Como derrotar aos aspirantes a ditadores: duas lições de 2024

Por: Carlos Sapir
Lendo a imprensa capitalista de hoje, é fácil ter a impressão de que o governo Trump-Musk é imparável. Com uma torrente de políticas, ataques e provocações contra comunidades oprimidas e infraestrutura governamental, o atual governo age com flagrante desrespeito às leis escritas em vigor nos EUA e oferece desculpas contraditórias quando suas ações são questionadas por juízes ou pela imprensa. É verdade que as normas amplamente simbólicas que supostamente equilibram os poderes do estado liberal são agora letra morta.
Então, o que pode manter o governo sob controle? Dois exemplos recentes do ano passado traçam o caminho a seguir.
Greves de um dia pararam a motosserra na Argentina
Elon Musk, que jamais escutou uma ideia que não quisesse roubar, recebeu seu espetáculo fálico de motosserra de Javier Milei, o tirano à frente da destruição da Argentina. Enquanto o governo aprende teatro com a Argentina, o movimento operário argentino demonstrou concretamente que o governo não pode impor políticas que vão contra as forças de massa do trabalho organizado. Quando o governo de Milei tentou avançar com seus cortes reacionários nos gastos sociais, os sindicatos convocaram greves gerais de um dia que forçaram essas políticas a retroceder. O selo de aprovação da legislatura argentina não valeu: os trabalhadores argentinos demonstraram sua oposição veemente a essas mudanças e que não as aceitariam, então o governo foi forçado a recuar.
Fizeram isso repetidamente, em Janeiro, Maio e Outubro de 2024, e se preparam para fazê-lo novamente contra as medidas de austeridade em Abril de 2025. Em particular, quando o maior sindicato, a CGT, não conseguiu reunir suas forças em julho de 2024, Uma versão modificada dos cortes foi aprovada. Não basta que os trabalhadores se organizem, precisamos nos mobilizar toda vez que estivermos sob ataque. Embora o movimento operário argentino ainda não possa reivindicar uma vitória total sobre o governo de Milei, as batalhas que venceu são um exemplo do poder que os sindicatos podem exercer contra governos tirânicos. Enquanto nos Estados Unidos vemos novos ataques dia após dia, Milei levou meses para implementar até mesmo uma fração de seu programa.
Coreia do Sul suspende lei marcial da noite para o dia
Além das lutas contra as políticas de austeridade, 2024 também viu uma mobilização ainda mais surpreendente das forças populares contra a ditadura militar capitalista. Às 22h de terça-feira, 3 de dezembro, o presidente Yoon Suk Yeol declarou abruptamente a imposição da lei marcial, acusando o partido de oposição DPK de se envolver em “atividades antiestatais” e trabalhar com “comunistas norte-coreanos”. Moveu-se para proibir todas as atividades políticas, acabar com a liberdade de imprensa e proibir greves, ordenando que os médicos em greve voltassem ao trabalho. A sociedade civil e os sindicatos sul-coreanos explodiram em resposta. Enquanto as forças policiais e militares cumpriam ordens para fechar as instituições do Estado Protestos em massa explodiram na escuridão da meia-noite. A Federação Central de Sindicatos da Coreia (KCFTU) convocou uma greve geral. Em apenas seis horas, a ordem da lei marcial foi revogada e o presidente Yoon foi indiciado.
A crise política gerada pela tentativa de impor a lei marcial ainda não foi resolvida. Yoon Suk Yeol resistiu à prisão e continua a defender suas ações enquanto enfrenta acusações. Enquanto Yoon e seus colaboradores, a princípio, enfrentam a possibilidade da pena de morte por traição no processo atual, os tribunais burgueses que controlam esse processo têm motivos para perdoar Yoon e outros, por solidariedade com a classe dominante. Não devemos confiar neles para dar um veredicto justo. Mas, apesar desta e de outras injustiças cotidianas do capitalismo na Coreia do Sul, a vitória conquistada contra a tentativa de reimpor a lei marcial foi uma demonstração crucial do poder da mobilização da classe trabalhadora.
Esta não é a batalha final
Mesmo quando nos falta força para acabar decisivamente com o capitalismo de uma vez por todas, as massas operárias são uma força a ter em conta. Enquanto isso, Trump, talvez até mais do que seus colegas estrangeiros, desfruta apenas da aprovação relutante e pouco entusiasta de camadas importantes da burguesia. Eles estão dispostos a dar-lhe uma chance de implementar sua visão, em parte porque suas políticas lhes dão mais bases legais para reprimir seus próprios trabalhadores, mas também porque agitar as águas é muitas vezes prejudicial aos lucros capitalistas. Se nós trabalhadores aumentarmos a aposta e deixarmos evidente que iremos resistir, camadas da classe capitalista também se acovardarão ante a ideia de apoiar Trump. Mas não nos enganemos: somente a mobilização independente das forças operárias pode liderar essa mudança, demonstrando seu poder direto de mobilizar e paralisar a vida normal.
A militância imediata dos sindicatos na Argentina e na Coréia diante das ameaças aos seus direitos fundamentais se deve em parte à memória recente das lutas para derrotar as ditaduras militares entrincheiradas em ambos os países durante as décadas de 1970 e 1980. Em contraste, o movimento operário dos EUA definhou sob décadas de estratégias sindicais corporativas que tentaram ser gentis com os patrões em vez de confrontá-los diretamente. Nenhum grande sindicato nos Estados Unidos está atualmente preparado para convocar uma greve geral confiável. Mas isso não significa que a política de massas será adiada indefinidamente até atingirmos o nível desejado de concentração e militância sindical.
Podemos impulsionar as mobilizações de massa hoje, contando com o apoio de setores locais e regionais de sindicatos para apoiar as liberdades civis, o financiamento da educação, os direitos queer, a solidariedade com a Palestina e os protestos anti-guerra que já estão surgindo em todo o país, e difundindo-los amplamente para convidar os cidadãos a se unirem. Dessa forma, atrairemos cada vez mais para esses movimentos, pessoas que antes não eram politicamente ativas, tornando-as uma força a ter em conta na contenção dos planos do governo (e, no processo, incentivar a filiação sindical e a militância). Também criaremos as condições para articular e concretizar demandas políticas que vão além de simplesmente parar o último ataque que os capitalistas tramaram. É assim que inclinamos a balança da luta de classes a nosso favor.
Conquistar novas demandas exigirá níveis ainda maiores de organização. Será necessário um partido político que organize e coordene sindicalistas militantes de base e organizadores comunitários que queiram lutar por um futuro melhor, e não apenas por um presente melhor negociado, para galvanizar o movimento operário e a classe trabalhadora em geral para lutar de forma consistente e agressiva contra a opressão e por maiores direitos democráticos, pelo controle econômico e político dos trabalhadores sobre suas condições de vida. Este é o partido que esperamos construir hoje, avançando firmemente tanto para construir a melhor defesa dos direitos que ainda nos são concedidos quanto para preparar a luta para sua maior expansão, enquanto organizamos a luta para que a classe trabalhadora tome o pleno poder político.
Tradução: Lílian Enck