O sionismo durante o Holocausto

Por: Alicia Sagra |
O sionismo se apresenta ao mundo como o herdeiro das vítimas do Holocausto. A partir disso, faz todo tipo de ameaças, acusando, muitas vezes judicialmente, de “antissemitismo” aqueles que confrontam o Estado sionista de Israel em defesa da Palestina.
O papel autoproclamado do sionismo como representante das vítimas do extermínio nazista, nada tem a ver com a verdade. Já afirmamos isso em outros artigos, citando proeminentes intelectuais judeus, como o historiador israelense Ilan Pappé[1] e o americano Ralph Schoenman[2], agora tomaremos como referência um sobrevivente do Holocausto, Rudolph Vrba, considerado um herói dos judeus.
Em 10 de abril de 1944, junto com Alfred Wetzler, Vrba realizou a grande façanha de escapar de Auschwitz para alertar os judeus húngaros sobre os planos dos nazistas de exterminar a última grande comunidade judaica sobrevivente na Europa.
Seu nome voltou a ter repercussão internacional, com artigos publicados na Folha de São Paulo, na BBC e em outros meios de comunicação, depois que Jonathan Freedland e John Murray publicaram (em abril de 2023) o Best Seller O ARTISTA DA FUGA: o homem que escapou de Auschwitz para alertar o mundo.
Jonathan Freedland é um destacado jornalista do jornal britânico The Guardian e colunista do jornal sionista Jewish Chronicle.
Como diz Tony Greenstein[3], na Intifada Eletrônica de 22 de agosto de 2024, é surpreendente que este conhecido sionista liberal escreva um livro reivindicando um crítico do sionismo.
Greenstein afirma que: O problema de Freedland ao querer escrever sobre este herói judeu do Holocausto é que Vrba não era sionista. O movimento sionista, por causa de sua colaboração com os nazistas (seu desejo de lucrar com a ascensão deles ao poder), praticamente não tem a seu favor nenhum judeu da resistência antinazista.
Noah Lucas, um historiador sionista crítico, descreveu como: “Quando o Holocausto europeu eclodiu, [mais tarde o primeiro-ministro israelense David] Ben-Gurion o viu como uma oportunidade decisiva para o sionismo… Ben-Gurion, mais do que qualquer outra pessoa, percebeu as enormes possibilidades inerentes à dinâmica do caos e da carnificina na Europa… Em condições de paz, estava claro que o sionismo não poderia mover as massas do judaísmo mundial. Portanto, as forças desencadeadas por Hitler em todo o seu horror deveriam ser aproveitadas em benefício do sionismo… No final de 1942… a luta por um Estado judeu tornou-se a principal preocupação do movimento”.
Os poucos sionistas que lutaram na Resistência, como Chajka Klinger, foram extremamente críticos em relação ao papel desempenhado pelo movimento sionista[4].
Uma suposta homenagem fingida, que falsifica a história do Holocausto e do Sionismo
O relato detalhado de Vrba sobre os acontecimentos ocorridos em Auschwitz, mostrando que não se tratava de um campo de concentração e trabalho, mas sim de um campo de extermínio, serviu de base para o Relatório Vrba-Wetzler de 1944. Esse relatório foi um dos três documentos, apresentados em conjunto como os Protocolos de Auschwitz, como prova nos julgamentos de Nuremberg (1945-1946).
Tudo isso é justificado no livro de Freedland, que também elogia a astúcia, a genialidade daquela fuga, aparentemente impossível, de um dos mais terríveis campos de extermínio nazistas.
Mas Freedland oculta uma parte significativa da vida do “herói de Auschwitz”, que se torna uma falsificação histórica a serviço do sionismo.
Vrba vivia na Eslováquia, um estado fantoche nazista que se separou da Tchecoslováquia quando Hitler a invadiu e desmembrou em 1939. Em fevereiro de 1942, ele foi intimado a se apresentar para deportação. Em março de 1942, ele fugiu para a Hungria e visitou os sionistas húngaros. Vrba descreve o que aconteceu:
“Naquela tarde, fui a Casa OMZSA, a sede da organização sionista em Budapeste. Lá, contei minha história em detalhes a um homem de cerca de trinta e cinco anos e rosto severo.
Ele refletiu por um momento antes de dizer:
“Você está em Budapeste ilegalmente. É isso que está tentando dizer?”
“Sim.”
“Você não sabe que está infringindo a lei?”
Assenti com a cabeça, me perguntando como um homem com uma cabeça tão dura poderia ocupar o que parecia ser uma posição de responsabilidade.
“E você espera conseguir um emprego aqui sem documentos?”
“Com documentos falsos.”
Se eu tivesse rasgado o Talmud e me jogado sobre ele, não acho que o teria surpreendido mais. Ele abriu a boca uma ou duas vezes e depois rugiu:
“Você não percebe que é meu dever entregá-lo à polícia?”
Agora foi a minha vez de ficar boquiaberto. Um sionista estava entregando um judeu para a polícia fascista. Pensei que estava ficando louco.
“Saia daqui! Saia tão rápido quanto um vendaval!”
Saí completamente desnorteado. Passaram-se quase três anos até que eu percebesse o que representavam a Casa OMZsA e os homens que lá estavam.[5]
Também não há menção nesse livro de uma suposta homenagem a Vrba sobre o que ele publicou no The Observer de 22 de setembro de 1963. Nessa publicação, respondendo a Jacob Talmon, professor da Universidade Hebraica, que criticou Hannah Arendt[6] por ter dito que os Conselhos Judaicos colaboraram com os nazistas, Vrba perguntou:
“Será que o Judenrat (Conselho Judaico) da Hungria disse a seus judeus o que os aguardava? Não, eles permaneceram calados e, por esse silêncio, alguns de seus líderes – por exemplo, Kasztner[7] – trocaram suas próprias vidas e as vidas de 1.684 outros judeus “proeminentes” diretamente com Eichmann”[8].
Tampouco há qualquer menção à declaração de Vrba no Daily Herald de fevereiro de 1961: “Eu sou judeu. Apesar disso, na verdade por causa disso, acuso certos líderes judeus de um dos acontecimentos mais terríveis da guerra. Esse pequeno grupo de traidores sabia o que estava acontecendo com seus irmãos nas câmaras de gás de Hitler e compraram suas próprias vidas com o preço do silêncio… Consegui avisar os líderes sionistas húngaros com três semanas de antecedência que Eichmann planejava enviar um milhão de seus judeus para as câmaras de gás… Kasztner foi até Eichmann e disse: Conheço seus planos; poupe alguns judeus de minha escolha e ficarei calado”[9].
É claro que nada disso é mencionado nos artigos da Folha de São Paulo e da BBC, aos quais nos referimos acima.
Mais uma vez, estamos perante uma manipulação da história levada a cabo pelo sionismo, com o apoio da imprensa internacional.
O sionismo não é sinônimo de judaísmo, é sinônimo de nazismo.
Mas, apesar dessas manipulações, o testemunho de Rudolph Vrba não pode ser encoberto e é mais uma prova de que, longe de o sionismo ser um representante das vítimas do Holocausto, ele foi um colaborador de seus executores.
É o mesmo sionismo que hoje, a partir do Estado de Israel, aplica os métodos do nazismo contra o povo palestino. Portanto, lutar pela destruição do Estado sionista de Israel não é antissemitismo. É uma questão de humanidade. O genocídio em Gaza, os ataques à Cisjordânia, os ataques ao Líbano mostram que é impossível garantir a vida e a liberdade dos povos da região, enquanto existir esse estado nazi-fascista.
Por um Estado Palestino Único, Laico, Democrático e Não-Racista, do rio ao mar.
[1] Ilan Pappé, A Limpeza Étnica da Palestina, Editora Sundermann
[2] História Oculta do Sionismo, Editora Sundermann
[3] Tony Greenstein, autor do livro O sionismo durante o Holocausto (2022), é um ativista e escritor judeu anti-sionista britânico. Foi membro fundador da Campanha de Solidariedade à Palestina. Ele se apresentou ao parlamento como representante da Aliança para o Socialismo Verde. Em 2018, foi expulso do Partido Trabalhista sob a acusação de anti-semitismo.
[4] Intifada Eletrônica, 22/08/2024
[5] Autobiografia de Vrba, citada por Tony Greenstein
[6] Hannah Arendt, filósofa e política alemã de origem judaica (1906-1975)
[7] Reszo Kasztner, líder sionista húngaro, foi quem recebeu o relatório Wetzler-Vrba, e não distribuiu. Anos mais tarde, quando fazia parte do governo israelense, foi acusado por um compatriota judeu húngaro de ter colaborado com os nazistas. O governo lançou um julgamento por difamação contra o acusador. O julgamento voltou-se contra Kasztner quando se descobriu que ele havia testemunhado a favor de criminosos nazistas nos julgamentos de Nuremberg. Kasztner foi assassinado por agentes do Shin Bet em 1957.
[8] Citado por Tony Greenstein
[9] Idem
Tradução: Rosangela Botelho