Equador | E onde estão os terroristas?

Por: Revista Crisis
Publicamos abaixo artigo da Revista Crisis, do Equador, que em conjunto com outras meios comunitários está publicando informações sobre a paralisação nacional no país. A recente paralisação no Equador tem sido acompanhada de perto por meios comunitários e populares de comunicação, que cumprem um papel fundamental ao transmitir informações diretas das ruas, das comunidades e das organizações mobilizadas permitindo compreender a dimensão real das reivindicações e da repressão enfrentada. Publicar e difundir suas notícias em outros espaços, como este, é uma forma de fortalecer a circulação de vozes que expressam o protagonismo dos povos em luta e de ampliar a solidariedade latino-americana.
Estamos no 23º dia da Paralisação Popular. Semanas de ocupação das ruas, nas quais Imbabura tem sido a alma da trincheira popular e ofereceu o sangue de um irmão: Efraín Fuerez está presente. Semanas de focos de calor se acendendo aqui e ali, demonstrando que o descontentamento popular se espalha além do controle de qualquer totalitarismo e propaganda estatal. Esta paralisação, agora em sua quarta semana, revelou várias coisas: 1. Há apenas uma guerra travada pelo governo Daniel Noboa, e é contra o povo e os setores populares do país. Alguns são atacados com perseguição e balas, outros com fome e miséria, ou ambos; 2. Existem os meios e orçamento para mobilizar as forças públicas para controlar territórios, mas não há vontade política para controlar as economias ilícitas: a insegurança e a violência em que vivemos; e 3. A dignidade do povo é infinita e, apesar da nossa abismal desvantagem na correlação de forças contra o Estado e a classe empresarial, temos a vontade de ir às ruas por nossa terra e nossas vidas.
Nestas semanas, a perseguição e a repressão têm sido o nosso pão de cada dia. Não declaramos Daniel Noboa e seu governo fascistas por diversão; fazemos isso porque ele promove abertamente o discurso de ódio e o extermínio, e usa o poder do Estado para cimentá-lo na opinião pública e nas instituições. Em uma resposta invencível, os povos criminalizados, assediados pela radicalização do racismo social e institucional, sustentam sua resistência, que não é apenas um exercício histórico de mais de 533 anos, mas também um direito constitucional consagrado no Artigo 98.
No 22º dia da paralisação popular, o Governo Nacional mobilizou novamente um contingente repressivo que voltou a chamar de “comboio humanitário”. Até o fechamento deste editorial, as comunidades de La Esperanza e Zuleta estavam militarizadas. As forças armadas espancaram moradores, incluindo um menor, lançaram gás lacrimogêneo e granadas de efeito moral à queima-roupa e dispararam tiros de fuzil. Até as 23h31, 22 pessoas ficaram feridas, uma delas, a Sra. Janeth Farinango Quilca, da comunidade de Cashaloma, que se encontra em estado crítico após ser atingida por uma bomba na cabeça. Três prisões também foram registradas.
O Ministro do Interior, John Reimberg, em entrevista na manhã de 13 de outubro, explicou o propósito do comboio humanitário: “É uma operação que durará alguns dias, porque todos sabemos a magnitude do que está acontecendo lá, e vamos usar a força pública para abrir completamente as estradas, porque isso vai acabar agora.” O segundo “comboio humanitário” resultou no assassinato de Efraín Fuerez em Cotacahi, em 28 de setembro. No comboio seguinte, foi relatado que 100 veículos militares protegiam a passagem de mercadorias, ou seja, atuavam como segurança privada para redes como La Favorita, Tuti, Supermaxi, Coca-Cola, entre outras. Talvez o único aspecto positivo de toda essa rede de terrorismo de Estado seja que agora é evidente como a classe empresarial manipula o Estado para promover seus próprios interesses e os de seus aliados econômicos e políticos.
O governo liderado por Daniel Noboa ataca descaradamente a população com uma força e brutalidade repressiva nunca vistas antes. Noboa está entrando diretamente nas comunidades para disparar bombas e munições; tem processos abertos contra dirigentes, ativistas e comunicadores, cujas contas bancárias também foram congeladas; processou 12 detidos por terrorismo no primeiro dia em Otavalo; assassinou Efraín Fuerez em 28 de setembro; reprimiu brutalmente e infiltrou soldados em San Miguel del Común; facilitou espancamentos em Cañar, mutilações capilares de jovens Kichwa em Imbabura; reprimiu jornalistas, incluindo deportações, e muito mais que testemunhamos nas redes sociais.
Para a marcha de 12 de outubro por dignidade e resistência, a classe exploradora encenou uma complexa estrutura estratégica, que começou com a suposta declaração de “tomada de Quito”. Desde o início, o objetivo principal era reprimir o território e sitiar Quito, que foi o território de disputa durante o levante de outubro de 2019 e a Paralisação Popular Plurinacional de junho de 2022. Noboa não pode permitir um levante na capital. A estratégia tem sido gerar uma negação da identidade indígena entre os moradores da capital, com declarações como “A CONAIE quer tomar Quito”, às quais as comunidades responderam que Kitu é um território ancestral do povo Kitu Kara, que ninguém está vindo para Quito, que Quito pertence a esse povo.
Há um profundo complexo identitário no Equador, que responde à “colonialidade do ser”, habitando um território conquistado onde o genocídio foi imposto. A branquitude responde a uma ferida colonial — Fannon — que nega suas próprias raízes, a ponto de sacrificá-las para que o mercado triunfe sobre a vida, a branquitude sobre as cores da nossa classe. Este pacto colonial permite que figuras como Reimberg exerçam uma força desproporcional na repressão de protestos sob slogans como “Quito pela paz”. A violência desencadeada pelo NarcoEstado em 12 de outubro em Quito, bem como ao longo da Paralisação Popular – agora em seu vigésimo terceiro dia – reflete a imposição do padrão colonial em tempos de profundo neoliberalismo.
Demonstra que tanto a declaração de Conflito Armado Interno em 9 de janeiro de 2024 quanto o aumento do IVA de 12% para 15% nunca estipularam qualquer confronto com o crime organizado, desculpa para impor condições de empréstimo ao FMI: o NarcoEstado estava apenas se preparando para um momento de “grave convulsão interna”, como chama o estado de exceção à mobilização popular. Além disso, o padrão de criminalização e aterrorização (acusando qualquer expressão de protesto, resistência ou organização popular de terrorismo) vem sendo construído há anos com antecedência pela grande mídia e pelo Estado, que se dedicam a reproduzir discursos racistas e de ódio contra a classe trabalhadora e os Povos e Nacionalidades: “Eles não representam ninguém”, disse Jaramillo, no mesmo dia 13 de outubro em que Carlos Vera Jr. declarou que “a CONAIE agora é uma organização subversiva”.
Indígenas folclorizados versus sujeitos políticos: quando os Povos e Nacionalidades servem como objetos de exotização — seja cultural, espiritual ou sexual —, é o “índio bom”. Quando, por outro lado, os mesmos sujeitos objetificados e folclorizados se expressam como sujeitos políticos, reivindicando e lutando por direitos coletivos, tornam-se preguiçosos, violentos e TERRORISTAS. Essa é uma lógica neocolonial.
Em última análise, além da repressão interna e da militarização, o “Novo” Equador não passa de um conto de fadas gringo.
Não nos deixemos confundir: os povos indígenas não precisam “tomar Quito”, porque Kitu é seu lugar de origem, seu lugar de pertencimento e a terra do sol reto. E para as pessoas “de bem”, aquelas que vivem em território usurpado, como os sionistas na Palestina: não entenderiam.
Sabemos que a luta é longa, mas também sabemos que o povo é infinito.
Liberdade imediata para os 12 companheiros de Otavalo!
Kaypimi kanchik!
Viva sempre os povos que lutam!