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Bolívia| Disputa eleitoral, cada vez mais suja

outubro 25, 2024

Os bloqueios de estradas voltaram à Bolívia. Há mais de uma semana, os camponeses bloqueiam as estradas, e a ação se espalhou nos trópicos bolivianos, depois que a repressão policial tentou dispersá-los.

Por: Alícia Sagra

Os bloqueios de estradas são um método tradicional de luta dos camponeses bolivianos. E muitas vezes, combinados com ações de mineiros e trabalhadores nas cidades, desempenharam um papel muito importante nos processos revolucionários.

Mas, durante vários meses, essas medidas de luta, que sempre resultaram em camponeses feridos e até mortos, tiveram outra motivação. Por trás de tudo isso está a disputa eleitoral entre Evo Morales e seu ex-ministro da Economia e atual presidente da República, Luis Arce.

Os bloqueios atuais exigem que o governo resolva a crise do dólar e dos combustíveis e o aumento dos preços dos alimentos, mas a demanda central é que os processos contra Evo Morales, investigado por um caso de suposto estupro, sejam anulados e que o congresso do MAS que proclamou Morales como candidato presidencial para as eleições de 2025 seja reconhecido.

Os evistas denunciam que grupos de choque ligados ao presidente Arce atuaram na repressão policial. Enquanto isso, o presidente Arce declarou: “O povo boliviano tem que ter certeza de que faremos tudo o que for necessário para manter a estabilidade econômica que custou muito trabalho às bolivianas e bolivianos. Saibam vocês que vamos fazer respeitar a estabilidade dos bolivianos, que não vamos ceder àqueles que querem incendiar o país para se protegerem de acusações pessoais diante das quais devem prestar contas.”[1]

As acusações contra Evo Morales.

O ex-presidente é acusado de sequestro e estupro, em 2015, contra uma menina de 15 anos com quem supostamente teve um filho. De acordo com informações da imprensa boliviana, essa acusação teria sido investigada e arquivada em 2020, mas agora está sendo retomada pela promotora de Tarija, Sandra Gutiérrez, que o convocou para testemunhar.

Evo Morales se recusou a comparecer e nega a acusação, dizendo que tudo faz parte da perseguição política que visa impedir sua candidatura.

Nos últimos dias, novas acusações de abuso sexual surgiram durante seu exílio na Argentina. A denúncia foi apresentada por Angélica Ponce, ex-executiva da Confederação de Mulheres Interculturais da Bolívia, que evidentemente rompeu com o ex-presidente. Ponce, que visitou Morales várias vezes durante seu tempo na Argentina, disse à mídia boliviana que as menores que viviam na residência do ex-presidente agiam como “chefes de gabinete” e até como “servas”. Uma situação que, sempre de acordo com seu depoimento, era conhecida por quem frequentava o local. “Acho importante reconhecer que Evo Morales estava na Argentina vivendo com menores, sou testemunha disso, então acho importante denunciar perante a comunidade internacional que uma pessoa dessa estatura está ameaçando a estabilidade boliviana. Ninguém mais pode ficar calado, Deus nos verá”, e também lembrou como Morales mencionou em tom casual que “aqueles que queriam obter obras lhe davam uma menina”. Ponce instou o sistema de justiça boliviano a demonstrar “seu compromisso com as vítimas”.[2]

Com base nessa denúncia,  o nativo de Santa Cruz Branko Marinković,[3] empresário e opositor do Movimento ao Socialismo (MAS), enviou uma carta a Patricia Bullrich, ministra da Segurança do governo Milei, onde afirma: “Gostaria de me dirigir a você para solicitar que (…) seja iniciada uma investigação ex officio contra o senhor Evo Morales Ayma, que, de acordo com informações jornalísticas detalhadas no comunicado de imprensa anexo, teria cometido crimes contra menores durante sua estada na Argentina”.[4]

A disputa eleitoral suja

Será verdade que Evo Morales sequestrou e estuprou uma menor quando era presidente? Nesse caso, seus amigos na época, que são seus inimigos hoje, encobriram isso durante o evento e na investigação de 2020. Ou não foi sequestro e estupro e o que foi é que ele usou seu prestígio como presidente aimará para seduzir adolescentes? Se foi esse o caso, ele também o fez sob o olhar cúmplice de seus antigos amigos e inimigos atuais. Ou não foi nada disso, e é apenas uma perseguição política, promovida pelo presidente Arce, como denuncia Evo Morales?

Tudo é possível, porque estamos perante dois líderes políticos que não têm escrúpulos em recorrer a qualquer método para satisfazer os seus desejos eleitorais.

Não há mal menor

Não há um melhor que o outro. A prova é que um não tem problema em promover, para defender a própria candidatura, ações que possam causar ferimentos e mortes entre os camponeses; e o outro, com os mesmos objetivos, não tem problemas em promover a repressão policial contra essas ações.

E, como não poderia deixar de ser, esse vergonhoso confronto entre líderes que se autodenominam “de esquerda” é aproveitado pelas candidaturas de direita.

Não é novidade que governos de aliança de classes, que se dizem de esquerda, mas governam defendendo o Estado burguês, abrem caminho para a ultradireita. Isso já foi vivido na Bolívia com o governo da UDP – Unidade Democrática e Popular (1982-1985), que abriu o caminho para Paz Estensoro e depois para Banzer.

Insistimos novamente, não se pode esperar nada desses líderes. Se não houver avanço em uma opção dos trabalhadores da cidade e do campo, nas eleições de 2025 não haverá nenhuma alternativa para os operários e camponeses pobres da Bolívia.

Da mesma forma, se não houver avanço na construção de um partido operário, revolucionário e internacionalista, não haverá avanços na luta contra o capitalismo e pela revolução socialista que imponha um governo operário e camponês que caminhe para o socialismo. O que significa que a exploração e a opressão capitalistas continuarão, com governos de um tipo ou de outro, e, portanto, miséria e todos tipo de injustiças, para o povo trabalhador boliviano.


[1] CNN, 18-10-2024

[2] La Razón, Bolívia, 16-10-2024

[3] Político de extrema direita, ex-presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, que acaba de anunciar sua pré-candidatura à presidência.

[4] La Razón, Bolívia, 16-10-2024

Tradução: Lílian Enck

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