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Equador | Paralisação do povo: A dignidade não está à venda

setembro 23, 2025

Publicamos abaixo artigo da Revista Crisis, do Equador, que em conjunto com outras meios comunitários está publicando informações sobre a paralisação nacional no país. A recente paralisação no Equador tem sido acompanhada de perto por meios comunitários e populares de comunicação, que cumprem um papel fundamental ao transmitir informações diretas das ruas, das comunidades e das organizações mobilizadas permitindo compreender a dimensão real das reivindicações e da repressão enfrentada. Publicar e difundir suas notícias em outros espaços, como este, é uma forma de fortalecer a circulação de vozes que expressam o protagonismo dos povos em luta e de ampliar a solidariedade latino-americana.

O dia 22 de setembro de 2025 marca um marco na história política do país: após 23 meses deste “Novo” Equador, em meio a massacres em prisões, dezenas de milhares de mortes evitáveis ​​— uma crise de saúde e segurança — e a normalização do terrorismo de Estado, a classe trabalhadora disse basta.

Basta de um projeto de extermínio popular que transformou o Equador no país com a maior taxa de homicídios do continente — 6.449 em 21 de setembro e o quinto maior do mundo — basta de servir como escravos de um magnata bananeiro que impõe, a sangue e fogo, uma megapropriedade chamada Equador; chega de ser a última colônia na longa e tenebrosa sombra dos Estados Unidos sobre a América Latina.

A cada três anos — 2019, 2022, 2025 — coincidindo com a imposição das condições de crédito do FMI, o parasitismo da classe empresarial — que não gera sequer 15% do emprego no setor privado equatoriano — busca impor uma mão dura ao projeto mais impopular de todos: a liberalização dos preços dos combustíveis para os padrões internacionais.

Não é por acaso que o novo pacote, que, segundo a decisão do FMI, levará o preço do diesel a US$ 4 até o final de 2025, seja apresentado em conjunto com uma ruptura definitiva com os princípios democráticos do Estado de Direito. O “Novo” Equador ocupa uma posição estratégica central na consolidação de um novo regime autoritário sem precedentes, no qual prevalecem o terrorismo de Estado, a militarização permanente e a criminalização absoluta de qualquer dissidência ao seu projeto de morte. Não é por acaso que o único mandatário no continente com nacionalidade ianque, além de Donald Trump, é Daniel Noboa. Esta será uma Constituição ditada inteiramente por e a favor de Washington.

Não nos enganemos: Noboa e companhia levaram o Estado equatoriano à falência, assim como seus antecessores Moreno e Lasso, e buscam desesperadamente se sustentar sob os ditames do FMI. A dívida externa — tanto pública quanto privada — é estimada em cerca de 80% do PIB, tornando a inadimplência ou o não pagamento total um resultado inevitável. Daniel Noboa está ganhando tempo enquanto permanece no comando de um país condenado ao colapso sob os ditames da “nova” e eterna burguesia lumpen do Equador.

Não é de se admirar que Noboa tenha sido um servo obediente do FMI: aumentando o IVA de 12% para 15% — sob o pretexto de um conflito interno —, desfinanciando serviços estatais como saúde e educação, solicitando a redução de pastas governamentais e cadeiras legislativas, eliminando subsídios ao diesel, liberalizando os preços da gasolina extra e super e, como cereja do bolo, privatizando a previdência social. Um total de US$ 5 bilhões serão desembolsados ​​até 2025, dos quais US$ 1 bilhão chegará em outubro.

De tempos em tempos, a fração da oligarquia no poder é incentivada a testar sua força contra o povo deste país, que pode ser pequeno, mas, ao mesmo tempo, transborda de dignidade. É curioso como somos reconhecidos internacionalmente como povos guerreiros e como se apaga a memória dos ricos aqui: a classe trabalhadora do Equador escreve sua história de pé, nunca de joelhos.

Nesse sentido, a história mostra que o povo equatoriano jamais se ajoelhará diante de uma figura que apenas reflete seu mesquinho complexo de “Napoleão”, delirante de poder, que ele acredita ser sua fazenda pessoal, do qual pouco ou nada sabe – nem sequer conhece o hino nacional que jura defender – e pelo qual sente apenas desprezo.

Onde vemos charnecas, selvas e florestas, Noboa vê ouro, prata, cobalto e zinco para seus cofres pessoais. Onde vemos rios e mares de vida, ele vê rotas de tráfico. Quando dizemos “nós” dizemos somos, dizemos somos juntos/as, todos e todas, as crianças, os/as irmãos mais novos, toda a Pachamama, com dignidade e justiça. Quando ele diz “nós”, refere-se ao Grupo Nobis. Simplesmente não somos o mesmo.

Por meio do extrativismo e do tráfico transnacional de drogas, em menos de três anos, Daniel Noboa alcançou a corporatização do Estado: dos 1.800.000 hectares concedidos no Equador, 10% das concessões de mineração — quase 200.000 hectares — em nível nacional estão vinculadas ao Grupo Nobis.

Como parte da estratégia de minar os fundamentos absolutos do Estado de Direito e diante de medidas socialmente insustentáveis, Noboa iniciou um “pingue-pongue” institucional entre o Poder Executivo, o Conselho Nacional Eleitoral e o Tribunal Constitucional, buscando a instauração de um processo constituinte. O verdadeiro perigo de Noboa pressionar o Tribunal Constitucional com tanta força não reside em criar um caminho legal para sua destituição, mas em gerar legitimidade aos olhos da opinião pública para se livrar do único poder estatal que aparentemente freou suas pretensões bonapartistas.

Com a aceitação pelo Tribunal Constitucional do Decreto Executivo 153, em 21 de setembro, o caminho está aberto para o desaparecimento do único contrapeso ao poder de mercado no país: a Constituição da República. Não sabemos mais se o Tribunal Constitucional defendia a constitucionalidade e a democracia ou simplesmente negociava o maior preço possível. Durante esse período e posteriormente, Noboa governaria por decreto, com maioria na Assembleia Nacional, um Conselho Nacional Eleitoral permissivo e acólito, um CPCCS ( Conselho de Participação Cidadã e Controle Social) controlado e, como se tornou característico, com um Ministério Público e um Poder Judiciário a serviço do Narco-Estado. Se legitimada, essa ação corresponderia a uma ditadura civil por decreto, com as Forças Armadas acumulando descaradamente poder político e econômico dentro dessa rede criminosa, e a organização popular assediada pela perseguição, criminalização e infiltração do aparato estatal. A própria fazendo narcobananeira, com seu pequeno rei, deificado por uma multidão desclassada: Noboa, nosso de cada dia…

Por sua vez, o NarcoEstado está fazendo o que quer: a militarização total de Latacunga e das rodovias em todo o país. Além disso, começam a circular rumores de que 10.000 pessoas tentarão se mobilizar em Latacunga para enfrentar corpo a corpo o MICC (Movimento Indígena e Camponês de Cotopaxi). Não foi à toa que Noboa iniciou uma política de rua em 12 de agosto, buscando impor a lógica da divisão interna entre os setores populares e convocando a criação de grupos de choque de civis, prontos para desencadear a violência nas ruas contra a organizações popular.

Dado o atual ataque ao Tribunal Constitucional no contexto da convocação do governo para uma consulta popular para um processo constituinte, o verdadeiro significado estratégico das marchas do governo em 12 de agosto e 11 de setembro é evidente. Da mesma forma, tanto por parte do poder político quanto da mídia, prevalece a ameaça de aplicação de leis antiterroristas a dirigentes populares e bases mobilizadas.

Quanto à organização popular mais importante do país e do continente, o Movimento Indígena foi dividido com sucesso ao cooptar a liderança ilegítima da FICSH (Federação Interprovincial de Centros Shuar), representada por David Tankamash, que caiu em um processo de desacato às decisões coletivas e orgânicas tomadas tanto no VIII Congresso da CONAIE quanto durante a Assembleia Extraordinária de 18 de setembro. Enquanto a CONAIE estava em sessão em Riobamba e sua liderança adotou o mandato popular de uma Paralisação Popular, Tankamash se reuniu em Carondelet com o “Novo” Equador, negociando vantagens em ministérios e secretarias. Isso não é novidade; lembremos que o “Novo” Equador neutralizou a liderança consequente de Leônidas Iza na CONAIE por meio da cooptação de lideranças.

A partir da classe trabalhadora, e diante do surgimento do narcoestado estabelecido, a consigna “nas ruas e nas urnas, NÃO a Noboa” ganha força. Da nossa parte, e após três longos anos de sonolência coletiva, o Equador voltou à história.

Viva sempre os povos que lutam!

Bem-vindxs de volta à luta de classes.

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