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Moçambique: Lutas contra a ditadura da FRELIMO, a fome e desemprego e os desafios que estão colocados

dezembro 4, 2024

Por: Cesar Neto e J. G. Hata

Introdução:

A imprensa burguesa tem comentado da fraude eleitoral e a ira das massas. Essa análise é parcial pois a juventude, os trabalhadores desempregados e camponeses, pouco a pouco estão apresentando suas reivindicações. O debate não é só com a imprensa burguesa é também com o Partido Comunista Português que desavergonhadamente defende o governo da FRELIMO.

A fraude, os assassinatos e o início das mobilizações

As eleições ocorreram no dia nove de outubro, uma semana depois saiu o resultado dando vitória ao candidato oficialista Daniel Chapo com 71% dos votos. A oposição questionou os resultados, inclusive a RENAMO que sempre foi o maior partido da oposição e desta vez tinha ficado em terceiro lugar e com votação pífia. PODEMOS o partido de Venancio Mondlane estava preparando um recurso na Corte Constitucional contra o resultado eleitoral quando foram assassinados um dirigente desse partido e o advogado que estava preparando a petição.

Esse assassinato com características de execução, seguramente foi praticado pelos membros dos Esquadrões da Morte que atuam no país contra a população pobre e também contra os desafetos do regime.

As raízes profundas da crise

As riquezas minerais do país são imensas. Carvão, ouro, calcário, pedras preciosas (turmalina, águas marinhas, quartzo) e agora a descoberta de imensa reserva de gás natural em Cabo Delgado.

Mas toda essa riqueza pouco serve para o país. Tomando um caso emblemático o da mineração de carvão em Moatize que durante mais de dez anos foi explorado pela Cia Vale e no ano passado vendido a um grupo indiano. O contrato inicial[1] previu que 85% ficaria com a Vale, 10% com investidores locais e 5% para o estado moçambicano. Em 2004 a Vale recebeu como concessão uma área de 23.780 hectares, mais ou menos 23 quilômetros de comprimento por 10 kms. de largura. Inúmeras isenções fiscais e como se não bastasse todas as isenções fiscais há também o livre repatriamento de lucros e dividendos, até 100%.

Para compensar todas essas regalias fiscais e o livre repatriamento caberá ao Estado moçambicano apenas 3% do rendimento líquido trimestral da mina.

O escoamento de carvão será realizado pela linha ferroviária do Sena que estava desativada desde a época da guerra. A reativação será utilizando-se da infraestrutura pré-existente e em contrapartida a Vale permitirá que a população viaje uma vez por semana em seu trem de passageiros.

Esse modelo de espoliação ou falando mais claro, esse modelo de roubo do carvão de Moatize se aplica as outras empresas que exploram os recursos naturais praticados pela Kenmare, Rio Tinto, Total, Chevron, etc. 

Fraude, assassinatos e chamado às ruas

A fraude foi evidente e inclusive já é uma tradição. Em novembro do ano passado, nas eleições municipais, das 65 cidades em disputa, a FRELIMO foi vencedora em 64. Também houve, naquele momento, muitas denúncias e mobilizações como agora. Porém as mobilizações que começaram no dia 21 de novembro superaram todas as expectativas positivas.

Milhares de pessoas saem as ruas. As primeiras manifestações tiveram até um certo humor. Nas ruas as pessoas construíam túmulos de areia, enfiavam uma cruz e nome dos políticos da FRELIMO e dançavam em volta.   

Aproveitando que a seleção de futebol faria um jogo importante dentro do campeonato africano de seleções, o Presidente Nyusi chamou a população a prestigiar sua equipe. O resultado saiu ao contrário, para mostrar desagrado, imensas mobilizações aconteceram no entorno do estádio que ficou vazio.

Os mercados e os comércios estão fechados por que os trabalhadores não vão trabalhar. A fronteira com a África do Sul está fechada por caminhões atravessados e há filas quilométricas de caminhões parados e sem a circulação de mercadorias.

As marchas são um rio de gente gritando o nome de Venancio. A Policia e o Exército atuam com violência, até agora são 70 mortos e entre elas 10 crianças.

A polícia e o Exército se dividem

Como dissemos acima a Polícia e o Exército atuam com muita violência lançando bombas de gás, balas de borracha e até mesmo armas letais.

Contraditoriamente, há inúmeros vídeos de soldados de ambas forças mostrando simpatia com as mobilizações. Inclusive um 2ᵒ sargento da Aeronáutica foi preso e está desaparecido.

Frente a essa dualidade das forças repressivas, o movimento de massas não tem perdoado a violência policial. Há vários mortos do lado da repressão. Um foi morto a pedradas, outro teve a casa incendiada, e o caso mais forte se deu nesta semana em Inhambane, no pacato vilarejo de Mangungumete[2], “os manifestantes incendiaram o Posto policial e apoderaram-se do armamento que se encontrava no seu interior[3].”  Os policiais fugiram apavorados. Um dos policiais atirou contra os manifestantes, foi neutralizado e morto a pauladas.

A luta contra a fraude e os assassinatos começam a se entrelaçar com outras reivindicações

As manifestações não são decididas e organizadas pela população. Elas são chamadas pelas redes sociais do próprio Venancio e por seus seguidores. Assim, a principal e única palavra de ordem é sempre: Venancio, Venancio, Venancio!  

Esse controle político começa a ser lentamente superado pelo movimento. Camponeses ocupam estradas por suas demandas. Funcionários públicos da STAE (Secretariado Técnico da Administração Eleitoral) denunciam valores salariais devidos há mais de um ano e fazem manifestações. Médicos e pessoal da saúde saem as ruas com suas reivindicações. Esta semana o Presidente Nyusi foi aos quartéis para saber por que os sargentos, cabos e soldados não estão recebendo corretamente o salário.

A população começa a levantar o tema da inflação e do custo de vida e mais a população começa a fazer saques aos supermercados, de tal sorte que a Rede Shoprite disse que fecharia momentaneamente suas lojas mais em risco.

Em um bairro, a população parou um caminhão carregado de carteiras escolares e retirou diversas cadeiras para seus filhos que assistem aulas sentados no chão.

A burguesia e Venancio se assustam. Começa a operação desmonte das mobilizações

Os cinquenta anos de governo da FRELIMO, os esquadrões da morte, o desemprego, a inflação, a baixa expectativa de vida (vinte anos menos que o Brasil e Argentina), a altíssima taxa de mortalidade infantil, escolas onde as crianças assistem aulas sentados no chão batido, etc. são os motores desses rios de gente nas ruas se mobilizando nas ruas.

A burguesia se assustou. Os Estados Unidos, Canadá, União Europeia e a Suíça expressaram preocupação com a violência.

Venancio Mondlane falou em uma de suas lives que “tinham que combater os vândalos, pois nossa revolução é pacifica” e “queremos construir um novo Moçambique para todos”. E propõe que os manifestantes parem seus carros e façam buzinaços em determinados horários e quem não tiver carro que fique em casa batendo panelas.

Pela primeira vez os manifestantes não seguiram as ordens

No dia posterior a ordem de ficar em casa, os manifestantes voltaram as ruas das principais cidades. Em Maputo interditaram a principal avenida, fizeram uma barricada que foi atropelada por veículo blindado da Polícia.

A resposta foi imediata, vários veículos policiais foram incendiados e os policiais saíram correndo.

O jogo ainda não terminou os próximos dias serão decisivos. A grande questão é: Mondlane vai seguir mobilizando ou não? Há grandes pressões por um acordo entre os três candidatos a presidente e nenhum deles disse não a um acordão.

Quem é Venancio Mondlane?

Mondlane, duas vezes deputado pela RENAMO, radialista, pastor evangélico da linha da teoria da prosperidade, admirador de Trump e Bolsonaro. Em uma homenagem a Bolsonaro disse: “Um homem de Deus e que é a esperança… um homem de família, de valores, de princípios que se solidificam e isso é uma grande esperança para o Brasil[4]

No mês de julho deste ano, em viagem pela Europa, em Portugal se reuniu com Diogo Amorim, dirigente do partido de extrema direita CHEGA. Esse partido tem como uma de suas principais bandeiras a luta contra a emigração. Segundo eles é preciso “limpar Portugal” de imigrantes, entre eles, africanos e moçambicanos.

Em uma de suas tantas lives neste período disse textualmente que quer um Moçambique para todos e cita entre os que vão ajudar as transnacionais TOTAL e CHEVRON que são empresas que estão empenhadas em levar o gás de Cabo Delgado, o maior do continente africano.

A tática eleitoral de Mondlane

Venâncio fez uma leitura correta do bipartidismo moçambicano. As massas já não aguentam mais a FRELIMO e a RENAMO há cinquenta anos como organizações hegemônicas, responsáveis em distintos graus pelo descalabro que é o país e que era necessário apresentar um novo projeto. Mondlane que se elegeu por dois mandatos de deputado pela RENAMO, rompeu com esse partido e buscou se distanciar criando inicialmente o CAD (Coligação Aliança Democrática) e depois se afiliou no PODEMOS (Partido Optimista pelo Desenvolvimento de Moçambique).

Assim, desvinculando-se do bipartidismo começou a fazer um discurso antissistema, misturado com elementos religiosos com ênfase na possibilidade da prosperidade, defesa dos empresários, funcionários públicos e até mesmo dos policiais. Um discurso sempre voltado para a juventude que é a vanguarda das manifestações.

Partido Comunista Português com a ditadura e contra as mobilizações

Os países africanos do PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa), Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, agora também a Guiné Equatorial, mantêm estreitas relações políticas, culturais e econômicas, com Portugal. Uma parte importante da diáspora desses país está em terras lusitanas.

Assim que, as declarações do Partido Comunista Português têm grande importância nesses países, e a intervenção no Parlamento Europeu feita pelo deputado João Oliveira não passaram desapercebidas nos países do PALOP, em especial em Moçambique e Angola.

João Oliveira, afirma que “as eleições gerais em Moçambique decorreram, em geral, de forma calma e pacífica[5]”, disse isso mesmo depois do assassinato Paulo Guambe e Elvino Dias. Considerando que as eleições ocorreram em normalidade e sem denunciar as históricas fraudes praticada pela FRELIMO, João Oliveira só poderia condenar as manifestações, a defesa dos bens privados e as instituições do regime bonapartista. Literalmente afirmou: “Os sequentes atos de violência provocaram dezenas de mortes e centenas de feridos, assim como vandalismo, destruição e saque de bens públicos e privados, ataques e ameaças a cidadãos”.

E para que não fique dúvidas sobre o apoio ao governo bonapartista de Nyusi e seus esquadrões da morte, Oliveira reconhece o “normal funcionamento das instituições democráticas moçambicanas”.

Aliás, não é a primeira vez que o Partido Comunista Português fica ao lado das ditaduras. Quando o governo de João Lourenço mandou prender jovens angolanos que estudavam um livro sobre métodos não violentos de luta democrática, o PCP ficou a favor da ditadura do MPLA contra o movimento de jovens conhecido como 15 + 2.

Um processo revolucionário em perigo

Tomando a frase célebre de Lenin: “os de cima já não podiam governar como antes e os debaixo já não se deixavam governar como antes.[6]”, podemos dizer que Moçambique vive uma situação revolucionária. O fato de viver essa situação não quer dizer estamos em caminho seguro rumo a revolução. É possível desviar o caminho como o mesmo Lenin orientava.

E não temos dúvidas que o projeto de Venancio Mondlane caminha para desviar o processo revolucionário rumo a institucionalização da luta.

Mondlane só consegue essa proeza de desviar a revolução por que previamente as massas moçambicanas não construíram duas ferramentas fundamentais.

Primeiro os organismos de duplo poder. Aqueles que com suas lutas questionam e não reconhecem as instituições do Estado burguês e criam um poder paralelo. Um poder paralelo em seus mais diferentes formatos e de acordo com o momento da luta. Por exemplo, quando as forças repressivas mandam reprimir, o comitê de soldados se reúne e organizadamente se negam a reprimir. Esse sentimento já existe em uma parte da Polícia e do Exército como dissemos acima, mas tem sido tudo no campo da defesa de Venancio e não luta por um país anti capitalista, anti-imperialista e a serviço dos trabalhadores (empregados ou não), dos jovens e dos camponeses.

A segunda ferramenta é a existência de uma direção política com um programa revolucionário. Uma organização que dispute nas lutas qual a direção que daremos a essas lutas. Uma direção que coloque na ordem do dia questões chaves para o futuro do país. Temas como não pagamento da dívida externa, nacionalização da exploração dos recursos minerais e reforma agrária.

Sem a disputa com Mondlane e seus amigos empresários – como ele diz em suas lives – a classe trabalhadora, os jovens e camponeses, somente verão a mudança de governo, e isto, quando têm forças suficientes para mudanças profundas.

A tarefa central e imediata é organizar os organismos de duplo poder e a construção da ferramenta política.


[1] Moçambique: pobreza extrema, extrativismo mineral e recolonização – https://www.afropress.com/mocambique-pobreza-extrema-e-recolonizacao/

[2] Dois feridos, um policial morto e queimaram a sede do partido Frelimo em Mangungumete – https://www.youtube.com/watch?v=_VcYUmlf1iI

[3] Violência pós-eleitoral leva a paralisação da multinacional SASOL em Inhambane – https://integritymagazine.co.mz/arquivos/35157

[4] O que explica crise em Moçambique, em meio a denúncias de fraude eleitoral e protestos – https://www.youtube.com/watch?v=7D-2qOmlLdY

[5] Intervenção de João Oliveira no Parlamento Europeu – https://www.pcp.pt/solidariedade-com-povo-mocambicano-respeito-pela-sua-soberania

[6] La Bancarrota de la II Internacional, p.102.

(www.marxists.org/espanol/lenin/obras/oe12/lenin-obrasescogidas05-12.pdf).

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