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México

México: O recente dia de luta da CNTE

junho 22, 2025

Por: Professor Francisco Bravo, membro da CNUN – Comissão Nacional Única de Negociação da CNTE (Coordenadora Nacional de Trabalhadores da Educação)

Ficou evidente que os governos da autodenominada “Quarta Transformação” são tão capitalistas quanto seus antecessores, exceto pelo fato de terem construído uma imagem “progressista” por meio de políticas de gestão da pobreza, como os programas sociais, ao mesmo tempo em que geram uma rede social corporativa que lhes garante votos em processos eleitorais. Também adotaram um discurso antineoliberal e de condenação aos conservadores. Mas, paradoxalmente, governam com políticas neoliberais. Não tocaram nem um milímetro do sistema econômico que prevaleceu e ainda prevalece hoje. Assim, os ricos ficaram mais ricos.

É o caso dos donos das AFORES ou fundos de pensão privados — que também possuem bancos, emissoras de televisão, redes de varejo etc. — que acumularam vastas fortunas da maneira mais confortável ​​e descarada. Segundo dados da Comissão do Sistema de Poupança para a Aposentadoria (CONSAR), em pouco mais de uma década, eles ganharam cerca de 134 bilhões de pesos (7 bilhões de dólares) e, nos primeiros quatro meses de 2025, tiveram lucros históricos de 4,702 bilhões de pesos (247 milhões de dólares).

Nesse contexto, e em resposta a um Plano de Ação desenvolvido por meio de diversas Assembleias Nacionais de Representantes, em 15 de maio, a Coordenadora Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE) iniciou uma Greve Nacional e realizou um protesto na Praça Zócalo, na Cidade do México. Mais de 30.000 professores/as de vários estados, principalmente de Oaxaca, se manifestaram levantando principalmente as seguintes reivindicações: a) Revogação da Lei ISSSTE, imposta por Felipe Calderón em 2007, que eliminou o sistema de aposentadoria solidária; b) Revogação da Reforma Educacional, em particular no que se refere à exceção trabalhista; c) Aumentos salariais. O retorno do Sistema de Pensões Solidárias tem sido a reivindicação mais fortemente posicionada e profundamente sentida pelos professores de base, visto que quase 80% deles estão inscritos no sistema AFORES (Contas Individuais), o que significa efetivamente a eliminação do direito à aposentadoria em troca de um sistema de aposentadoria. É importante notar que a reivindicação pela revogação da Lei ISSSTE foi levantada pela primeira vez em 2018, no início do mandato de seis anos de López Obrador. Ou seja, já se passaram sete anos desde que a levantamos pela primeira vez. A atual presidenta prometeu revogá-la durante sua campanha eleitoral como candidata. O argumento do governo anterior para não fazê-lo era que não tinham maioria qualificada no Congresso. Agora, o argumento é que “não há dinheiro”. Em outras palavras, a atual mobilização dos professores é fruto da intransigência e do descaso do governo, o que demonstra que, neste país, se não se for às ruas, as questões não serão visibilizadas, independentemente da sigla partidária no poder.

Durante os 23 dias de greve, ocorreram diversas mobilizações, concentradas principalmente na Cidade do México, como passeatas, ocupações de prédios que abrigam a AFORES, o “metrô popular” (liberação do acesso ao transporte público no metrô), a liberação de pedágios nas rodovias, a tomada do aeroporto, etc. Mas também houve inúmeras ações semelhantes em vários estados do país, como Quintana Roo, Yucatán, Chihuahua, Tamaulipas e outros. Cabe destacar que, em alguns desses estados, não se viam mobilizações há muito tempo.

Durante os protestos, foram realizadas diversas reuniões com o Secretário do Interior, o Secretário de Educação Pública e o Diretor Geral do ISSSTE. Em 28 de maio, eles apresentaram um “documento de resposta” com cinco pontos à Comissão Única de Negociação Nacional da CNTE, que não atendeu às reivindicações. No primeiro ponto, propuseram “congelar” a faixa etária e reduzi-la em um ano a cada três anos. Isso oferece algum benefício apenas aos 26% dos professores alocados no Décimo Período Transitório (ou seja, aqueles com maior tempo de serviço). Para os outros 74% alocados em contas individuais, não há nada; em outras palavras, é uma resposta diferenciada e discriminatória, o que era e é inaceitável porque divide e cria confrontos internamente o magistério. A oferta de que os professores com contas individuais seriam apoiados pelo Fundo de Pensões para o Bem estar, é muito confusa, pois sua existência a longo prazo não é garantida, já que seus recursos provêm de fontes circunstanciais, como contas não reclamadas e “contribuições solidárias do Estado”.

Os demais pontos referem-se a questões já anunciadas ou em implementação, como a dissolução da Unidade do Sistema de Carreira Docente (USICAMM) e das comissões tripartites. Propuseram também a formação de um “Coletivo Interdisciplinar”, cuja agenda já estava definida de forma geral no documento, com objetivos limitados que não contemplavam a revogação da Lei ISSSTE.

A rejeição da proposta do governo foi decidida por unanimidade por dezenas de milhares de professores da CNTE, por meio de uma consulta pública massiva. Os professores se convenceram de que as ações e o discurso deste governo são contraditórios. Também entenderam que algumas guerras não se vencem em uma única batalha. Em 31 de maio, e após longas discussões tanto em nível estadual quanto na Assembleia Nacional de Representantes, decidiu-se encerrar esta fase da luta e continuá-la em outra arena. A Greve Nacional e o Ocupação do Zócalo foram declarados encerrados.

No entanto, é importante destacar que, sob o princípio de que a base define cada contingente mobilizado e o caráter de que somos uma Coordenação e não uma Central, no caso dos companheiros e companheiras das duas seções do estado de Zacatecas — que recentemente derrotaram os “charros” — (burocratas sindicais) nas eleições para a Comissão Diretiva, decidiram continuar a paralisação por tempo indeterminado. com reivindicações principalmente de natureza local, sem implicar ruptura ou desunião com a CNTE. Outros estados, como Yucatán, não têm uma filiação nítida à CNTE, de modo que suas decisões nem sempre coincidiram com os tempos da Coordenadora.

Nesse sentido, é importante que a CNTE discuta e defina claramente uma política para incorporar setores ou grupos emergentes que tenham as mesmas reivindicações.

Embora não tenhamos conseguido revogar a Lei ISSSTE de 2007, ficou evidente para os professores da Coordenadora que a luta continuará e que alcançamos uma vitória política na arena da luta de classes. Aqui estão algumas das razões para esta afirmação:

1. A CNTE expôs a verdadeira natureza deste governo, não apenas aos olhos dos professores/as, mas também de outros setores da classe trabalhadora, demonstrando que o governo está do lado dos poderosos, a quem não deseja prejudicar nem estar em conflito.

2. A Coordenadora demonstrou mais uma vez sua grande capacidade de organização e mobilização, estabelecendo e sustentando uma ocupação de mais de 30.000 docentes por mais de três semanas. As condições foram fortalecidas para que a luta se desenvolvesse em diferentes condições de força, reunindo outros trabalhadores a serviço do Estado.

3. As mobilizações foram o melhor campo de treinamento para centenas de jovens professores na perspectiva da mudança geracional e da geração de novos quadros. Da mesma forma, permitiram que a organização se fortalecesse a partir da base.

4. A CNTE continua demonstrando que é uma organização independente do governo e dos partidos políticos do regime e que não está sujeita ao poder do Estado e de sua classe dominante. A CNTE é e continuará sendo uma organização da classe trabalhadora deste país, sustentada e construída de baixo para cima por centenas de milhares de professores/as.

5. A Coordenadora colocou a questão da aposentadoria na agenda nacional e demonstra que as injustiças e a perda de direitos da classe trabalhadora não devem ser “naturalizadas”.

6. A proteção e o amparo desses governos, eufemisticamente autodenominados “de esquerda”, ao “charrismo” continua sendo demonstrado, num quadro de pragmatismo eleitoral que mantém e reforça a antidemocracia sindical.

Isso não nos coloca num falso triunfalismo, mas sim no reconhecimento do que foi conquistado, ao mesmo tempo que também  reconhecemos de forma autocrítica o que precisa ser corrigido e enfrentado.

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