo governo e pela classe que dele se beneficia, um modelo que concentra riqueza e destrói as condições de vida da população pobre[3].

Recusa do diálogo pelo governo Noboa

Durante a Paralisação, longe de abrir espaços reais para negociação, o governo fechou as portas para o diálogo, optando, em vez disso, pelo desgaste, repressão e manipulação através da mídia. Noboa utilizou a estratégia de criminalizar os protestos, acusando os lutadores de serem “terroristas”[4] e semeando o medo entre a população.

Uma única mesa de diálogo foi organizada em Otavalo (província de Imbabura) após um dia de brutal repressão — com mobilização militar e dezenas de feridos —, mas essa mesa foi estabelecida sem consulta dos dirigentes à base e serviu apenas como cortina de fumaça para o governo, que não ofereceu acordos concretos nem prazos definidos.

Militarização e Repressão: O “Diálogo” do Governo Noboa

O regime de Noboa desencadeou uma verdadeira guerra interna contra o povo em resistência. Sob o pretexto de “ordem pública”, decretou estado de emergência, militarizou as províncias em luta e inundou as ruas com tropas, tanques e gás lacrimogêneo.

A repressão deixou três mortos confirmados e dezenas de feridos[5]. Os militares invadiram comunidades indígenas, invadiram casas e assediaram líderes. Em Otavalo, o epicentro da resistência, a repressão foi brutal. O Estado burguês mostrou sua verdadeira face: um aparato armado para defender os privilégios dos ricos, não os direitos do povo.

A Política de Cooptação de Noboa por Meio de Bônus e Outras Formas de Manipulação

Enquanto reprimia com uma mão, Noboa tentava comprar a “paz social” com a outra. Após decretar o fim do subsídio ao diesel, o governo lançou uma série de “bônus compensatórios” e programas focalizados com o objetivo de neutralizar a mobilização popular. Anunciou, por exemplo, o Bônus de Compensação Diesel, destinado principalmente a transportadores registrados, com valores que variavam de US$ 400 a US$ 1.000 por mês por veículo, durante oito meses, com possibilidade de prorrogação.

Paralelamente ofereceu moratórias fiscais e linhas de crédito facilitadas para pequenos produtores rurais e cooperativas. A hipocrisia do discurso governamental era evidente: o Estado perdoava dezenas de milhões de dólares a capitalistas, enquanto distribuía migalhas aos pobres e reprimia os manifestantes.

A cooptação não foi apenas econômica, mas também política: Noboa lançou uma intensa campanha midiática para dividir o movimento indígena e neutralizar seus/suas dirigentes, prometendo projetos locais, acordos e “ajuda direta” às comunidades dispostas a suspender os bloqueios.

Em suma, essa política de cooptação foi o complemento perfeito para a repressão: uma estratégia que buscava destruir a unidade de classe e desmobilizar as massas, garantindo que o ajuste neoliberal prosseguisse sem uma revolta generalizada.

A resistência do povo de Imbabura e o epicentro da luta em Otavalo

A província de Imbabura, e especialmente Otavalo, tornou-se o coração da revolta popular. De lá se irradiaram os bloqueios de estradas, assembleias comunitárias e mobilizações que mantiveram o governo em xeque durante um mês inteiro.

O povo de Imbabura demonstrou que a força organizada de baixo para cima pode desafiar o poder burguês. Apesar da repressão, as comunidades resistiram com dignidade, transformando Otavalo em um símbolo de luta, solidariedade e dignidade.

No entanto, a Paralisação não atingiu a mesma magnitude em todo o país. Em diversas províncias, a repressão foi mais eficaz, o controle da mídia maior e as direções locais mais vacilantes. O isolamento do epicentro em Imbabura facilitou a manutenção do controle político e econômico do governo em outras regiões e, em última análise, permitiu que ele impusesse sua estratégia de desgaste[6].

Divisões internas no movimento indígena e o fim da Paralisação

Em 22 de outubro, após 31 dias de luta, Marlon Vargas, então presidente da CONAIE, anunciou o fim da Paralisação sem ter alcançado as reivindicações. A decisão foi imposta sem consultar a base e em meio a fortes críticas dos setores mais combativos. O fim da Paralisação foi interpretado por muitos como uma rendição à pressão do governo.

Parte da direção, influenciada pelo eleitoralismo e pelo reformismo, optou pelo diálogo com o inimigo de classe. Enquanto a base resistia nas rodovias, alguns dirigentes buscavam acordos em Quito. O governo explorou essas divisões para fragmentar a mobilização e enfraquecer a Paralisação. O resultado foi uma Paralisação sem direção revolucionária, onde a combatividade da base se chocava com a hesitação de sua cúpula.

Apesar disso, as comunidades mantêm vivo o espírito de luta e prometeram se reorganizar para continuar enfrentando os ataques neoliberais. A experiência demonstra que, sem independência política do Estado e da burguesia, nenhum movimento popular pode triunfar.

Consulta popular: Noboa, fiel seguidor do imperialismo estadunidense

O regime de Daniel Noboa age como um fiel servo do imperialismo estadunidense. Sob o pretexto de “segurança e cooperação”, permitiu a interferência militar e política dos EUA em território equatoriano. Seguindo os passos de Trump e da extrema-direita continental, Noboa está promovendo uma agenda autoritária: mais militarização, mais privatizações e menos direitos trabalhistas e sociais. O governo atual é uma clara expressão do capitalismo dependente e subserviente, que entrega a soberania nacional em troca do apoio do imperialismo e das elites financeiras.

Como parte de sua ofensiva neoliberal, Noboa convoca um referendo popular para 16 de novembro com uma série de reformas estruturais do Estado: entre elas, a possibilidade de permitir a instalação de bases militares estrangeiras no país, mudanças no número de deputados, a introdução de contratos de trabalho por hora no setor de turismo, o retorno de cassinos em hotéis de luxo e a elaboração de uma nova Constituição com o objetivo de modificar a Constituição de 2008. Sob o pretexto de “modernização institucional”, ele pretende apagar as conquistas históricas dos trabalhadores, dos povos indígenas e dos movimentos sociais. 

Vote NÃO no referendo!      

Diante desse ataque, organizações populares e a CONAIE lançaram a campanha pelo “NÃO”, convocando à resistência contra o avanço do autoritarismo.

Dizer NÃO significa defender direitos arduamente conquistados, as terras comunitárias, o direito de protestar e a autodeterminação dos povos. É necessário transformar essa rejeição em um movimento político de massas, independente do Estado e dos partidos burgueses, que articule uma verdadeira alternativa de classe.

Apoio e solidariedade à resistência no Equador

A Paralisação de 31 dias foi uma batalha histórica do povo equatoriano contra o capitalismo dependente e o autoritarismo neoliberal.

De toda a América Latina, devemos expressar nossa solidariedade ativa e internacionalista às comunidades indígenas, aos camponeses e aos trabalhadores do Equador.

Sua luta faz parte de uma causa comum: a defesa da vida, da terra e dos direitos da classe trabalhadora, dos povos indígenas, da juventude, das mulheres, dos/as negros/as e de todas as populações oprimidas contra os governos do capital e do imperialismo.

A experiência da greve demonstra que somente uma organização revolucionária de trabalhadores e camponeses, com um programa socialista, pode realmente confrontar a burguesia e alcançar um Equador livre da exploração.


[1]El Rey del banano ¿Qué es el grupo Noboa y cuáles son sus intereses en el Estado? | Wambra Medio Comunitario

[2] Ley de Daniel Noboa permitió que Bananera Noboa salde su deuda millonaria con el SRI

[3] https://litci.org/pt/2025/09/20/o-equador-se-levanta-para-enfrentar-o-ajuste-de-noboa/

[4]Equador | E onde estão os terroristas? – Liga Internacional dos TrabalhadoresLiga Internacional dos Trabalhadores

[5]https://litci.org/pt/2025/10/15/equador-governo-declara-guerra-aos-protestos-e-assassina-manifestantes/

[6] https://litci.org/pt/2025/10/18/equador-o-paro-nao-para/

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