Ruanda invade a República Democrática do Congo. Transnacionais e os países imperialistas aplaudem
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Por: Cesar Neto e J.G. Hata |
Introdução
No último dia 20 de janeiro Trump tomou posse. No dia 26 do mesmo mês Ruanda invadiu e ocupou a cidade de Goma, na Rep. Democ. do Congo. Foi uma coincidência de datas ou consequências da ascensão de Trump e as big techs? Essa invasão vinha amadurecendo há alguns anos e deu um salto de qualidade nos últimos dias.
Estamos vendo o povo congolês lutando e resistindo por sua soberania, em meio à crescente agressão imperialista sobre seus recursos nacionais. Luta que tem sido inglória na medida que o presidente Felix Tshisekedi prioriza as negociações nos organismos internacionais ao invés de organizar a defesa da soberania. Ao contrário, quando as massas puseram fogo nas Embaixadas da França, Ruanda, Bélgica e EUA a polícia ficou contra os manifestantes e ao lado dos imperialistas
A República Democrática do Congo e Ruanda produzem quase a metade do coltan do mundo, desse mineral se extrai tântalo, tungstênio e estanho, também conhecidos como 3T (tântalo, tungstênio e tin ou estanho). Os 3T são amplamente utilizados em equipamentos eletrônicos, computadores e celulares, sistemas automotivos e aeronáuticos.
Não é correto dizer que RD Congo e Ruanda sejam grande produtores, pois na verdade o grande produtor é a RD Congo e sua produção é contrabandeada para Ruanda, de lá é enviada para grandes centros consumidores onde estão instaladas importantes transnacionais que utilizam os 3T como matéria prima essencial. Há dados que confirmam que apenas 10% do dos minerais exportados por Ruanda foram extraídos dentro daquele país. Os outros 90% correspondem a minerais contrabandeados da R. D. Congo. No gráfico abaixo podemos ver a rota do contrabando e as grandes empresas envolvidas.
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A ocupação dos dois principais estados fronteiriços
A ocupação da cidade de Goma, capital de Kivu Norte se deu pelas tropas do M23 com seus 6.000 soldados, apoiados pelas Forças de Defesa de Ruanda, como é denominado o exército ruandês. A FDR tem 4.000 soldados estacionados na fronteira. A ocupação de Goma está diretamente relacionado com a região mineira de Rubaya que responde por entre 20 e 30% da produção mundial de coltan (com alto teor de columbita e tantalita).
Toda semana parte de Rubaya com destino a Ruanda, oito caminhões carregados com coltan, onde cada carregamento vale 500 mil dólares. Em todas essas remessas o M23 cobra pedágio auferindo 800 mil dólares por mês. Assim, o contrabando de coltan e também outros minerais é garantido e executado pelo M23 em troca dos pedágios.
A cumplicidade do governo de Ruanda com o M23 é evidente na medida que esses minerais serão “lavados” naquele país e depois vendido no mercado internacional como se fossem ruandeses.
No domingo 16.02 as milícias do M23 e com o apoio das Forças de Defesa de Ruanda avançaram para o sul da região e tomaram a cidade Bucavu, capital do Kivu Sul. Desta maneira, Ruanda ocupa e controla toda a faixa de fronteira do Congo com Uganda, Burundi e Ruanda.
China, a União Europeia e os EEUU: enfrentados entre eles e unidos no roubo de matérias primas
A China está envolvida no conflito na medida que fornece drones para o exército congolês e também para Uganda que apoia o M23 e se utiliza de diversos tipos de armas fornecidos pela China. Durante o governo de Joseph Kabila (2001 a 2019) foram negociados acordos que garantiram as empresas chinesas acesso ilimitados as fontes de materiais primas. Nesse período os EEUU, por exemplo, davam pouca importância ao comercio com a África e o Departamento de estado autorizou a venda de três empresas de mineração de capital norte americano para grupos chineses.
A União Europeia tem um papel relevante no conflito na medida que assinou um Memorando de Entendimento (Memorandum of Understanding – MoU), em fevereiro de 2024 que permite acesso aos minerais ruandeses. O acordo € 40 milhões concedidos a Ruanda por meio do Fundo Europeu para a Paz (EPF) e mais de € 900 milhões por meio do Global Gateway, é a resposta da UE à Iniciativa Cinturão e Rota da China.
Porta-vozes da Comissão Europeia indicaram que não há intenção de revogar o Memorando de Entendimento, pois ele é um elemento essencial para alcançar a chamada transição verde e digital.
Os EEUU com a chegada de Trump veio com ele as big techs que necessitam dos 3T para suas empresas. A própria negociação em volta do conflito na Ucrânia está relacionado com os minérios ucranianos. Quando perguntado sobre o conflito no Congo, Trump disse: é um problema importante. E nada mais.
Ruanda, o Estado agressor, na região tem um papel comparável ao de Israel
Ruanda é um país minúsculo comparado a República Democrática do Congo, tem um dos mais bem treinados e aparelhados exército de toda África e sem dúvidas na África subsaariana só perde para África do Sul. As Forças de Defesa de Ruanda é o segundo país que mais fornece tropas militares para a ONU. As transnacionais em Cabo Delgado (Moçambique) os contrataram para a defesa de suas instalações.
Em 2012 o M23 e as Forças de Defesa de Ruanda invadiram Goma, no Kivu Norte e em pouco tempo foram expulsos pelas tropas congolesas e da ONU. A repulsa internacional à época foi grande, mas passados doze anos, Ruanda foi construindo apoios para a empreitada atual. Desde financiar equipes de basquete na NBA e ganhar visibilidade; se credenciar para organizar competição de Formula 1; passando pelo acordo com a Inglaterra para receber migrantes africanos; fornecimento de soldados para empresas privadas; manutenção e desenvolvimento de grupos aramados como o M23, entre outros, etc.
Por esse motivo a comparação de Ruanda com o Estado sionista de Israel não é abusiva. As coincidências entre objetivos e modo de ação confirmam o papel de Ruanda na África subsaariana.
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República Democrática do Congo: regime bonapartista a serviço das transnacionais da mineração
Felix Tshisekedi está em seu segundo mandato. No primeiro mandato ele fez aliança com Joseph Kabila que estava há dezenove anos no poder e ambos, Felix e Kabila fraudaram as eleições. A aliança entre os dois era forte e conseguiram validar as eleições. No segundo ano de mandato Felix começou a desvincular-se de Kabila e para não ser derrubado negociou com todos os países imperialistas. Sua primeira viagem foi a Israel onde foi condecorado por uma universidade sionista, comprou armas e assinou acordos de cooperação militar. Depois ampliou as relações participando de reuniões convocadas por Biden, se reuniu com russos e chineses.
É um estado falido e sem controles. Por exemplo os trabalhadores portuários fizeram uma greve reivindicando 27 meses de salários atrasados; desde agosto de 2024 foi restabelecida a pena de morte e 3 pessoas foram sentenciadas a morte por tentativa de golpe de Estado. No mês de janeiro de 2025, o Ministro da Justiça, Constant Mutanda anunciou solenemente pelas rede sociais[2] que 170 pessoas seria executadas; A Amnistia Internacional denuncia o aumento de execuções sumárias no país. Há diversos presos políticos no país por crime de opinião.
A República Democrática do Congo tem reservas minerais avaliadas em 3 trilhões de dólares, está localizado entre os 20 piores países para se viver segundo o PNUD. Rober Friedland, fundador da Ivanhoe Miners que opera a gigantesca mina de cobre Kamoa-Kakula, diz que “A África é abençoada de possuir o maior deposito de minerais do planeta, e ele mas começou a ser explorado”, e continuou: “Acho que a África vai liderar o mundo em termos do setor de mineração. E não nas margens de lucro, mas em grande escala” As transnacionais contam com o governo bonapartista para super explorar os trabalhadores, destruírem o meio ambiente e levar gigantesca renda mineral.
A ameaça de balcanização e a reação das massas
Há anos se discute no país a possibilidade de balcanização do Congo. O sentimento nacional limitado por diversas questões é mais elevado na capital Kinshasa. Um dia após a ocupação de Goma, na capital as massas saíram espontaneamente as ruas e tentaram incendiar as Embaixadas de Ruanda, Bélgica, França e Estados Unidos. As ações foram violentamente reprimidas e houve um pedido oficial de desculpas por parte do governo. Nos dias subsequentes novas manifestações com repressão violenta. Na Universidade de Kinshasa os estudantes fizeram grandes assembleias se propondo a irem para Kivu Norte e depois também para o Kivu Sul para defender a soberania nacional.
A disposição de luta não prosperou pois não há uma organização independente que assuma o chamado e a organização. Há muitas Ongs que cooptam todo novo ativista que surge e se restringem a denunciar os atropelos aos direitos humanos e se abstém de denunciar o imperialismo. A Fair Cobalt Alliance é uma dessas ongs, que denuncia o trabalho infantil nas minas. Fair Cobalt Alliance é financiada pela Tesla, Glencore e Fairphone, entre outras.
[1] The ITSCI laundromat How a due diligence scheme appears to launder conflict minerals https://www.globalwitness.org/en/campaigns/natural-resource-governance/itsci-laundromat/#itsci
[2] https://www.tiktok.com/@henockbintajournaliste/video/7456418071125888261?_r=1&_t=ZM-8sqGNnG9RkT