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terça-feira, outubro 8, 2024

Indígenas criticam governo e cobram demarcação dos seus territórios

Após 335 anos, o Manto Tupinambá, uma relíquia da cultura indígena brasileira, levada daqui por colonizadores franceses e há séculos mantida na Europa, foi oficialmente devolvido ao Brasil.

Por: PSTU Brasil

Mas, na cerimônia de celebração, que contou com a presença da Ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e com o presidente Lula, a anciã e liderança indígena de Olivença, na Bahia, Yakuy Tupinambá, fez um duro discurso, criticando a atuação do Congresso, do poder judiciário e do próprio governo federal em relação à pauta indígena.

“Nós somos violados há muito tempo, mas, ultimamente, o Estado e instituições patrimonialistas desencadearam uma retirada de direitos, com atentados contra a dignidade e a manutenção da vida. Temos, hoje, o pior Congresso da história, um Judiciário egocêntrico e parcial, e um governo enfraquecido, acorrentado às alianças e conchavos para se manter no poder. Não respeitam as leis nem os tratados e convenções internacionais. Vivemos uma democracia distorcida”, acrescentou Yakuy no discurso.

Lula respondeu ao discurso, negando que há subserviência para ficar no poder, afirmando que o PT não tem a maioria do Congresso e justificando que, “para aprovar as coisas, sou obrigado a conversar com quem não gosta de mim”. Será que isso inclui os mais de R$ 400 bilhões concedidos ao agronegócio e que financiam a expansão do setor, inclusive sobre os territórios indígenas?

‘Lula continua negligenciando os povos indígenas’

O fato é que essa não foi a primeira manifestação de insatisfação de lideranças indígenas contra o governo Lula. No ano passado, o Cacique Raoni criticou o veto parcial do presidente ao projeto do Marco Temporal, aprovado pelos ruralistas do Congresso Nacional, e a falta de atendimento à saúde dos povos indígenas, afirmando que que a retirada dos invasores estava aquém do esperado. “Ele está devagar. Não cumpriu o que me prometeu no dia da posse e por isso vou a Brasília bater na porta dele”, disse.

Raoni tentou falar com Lula por duas vezes, mas não foi recebido. Na posse presidencial, o cacique subiu a rampa com Lula, que prometeu a ele cumprir a pauta de reivindicações dos movimentos indígenas. Mas, de lá pra cá, pouca coisa mudou.

“Yakuy representou muito bem os povos indígenas do Brasil em seu discurso, pois teve a oportunidade de direcionar diretamente as críticas de insatisfação contra o governo. É absurdo como Lula continua negligenciando os povos indígenas, apesar do discurso mentiroso de posse. As paralisações das demarcações das TIs [Terras Indígenas] são uma delas. O governo mascara o problema com inúmeras promessas para garantir o lucro dos opressores que estão no poder”, explica Raquel Künã Yporã Tremembé, que luta pela demarcação das terras do seu povo, no Maranhão.

Queimadas e invasões de Terras Indígenas

Fogo na Terra Indígena do Xingu

A onda de queimadas que devasta o Brasil é o anúncio da expansão de novas fronteiras agrícolas da agricultura capitalista, o chamado agronegócio, e castigam sobretudo a Amazônia e o Cerrado.

As Terras Indígenas (Tis) também são alvos do fogo provocado por grileiros e fazendeiros. Em agosto, três das TIs mais invadidas por garimpeiros na Amazônia tiveram uma explosão de queimadas.

A Terra Indígena Kayapó, no Sul do Pará, onde vivem 4,5 mil kayapós mebengôkres, foi a que registrou maior número de queimadas. Nas imagens de satélites, é possível ver a TI completamente tomada por fogo e fumaça. Em segundo lugar vem a TI Munduruku, no Sudoeste do Pará. Em 28 dias, foram registrados 217 focos de calor no território, onde vivem 9.257 mundurukus e apiakás.

A terceira é a terra Sararé, no Sudoeste de Mato Grosso, onde vivem os nambikwaras, um povo com uma história extraordinária e que enfrenta a invasão de garimpeiros desde o governo Bolsonaro. Em todos esses territórios ainda há forte presença de garimpeiros e existem apenas ações esporádicas de fiscalização e combate à estrutura do garimpo.

Violência e assassinatos continuam

Até o dia 5 de setembro, o governo e o Ministério da Justiça só assinaram a Portaria Declaratória (documento final que autoriza sua demarcação) de três Terras Indígenas. Nenhuma delas está envolvida na discussão sobre o Marco Temporal, uma medida absurda, inconstitucional, aprovada pelo Congresso, que só reconhece terras indígenas ocupadas antes da promulgação da Constituinte de 1988.

Enquanto isso, impera o fogo dos fazendeiros, o desmatamento e a invasão da garimpagem. Mas também explode a violência.

Em 2023, foram registrados 411 casos de violência contra indígenas, incluindo 208 assassinatos, o que representa um aumento de 15,5% em relação a 2022.

Os casos mais recentes foram contra dois Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. O kaiowá Neri Ramos da Silva foi assassinado no último dia 18, com um tiro, durante operação ilegal da Polícia Militar (PM) em conjunto com as milícias dos fazendeiros. Tudo leva crer que Neri foi alvejado por um atirador de elite da polícia. No dia 23, Fred Souza Garcete, Guarani Kaiowá de 15 anos, da Terra Indígena Nhanderu Marangatu, foi encontrado morto na Rodovia MS-384, no município de Antônio João (MS).

Luta

Derrotar o agronegócio, antes que transforme tudo em sangue e cinzas

A demora na demarcação das terras e a impunidade alimentam a violência. Isso ocorre também com os Tupinambá, do Sul da Bahia, que, há 15 anos, aguardam, ansiosamente, a assinatura da Portaria Declaratória que demarca o seu território.

Muitas de suas lideranças já foram assassinadas e este povo é constantemente ameaçado pelas investidas do agronegócio da região. É para lá que vai o Manto Tupinambá, que estava na Dinamarca desde 1689. A extraordinária peça, que mede 1,80 m de altura e é composta por milhares de penas de guarás, além de ser uma conexão entre os indígenas e seus ancestrais, é a maior prova da necessidade de devolver esses territórios aos seus verdadeiros guardiões.

É preciso demarcar imediatamente todas as terras indígenas, antes que o agronegócio transforme em cinzas todas as florestas, destrua os povos originários e não nos reste sequer o manto sagrado dos Tupinambás.

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