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Palestina

Holocausto Palestino: Isolamento de Israel cresce, e ONU tenta salvar a falsa solução de dois Estados

setembro 26, 2025

Por: Soraya Misleh |

A matança indiscriminada de palestinos na Faixa de Gaza não para há quase dois anos. Por bombas, balas, fome, sede, a destruição de escolas, hospitais e de toda a infraestrutura para garantir condições de vida é massiva. Neste verdadeiro Holocausto, o Estado sionista busca o extermínio do povo palestino – a solução final na contínua Nakba (catástrofe cuja pedra fundamental é a formação de Israel em 1948, tomando 78% do território histórico da Palestina mediante limpeza étnica planejada).

Perante os horrores transmitidos ao vivo, a Global Sumud Flotilha bate às portas de Gaza para romper o cerco criminoso israelense. A solidariedade impõe aumento do isolamento internacional do Estado genocida, enquanto na ONU governantes de todo o mundo tentam salvar a falsa solução de dois estados, já morta.

Embora os números oficiais indiquem cerca de 65 mil palestinos assassinados no genocídio atual e quase 170 mil feridos – 70% mulheres e crianças –, esses dados estão absolutamente subnotificados. O número de assassinados pelas forças de ocupação sionistas no genocídio em Gaza pode ser 12 a 14 vezes superior aos então cerca de 50 mil a 55 mil que vinham sendo divulgados pela mídia ocidental. Em dois meses, somaram-se mais 10 mil. Considerando a estimativa, com base no mapeamento da destruição na estreita faixa e levando em conta as mortes pelo que os autores denominam “privação imposta” – ou seja, as indiretas, para além dos assassinatos violentos –, talvez já tenham inclusive superado os alarmantes 680 mil de dois meses atrás, dos quais 380 mil, também conforme os estudiosos, são crianças. Isso significa que mais de um terço da população palestina de Gaza foi exterminada.

Crianças atingidas por ataques aéreos do Estado de Israel a Gaza no último dia 19 Foto IRNA

A maior flotilha da história

A Global Sumud Flotilha é a maior da história em 17 anos – a partir da imposição do cerco criminoso por Israel à Faixa de Gaza. Reúne mais de 600 participantes em delegações de 44 países, dentre os quais quinze são do Brasil, em cerca de 50 barcos. Sua jornada começou ao final de agosto em Barcelona. Depois de muitos percalços e ataques, após passar pela Tunísia, segue agora rumo a Gaza, carregando toneladas de alimentos, medicamentos, fórmulas para bebês, próteses, enfim, ajuda humanitária para aliviar minimamente o enorme sofrimento do povo palestino.

Todos os olhos do mundo na flotilha

A solidariedade internacional avança, acompanhando os passos da Global Sumud Flotilha. Ainda na Tunísia, no começo de setembro, a flotilha sofreu ataques intimidatórios com drones, os quais se intensificam à medida que os barcos se aproximam de seu destino, Gaza.

No dia 23, embarcações em águas internacionais, ao sul da Ilha de Creta, tiveram que acender o alerta máximo em meio ao ruído de explosões. Pelo menos 14 delas foram atingidas por artefatos que despejaram produtos químicos e causaram danos. Em três barcos, estão quatro brasileiros, dentre os quais Mohamad El Kadri, liderança histórica do movimento de solidariedade ao povo palestino no Brasil, presidente do Fórum Latino Palestino e coordenador da Frente Palestina de São Paulo. Felizmente ninguém se feriu. Não era esse o objetivo do Estado colonial de Israel, como se evidencia, mas sim impor terror psicológico. Depois desse ataque, Espanha e Itália anunciaram o envio de fragatas para servir de escolta à flotilha e garantir possível resgate e assistência.

Foto @globalsumudflotilla

Esperança de vento em popa

“Quando os governos falham, nós navegamos”

A Global Sumud Flotilha carrega, ainda, a esperança de que seus ventos chacoalhem um mundo em que os poderosos teimam em manter seus acordos e relações com Israel, tentam barganhar os direitos do povo palestino e criminalizá-lo em sua resistência legítima ao colonizador sionista.

O lema da flotilha é: “Quando os governos falham, nós navegamos”. É a maior demonstração da falha deliberada dos estados nacionais em cumprirem minimamente com suas obrigações legais de punir o crime contra de genocídio a humanidade e sancionar Israel, rompendo todas as relações e acordos com Israel. Caso inclusive do Brasil, cuja cumplicidade com o regime colonial e racista é histórica: já dura praticamente 78 anos.

A cumplicidade histórica do Brasil

Em 29 de novembro de 1947, na primeira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas, presidida pelo diplomata brasileiro Oswaldo Aranha, foi recomendada a partilha da Palestina em um Estado judeu (56% do território), um Estado árabe (43%) e Jerusalém-Belém sob administração internacional. O Brasil foi um dos 33 países que votaram a favor dessa partilha, que se deu sem consulta aos habitantes nativos. A ONU, com a cumplicidade brasileira, delegava, assim, ao projeto colonial mais da metade daquelas terras, dando sinal verde para que gangues sionistas executassem uma limpeza étnica planejada.

Nakba palestina

Doze dias depois, teve início a fase mais agressiva desse plano macabro, que culminou na expulsão de 800 mil palestinos de suas terras (dois terços da população) e destruição de cerca de 530 aldeias, além do esvaziamento de bairros e cidades. Parte disso foi o genocídio em mais de 70 aldeias, com atrocidades que incluíram estupros para impor terror psicológico na busca pelo despovoamento à força dos palestinos. A Nakba se consolidava com o Estado racista e supremacista de Israel, fundado sobre os corpos palestinos e os escombros de aldeias e cidades, sendo saudado e recebido na mesma ONU em 11 de maio de 1949.

Os EUA reconheceram Israel de fato (provisoriamente) apenas onze minutos depois da aprovação da Resolução 181 (que recomendava a partilha); a União Soviética, sob Stálin – que garantiu, via Tchecoslováquia, as armas fundamentais para a limpeza étnica na Palestina –, foi a primeira a reconhecer de jure (definitivamente).

O Brasil está também no topo dos que seguiram as admissões a um crime contra a humanidade que continua a ser cometido. Reconheceu Israel em 7 de fevereiro de 1949, inaugurando as relações diplomáticas com o Estado genocida dois anos depois.

Essas relações agora estão rebaixadas, mas se mantêm, apesar do genocídio e da humilhação sionista contra o Brasil, cujo presidente chegou a declarar Lula persona non grata. A enorme pressão popular – que contou com ato histórico em São Paulo no dia 15 de junho de 2025, com cerca de 50 mil pessoas – para que Lula rompa relações econômicas, militares e diplomáticas com Israel precisa ser ainda mais intensificada.

Medidas simbólicas e insuficientes

Até o momento, as medidas tomadas pelo Brasil são simbólicas, tímidas e insuficientes. Anunciou, por exemplo, a adesão à ação impetrada pela África do Sul pelo crime israelense de genocídio na Corte Internacional de Justiça, o que é progressivo e favorece a denúncia e o isolamento internacional do Estado sionista, mas não basta para pôr fim ao Holocausto que já dura quase dois anos. É preciso ir além: impactar as bases econômicas e materiais, que sustentam o genocídio.

Nessa direção, o Brasil tem reiterado anúncios feitos há dois meses pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, como de investigação rígida para impedir importação de produtos provenientes de assentamentos israelenses nos territórios palestinos ocupados de 1967 (Gaza, Cisjordânia e Cidade Velha de Jerusalém). Essa medida não só já está prevista em relação ao Tratado de Livre Comércio (TLC) Mercosul-Israel – em vigor no Brasil desde 2010 –, como esse TLC, que nem deveria existir, continua. E o Brasil continua sendo parte, quando a medida concreta seria se retirar.

Outra das medidas insuficientes anunciadas é o embargo à exportação de equipamentos de defesa – o que representa, contudo, menos de 1%, enquanto nada fez até o momento para barrar a importação, que é o que de fato tem peso. Até o momento, não foi decretado o embargo militar pleno.

O aço brasileiro continua a ser exportado livremente pela Villares Metal para as fábricas da morte sionistas (o décimo produto mais vendido para Israel em 2024).

Venda de petróleo agora é mascarada

Manifestação em frente ao escritório da Presidência em SP exige o fim do envio de petróleo a Israel

Após um aumento escandaloso de 51% na exportação de petróleo em 2024, comparado com 2023, conforme o relatório da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), divulgado em julho último, este mês foi anunciado que o Brasil zerou tais exportações em 2025. A fonte são dados do Comex Stat, sistema estatístico do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio.

Contudo, petroleiros do Rio de Janeiro já denunciam que a venda segue de forma indireta, numa manobra para que não conste da base de dados. É o chamado ship to ship – transferência de cargas de petróleo de um navio para outro.

Um exemplo mencionado por Leandro Lanfredi, dirigente do Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RJ) e da Federação Nacional dos Petroleiros (FNP), em entrevista, é a transferência para a refinaria Saras, na Sardenha, ilha italiana, responsável por 28% das importações de petróleo por Israel em junho último. Boa parte, segundo afirma, veio do Brasil.

Essa manobra vem na esteira de campanha intensa por embargo energético, que elegeu o último dia 9 de agosto como Dia Nacional de Mobilização – data em que, há 40 anos, o então presidente José Sarney emitiu o Decreto 91.924, impondo sanções ao regime de apartheid na África do Sul, dentre as quais estava a proibição de venda de combustíveis e derivados pelo Brasil.

Brasil importa a morte de Israel

A Palestina é o “laboratório do mundo”, onde Israel testa suas tecnologias da morte em “cobaias humanas” nas quais converte os palestinos, para depois vender para o mundo. Setenta por cento se destinam à exportação.
O Brasil, lamentavelmente, ainda é um destino. São armas também usadas no genocídio pobre e negro e no extermínio indígena, nas mãos das polícias como as dos governos Tarcísio de Freitas (São Paulo); Ratinho Jr. (Paraná); Jorginho Mello (Santa Catarina); Wilson Lima (Amazonas); Jerônimo Rodrigues (Bahia); entre outros.

Palavras não bastam

Lula, rompa todas as relações com Israel!

Lula durante Conferência Internacional de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão da Palestina e a Implementação da Solução de Dois Estados, na Sede das Nações Unidas, Salão da Assembleia Geral – Foto: Ricardo Stuckert / PR

Lula tem reafirmado ao longo de quase dois anos que o que acontece na Palestina é genocídio, o que é importante, mas, de novo, não basta. Palavras não param um Holocausto, mas sim ações efetivas e concretas.

O Brasil, pela sua liderança na América Latina, poderia puxar a fila se rompesse relações com Israel, contribuindo de modo fundamental para o avanço do isolamento internacional do Estado genocida – que segue diante da pressão da gigantesca solidariedade global, ao encontro da campanha de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) a Israel, mas infelizmente num ritmo mais lento que o necessário, diante da dramática situação enfrentada pelo povo palestino, em função dos interesses econômicos.

Entre ações exemplares da solidariedade, a ser seguida no Brasil, está a belíssima greve, acompanhada de protestos e bloqueios, protagonizada há poucos dias em cerca de 80 cidades da Itália.

Solução de dois Estados é farsa

A única solução é a Palestina livre do rio ao mar

Manifestação em solidariedade à Flotilha e ao povo palestino, em Belo Horizonte Foto Geraldo Batata

O isolamento internacional a Israel aumenta. Os debates gerais na 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que acontece em Nova York, de 23 a 29 de setembro, têm como centro a questão palestina – sempre na lógica de salvaguardar o status quo. Ou seja, na defesa da tal solução de dois estados.

Discursando na abertura da assembleia, Lula mencionou ninguém menos que Oswaldo Aranha e a partilha, como se fosse motivo de orgulho o Brasil ter feito parte desse crime, cujas consequências estão aí: a contínua Nakba e agora, diante da impunidade e da cumplicidade internacional histórica, a busca de Israel para exterminar o povo palestino como solução final nesse longo processo.

Um Estado colonial não tem direito de defesa

Lula repetiu a posição que vem sendo expressa pelo Brasil, reafirmando a inadmissibilidade do genocídio perpetrado por Israel, mas condenando, de forma equivocada, o que chamou, mais uma vez, de “atos terroristas do Hamas” em 7 de outubro de 2023. Isso é uma criminalização da legítima resistência palestina, enquanto povo colonizado, sob todos os meios e ecoando a propaganda de guerra mentirosa do Estado genocida de Israel.

O presidente brasileiro errou ao afirmar que o direito de defesa desse Estado perante os ataques de 7 de outubro não justificam o genocídio. Nada justifica, mas o erro aqui é afirmar que um colonizador, um Estado ocupante, teria direito de defesa.

Solução da paz dos cemitérios

Essa é a retórica de Israel, a qual os estados nacionais seguem a reafirmar como verdade, confundindo a opinião pública enquanto pregam uma Palestina desmilitarizada e sem Hamas, no melhor estilo colonial – ao arrepio do direito à autodeterminação do povo palestino, que reivindicam de forma vazia. Também falam em fortalecer a Autoridade Palestina, gerente da ocupação sionista que mantém sua vergonhosa cooperação de segurança com Israel. Um novo Oslo – acordos desastrosos assinados em 1993 entre a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e Israel, sob intermediação do imperialismo estadunidense, que nunca passaram de paz dos cemitérios.

Essa retórica é acompanhada da defesa da injusta desde sempre e já morta solução de dois estados. Lula defendeu – ao lado da maioria na ONU, alinhado com a própria organização e a colaboracionista Autoridade Palestina –, mais uma vez essa tal solução, uma invenção, uma farsa. Ou seja, um Estado israelense ao lado de um Estado palestino (este último desmilitarizado e sem Hamas, como tem sido levantado na ONU) em apenas 22% do território histórico da Palestina (ocupado militarmente em 1967).

Solução para manter o apartheid

A capital Jerusalém, o retorno dos refugiados (6 milhões em campos nos países árabes mais milhares na diáspora, correspondendo a metade dos 14 milhões que constituem o povo palestino, incluindo a diáspora pelo mundo) e os palestinos que vivem sob leis racistas e ditadura plena nas terras ocupadas em 1948 (que hoje o mundo chama de Israel) estão de fora da solução de dois estados que se insiste em apresentar como justa. Porém ela não apenas é o contrário disso, como está totalmente inviabilizada pela expansão colonial agressiva.

Nas palavras do historiador israelense Ilan Pappé, esta “solução” hoje não passaria de garantir alguma autonomia a um bantustão, já que Israel transformou o território palestino numa espécie de queijo suíço (cheio de buracos, os pequenos cantões sem interligação e controlados por checkpoints, muros do apartheid). Enquanto isso, o Holocausto em Gaza segue, e a limpeza étnica se aprofunda.

Solução para salvar enclave militar do imperialismo

Se, por um lado, a sessão da ONU acelera e evidencia o crescente isolamento internacional de Israel – empurrado pela solidariedade internacional e ações nesse sentido, como a Global Sumud Flotilha –, o que é progressivo, por outro, busca salvar o enclave militar do imperialismo ao propor a solução na linha de um novo Oslo. Então, sem ilusões.

A questão é que Israel é um Estado fascista, e o imperialismo estadunidense não está disposto a puxar sua orelha, de olho nos possíveis negócios imobiliários bilionários em Gaza que Trump almeja.

Como Estado fascista, o reconhecimento do Estado palestino dentro da solução de dois estados por mais e mais países, como vem acontecendo e tem sido reforçado na ONU, servirá para expor o óbvio: um projeto colonial e racista não tem direito de existir. A única solução é a Palestina livre do rio ao mar.

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