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Uruguai | Cresce o repúdio às declarações de Topolansky e Mujica

dezembro 22, 2024

A Esquerda Socialista dos Trabalhadores (IST), seção uruguaia da LIT-CI, compartilha e subscreve o “máximo repúdio” expresso pela declaração das Mães e Familiares dos Detidos Desaparecidos ao tomarem conhecimento das miseráveis ​​declarações de Lucía Topolansky ( 1). De nossa parte, estendemos nosso repúdio ao ex-presidente José Mujica, que se manifestou em seu apoio.

Topolansky foi integrante da guerrilha uruguaia Movimento de Libertação Nacional – Tupamaros (MLN-T) na década de 1960, junto com seu marido José Mujica. Foi também vice-presidente e senadora pela Frente Ampla.

As declarações

Topolansky afirmou que houve algumas testemunhas que mentiram nos julgamentos contra os soldados responsáveis ​​pelas violações aos Direitos Humanos durante a última ditadura militar (1973-1985). Disse que há “gente que mente nas suas declarações” e acrescentou que “sabemos quem mentiu dentro da esquerda, mas não vamos dizer isso porque não somos traidores nem botones (agente de polícia, ndt.)”. Essas declarações foram expressas em entrevistas que Topolansky e Mujica concederam ao jornalista Pablo Cohen para o livro “Los Indomables”, publicado em dezembro. Quando terminávamos este artigo, tomamos conhecimento da notícia de que a Justiça convocaria Topolansky para depor após suas declarações.

No dia seguinte à sua divulgação, José Mujica apoiou as afirmações de Topolansky numa entrevista de rádio: “Essas coisas são conhecidas por nós, sim”, afirmou.

O repúdio se generaliza

O repúdio irrompeu imediatamente de forma unânime e ampla entre as organizações populares. A declaração das Mães e Familiares dos Detidos Desaparecidos foi precedida pela da CRISOL (organização de ex-presos políticos).

Depois aderiram dezenas de outras, como a central operária única do Uruguai, PIT-CNT (Plenária Intersindical dos Trabalhadores – Convenção Nacional dos Trabalhadores), bem como numerosos sindicatos, associações, organizações sociais e barriais de direitos humanos, assim como personalidades e advogados ligados aos direitos humanos como Pablo Chargoña.

Uma enxurrada de trabalhadores, militantes de base das FA, ex-prisioneiros, familiares de desaparecidos e lutadores em geral emitem o seu repúdio pessoal hora após hora nas redes sociais e em conversas nas ruas e nos locais de trabalho. A própria Frente Ampla foi forçada a emitir uma declaração da sua Mesa Política distanciando-se das declarações de Topolansky e Mujica.

Declarações ao serviço da impunidade

Estas declarações constituem um ataque que, na verdade, tenta minar a luta contra a impunidade. Uma luta que há décadas e de forma abnegada é travada por familiares, trabalhadores e jovens. Isto apesar de todos os obstáculos e artimanhas que foram colocadas tanto pelo Parlamento, a começar pela desastrosa Lei da Caducidade (2), como pela Justiça.

Ao mesmo tempo, favorecem a história mentirosa dos militares que afirmam ser vítimas do “revanchismo”. Com base nestas declarações, os advogados do Centro Militar que defendem os violadores dos direitos humanos apressaram-se a anunciar que irão solicitar a revisão de todos os casos à luz destas declarações.

Estas afirmações ganham mais gravidade quando temos exemplos regionais muito próximos como Milei ou Bolsonaro, que fazem uma campanha permanente para negar os crimes da ditadura, acusando as organizações e lutadores pelos Direitos Humanos de ser um “curro”(estafador, ndt.) e mentirosos.

Ou seja, são declarações que alimentam os discursos e interesses mais reacionários dos defensores da ditadura.

Muitos camaradas honestos da base se perguntam por que essas declarações são feitas. A razão é que a defesa do capitalismo levou estes dirigentes a negociar com altos comandos militares desde o Pacto do Clube Naval (3). Militares que permanecem em grande parte impunes, apesar de já terem passado 40 anos desde o fim da ditadura.

Mujica foi mostrado e exibido pelo imperialismo e pela burguesia mundial como um exemplo: ele passou da defesa da revolução e da luta armada a elogiar e governar o capitalismo, ao mesmo tempo que renega e se distancia do socialismo.

Todo o progressismo mundial que nega a revolução socialista começou a homenageá-la. Mujica colocou todo o seu prestígio como ex-prisioneiro político ao serviço da defesa integral do capitalismo e tornou-se o porta-estandarte da impunidade dos militares.

Desta forma, presta um grande serviço à burguesia uruguaia e mundial. Esse é o triste papel que Mujica e Topolansky desempenham. Hoje isso se evidencia com suas malfadadas declarações.

Estoura uma crise profunda

Mujica e Topolansky são os líderes mais importantes do Movimento de Participação Popular (MPP) (4), a força esmagadoramente mais votada da FA nas últimas eleições. Orsi, o presidente eleito, vem desse setor e também ele teve que se distanciar rapidamente. Na própria casa de Mujica e Topolansky (a chácara del Cerro) desfilaram todos os líderes do novo governo, assim como os presidentes sul-americanos Lula e Petro, durante a reunião do Mercosul.

Recentemente soube-se que Guido Manini Ríos, antigo militar e fundador do partido de extrema-direita Cabildo Abierto (que ruiu eleitoralmente mas obteve dois deputados que pretendem negociar os seus votos com a FA para que esta tenha a maioria necessária para legislar na Câmara), também visitou Mujica no final de novembro em sua chácara.

O escândalo e a crise aberta com as declarações demonstram, como dissemos no nosso último editorial, que “A liderança máxima da FA está cada vez mais à direita (…) estão preparando-se para todo o tipo de acordos com os partidos de direita”, inclusive com os defensores dos torturadores do Cabildo Abierto” (5).

O novo governo ainda não tomou posse e já vive a sua primeira crise. E não é uma crise qualquer. É uma crise num dos pontos mais sentidos entre os trabalhadores e a sociedade uruguaia. A mobilização contra o Terrorismo de Estado que acontece todo dia 20 de maio atrai várias centenas de milhares (numa população de três milhões e meio), com uma forte presença jovem que continua tomando a demanda nas mãos.

Um tema onde é muito comum ter um familiar, um amigo ou conhecer alguém que sofreu em primeira mão ou muito de perto as consequências do Terrorismo de Estado. Para se ter uma ideia, o prestigiado historiador da Universidade da República, Gerardo Caetano afirma que o Uruguai “tinha o maior nível de presos políticos em relação à população de todas as ditaduras da América Latina” (6).

Abaixo a impunidade!

Nós da IST reivindicamos a luta pela verdade, pelo julgamento e pelo castigo; levantando bem alto a bandeira pelos companheiros desaparecidos. Solidarizamo-nos com cada pessoa perseguida, torturada e exilada que, superando os mais difíceis obstáculos pessoais e os  impostos pela Justiça e pelo Parlamento, não hesitou em contribuir com o seu testemunho e com a sua luta para que a justiça seja feita.

Os verdadeiros mentirosos são os militares. Eles mentem quando dizem que não sabem nada sobre as pessoas desaparecidas. Eles mentem quando apontam falsos cemitérios. Eles mentem toda vez que relativizam ou negam seus crimes.

A partir da IST, apelamos aos trabalhadores, à base da FA, e a todos os defensores das liberdades democráticas que repudiam o Terrorismo de Estado, a ampliarem cada vez mais a massividade do repúdio às declarações de Topolansky e Mujica. Apelamos a que redobrem juntos a luta contra a impunidade.

Exijamos nas ruas a anulação da lei da impunidade, que abram todos os arquivos da ditadura, prisão comum para violadores dos direitos humanos, por comissões de investigação e júris populares compostos por sindicatos e organizações de direitos humanos para acabar com a impunidade.

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Fontes:

1) Comunicado de mães e familiares de detidos desaparecidos: https://desaparecidos.org.uy/2024/12/15523/

2) A Lei de Caducidade da Reivindicação Punitiva do Estado foi votada em 1986 pelo Partido Nacional e pelo Partido Colorado para evitar julgamentos contra militares, deixando nas mãos do Poder Executivo a decisão sobre se qualquer denúncia específica deveria ou não deveria ir a tribunal. É popularmente conhecida como “Lei da Impunidade”.

3) O Pacto do Clube Naval foi a negociação entre os comandantes militares, os líderes do Partido Colorado e da Frente Ampla onde se pactuou uma solução negociada para a ditadura. Foi acordada a realização de eleições com proscritos em 1985 e foi acertada a continuidade dos militares em seus cargos. O Partido Nacional, que inicialmente não participou dessas negociações por ter o líder Wilson Ferreira Aldunate preso, concordou posteriormente votando com o Partido Colorado a Lei da Expiração para impedir o julgamento dos militares. Este evento foi inspirado no Pacto Moncloa do Estado Espanhol.

4) O Movimento de Participação Popular (MPP) foi fundado por ex-guerrilheiros tupamaros em 1989. Foi gradualmente assimilado pelo sistema democrático burguês, ingressando finalmente na Frente Ampla. Neste processo sofreu algumas rupturas por parte de grupos e lideranças que criticavam esse caminho, como o falecido ex-guerrilheiro Jorge Zabalza. Os principais dirigentes do MPP são Mujica e Topolansky.

5) Rebelião Editorial 92. https://www.ist.uy/para-quienes-gobernara-el-fa/

6) https://www.clacso.org/uruguay-tuvo-el-mayor-nivel-de-presos-politicos-de-las-dictaduras-de-america-latina/

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