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sexta-feira, junho 28, 2024

Angola: O imperialismo e seus cumplices atacam. Os trabalhadores se defendem

A profunda crise do sistema capitalista, agravada pela paralisação da produção durante a epidemia da Covid-19, está produzindo a quebra de bancos e empresas. Os grandes capitalistas, para se defender, se utilizam de seus governos para impor nos países semicoloniais um aprofundamento dos laços de dependência econômica, política e militar.

Por: Cesar Neto

Países semicoloniais como Angola, entre outros, vivem um violento processo de decadência econômica e social. A pressão da dívida externa, a queda dos preços das matérias primas e a enorme distância tecnológica, destrói os países e começamos a ver, no caso específico de Angola, a insatisfação, a ira e as mobilizações das massas.

É um processo rico, que atualiza o programa de luta pela soberania nacional, pela defesa da vida das populações trabalhadoras (com ou sem emprego) e da juventude. E mais, coloca a imperiosa necessidade de lutar pela independência sindical e política dos trabalhadores e da juventude.

A crise econômica mundial do capitalismo e seus impactos em Angola

Em época de profunda crise econômica, os imperialistas de diferentes matizes buscam recuperar suas taxas de lucros através da uma gigantesca transferência de capitais para as metrópoles.

A intensificação da exploração dos trabalhadores industriais, comerciais e serviços adquire contornos impensáveis há uma década atrás. É constante a denúncia de violência física praticada contra trabalhadoras e trabalhadores por parte dos patrões.

A desvalorização das matérias primas exportadas é outro fator para a transferência de capitais. Combinado a isso há as privatizações, a desnacionalização e a falta de controle dos volumes exportados permitindo uma enorme rede de contrabandistas a serviço do grande capital.

A dívida externa, inicialmente herdada dos tempos da dominação portuguesa, vem crescendo assustadoramente através fundamentalmente do endividamento com a China e União Europeia.  

Petróleo e diamante: colonialismo, guerra e submissão após independência

Angola possui uma quantidade considerável de recursos naturais, em especial petróleo e diamante. Esses recursos já eram explorados nos tempos da dominação portuguesa. Após a independência, o petróleo e o diamante, “financiou a guerra de Angola, mas também moldou intimamente os contornos do conflito. O acesso do MPLA a receitas do petróleo e da UNITA aos diamantes podem ajudar a explicar a duração e natureza do conflito”[1]

As concessões feitas as empresas transnacionais por parte do MPLA e da UNITA podem ser exemplificadas com o caso do petróleo. “a intensa competição pelas concessões petrolíferas levou a que uma série de diferentes empresas procurassem obter favores junto a elite estatal do governo angolano através de doações de caridade duvidosas, negócios de armas e outras formas de assistência”[2].

Em 1977, Angola produzia 170 mil barris diários de petróleo. Em 2000, produzia 735 mil barris diários e em 2023, mesmo com a queda de 3,6% em relação ao ano anterior, a produção foi de 1,09 milhões de barris diários.

Essa grande evolução na produção petroleira após a independência em 1975, não serviu para construir um novo país, pois em 1999 quem de fato controlava a produção era:  Chevron (62%); Elf (22,9%); Texaco (11,1%); Total Fina (2,1%); Ranger (1,2%); Sonangol (0,6%) e Agip (0,1%). Ou seja, após a independência de Portugal, a produção cresceu, mas as empresas transnacionais seguiram controlado e usufruindo da renda petroleira.

O diamante segue a mesma lógica do petróleo. As grandes empresas como a De Beers (85% do capital pertence a Anglo American e 15% da Republica de Botswana), Catoca (41% do capital pertence a estatal Endiama, 41% a transnacional russa Alrosa e 18% a outros acionistas minoritários) e Sociedade Mineira de Luele, o principal acionista é a Catoca que é parte angolana e parte russa. Trocando em miúdos os lucros da extração de diamante em escala industrial é sugado pelas transnacionais americanas, inglesas e russas.

A outra forma de exploração diamantífera passa pela produção semi artesanal, com alto índice de violência contra as populações onde supostamente existe diamante, pela produção em regime de semi escravidão e o transporte e colocação no mercado através de máfias e suas milicias.

Diamantes de Sangue é o título de um importante estudo do jornalista angolano Rafael Marques que descreve esse processo.  Para esse autor após a independência o povo angolano vem sendo iludido primeiro com a promessa de um país mais justo e igualitário entre 1975 a 1991 período em que se afirmava que estavam construindo o Estado socialista; e posteriormente, de 1991 aos dias atuais a promessa da construção do desenvolvimento nacional. “A história da exploração de diamantes em Angola, desde 1912 até ao presente, tem sido marcada por atos de contínua violência variando apenas as motivações ideológicas que os justificam”[3]

A dívida externa escancara a relação de subordinação aos países imperialistas

A produção de diamantes no país vai de vento em popa. Angola já está no seleto grupo dos três maiores produtores mundiais de diamante. Foram produzidos pela ENDIAMA cerca de 9,8 milhões de quilates de diamantes em 2023 e arrecadado 1,5 mil milhões de dólares. A esses números temos que acrescentar a produção da De Beers (Anglo American) e a produção semi artesanal.

A produção petroleira em 2023 coloca o país como o segundo maior produtor de petróleo da África subsaariana. Um crescimento importante na medida que de 1978 a 2023 a produção diária de barris de petróleo saltou de 160.000 para 1.122.524 barris, ou seja, sete vezes maior.

Apesar desse enorme volume de petróleo e diamantes a dívida pública do país vem subindo assustadoramente. Em 2022 a relação dívida/pib era de 69%, um absurdo. Em 2023 essa mesma relação saltou para 87%, ou seja, um país ingovernável.

Para controlar essa assustadora dívida, por ordem do FMI, o governo reduziu os gastos de bens e serviços, isto é, reduziu gastos com educação e saúde, entre outros; implantou a primeira fase da reforma dos subsídios aos combustíveis em junho de 2023 e desvalorizou o Kwanza em 20%.

O Orçamento Geral do Estado para 2024 determinou redução em todos os rubros dos gastos, a educação, ensino superior, saúde, e a habitação e serviços comunitários receberão, em média, 1,24% a menos de investimentos do que em 2023. Enquanto isso a dívida pública que 2023 consumia 45%, em 2024 passará 59% ou seja, um aumento de 14%.

Os cortes no Orçamento Geral do Estado, provocou que a qualidade da saúde e educação foram parar nos níveis mais baixos, a desvalorização do Kwanza significou uma inflação no preço dos alimentos na ordem de 40% e a primeira fase da retirada dos subsídios praticamente dobrou o preço dos transportes.

Para o Banco Mundial: “A inflação dos gêneros alimentícios, combinada com o enfraquecimento do mercado de trabalho e a diminuição do crescimento per capita, sugere que a pobreza poderá aumentar para 36,1% em 2024, o que corresponde a quase 13,5 milhões de angolanos que vivem com menos de 2,15 dólares por dia”.

Essas medidas que provocaram o aumento da fome, da pobreza, da piora dos serviços de educação e saúde, não resolveu o problema da dívida, pois segundo o FMI, “Estas medidas de política resultaram num saldo orçamental primário global de -0,1% do PIB”

Como o impacto dos cortes no PIB foi muito pequeno e como já não tem onde cortar começam a falar na privatização da TAAG.[4] A Empresa Pública de Águas de Luanda (EPAL), a empresa de telefonia Movicel está também na mira dos privatizadores. As terras de Cabinda estão sendo entregues aos Emirados Árabes Unidos.

O atraso tecnológico e cientifico aumenta dependência econômica

Acima tratamos de explicar os mecanismos da sangria do petróleo e diamantes, que aliás pode ser acrescido de outros minerais como o ouro e de recursos naturais como as madeiras nativas. Além disso, do pouco que entra nos cofres públicos, acabam sendo gastos para pagamento dos juros e da dívida.

Angola destina apenas 1,23% do seu Orçamento Geral para o ensino superior. Sem dinheiro, as universidades se transformam em meros reprodutores de ciência e tecnologia dos países imperialistas. O país não investe na pesquisa cientifica e os médicos se vêm obrigados a receitar remédios produzidos pelas transnacionais, os engenheiros – lamentavelmente – se transformam em instaladores ou reparadores de equipamentos e instrumentos produzidos pelas transnacionais. A própria produção de alimentos seria intensiva caso houvesse pesquisa do tipo de semente que mais se adapta as condições angolanas.

Não há saída sem romper com imperialismo e o capitalismo

O problema da exploração mineral, da dívida externa e do atraso cientifico e tecnológico apontam que precisamos recuperar nossa soberania sobre os minerais e suspender o pagamento da dívida externa.  Precisamos dizer com todas as letras: os minerais são nossos. E colocar para fora as transnacionais, o FMI, Banco Mundial e os governantes cúmplices. Essa é uma imensa luta e que pouco a pouco vai ficando clara e mostrando sua necessidade. A burguesia, rapidamente, tenta desviar essa luta que se aproxima. Então, cuidado com as armadilhas que se mostram.

A primeira armadilha: A culpa é nossa. Somos corruptos! O problema da corrupção é realmente grave, mas muito mais grave é saber que, em 1999, por exemplo, que as transnacionais imperialistas ficavam com mais de 99% da exploração petroleira e a Sonangol com apenas 0,6% conforme descrevamos acima. A mesma coisa se dá na exploração dos diamantes. E como se não bastasse os bancos estrangeiros levam o muito pouco que entra no Tesouro Nacional


A segunda armadilha: a saída eleitoral: Temos visto como vários ditadores caíram nos últimos dois ou três anos na África.  Porém, a substituição desses governantes não tem servido para recuperar a soberania sobre os recursos nacionais e a suspensão do pagamento da dívida. A saída eleitoral cria a ilusão que com um novo governo tudo vai mudar. Na verdade, serve para anestesiar as lutas por mais alguns anos. Não é gratuito que o imperialismo americano esteja tão preocupado com as eleições no país. A declaração do Departamento de Estado Norte Americano mostra a importância que eles dão ao tentar desviar as lutas para o campo eleitoral como se lê a seguir: “Os Estados Unidos continuam a apoiar o compromisso de Angola com as reformas democráticas, incluindo a ampliação do papel da sociedade civil e das organizações religiosas em eleições democráticas livres e justas e na tomada de decisões locais. O Departamento de Estado forneceu US$ 7,8 milhões desde 2021 para apoiar essas metas”[5].

A terceira armadilha: os grupos políticos reformistas – O capitalismo em seu atual estágio superior, isto é, imperialista não deixa espaço para reformar o sistema capitalista. Mas, alguns reformistas até chegam a acusar o imperialismo, outros falam do passado colonial e ainda outros, um pouco mais avançadinhos, falam de um imperialismo contemporâneo. E até aí chegam. No entanto, não dizem quem são os imperialistas, quem são os seus agentes no interior do país e, mais, não mostram como lutar pela soberania dos recursos.

Os impactos da crise econômica mundial alteram o humor das massas e geral a greve geral e outras lutas

Há um processo de repudio a situação política e econômica do país. Várias lutas vêm acontecendo no país como as mobilizações em junho de 2023 contra o corte dos subsídios e o respectivo aumento aos combustíveis, as mobilizações dos demitidos da Sonangol, etc. Foram mobilizações muito fortes e inclusive com vários presos, pessoas feridas e mortos.

Há outras mobilizações, entre as quais dos trabalhadores do Ministério das Pescas e do Mar, dos trabalhadores da prestadora de serviços petroleiros Prezioso Angola, dos trabalhadores do Porto de Lobito, dos trabalhadores da Refinaria de Luanda, etc.

Houve greves atomizadas por setor, mas o grande salto foi a Greve Geral Unificada dos empregados públicos. Por diversas razões é muito difícil a construção de greves gerais. Então, precisamos saudar e incentivar esse momento de luta da classe trabalhadora angolana e saber que uma eventual terceira fase sofrerá todo tipo de pressão na medida em que o Governo, subserviente as imposições do FMI, Banco Mundial e bancos privados, reduz o Orçamento Geral do Estado e impõe ainda mais sacrifícios aos trabalhadores.

A Greve Geral Unificada não é uma greve corriqueira. É uma greve geral que ao lutar contra os salários que já eram baixos agora estão lutando contra os salários defasados por conta da inflação de alimentos. Portanto, essa greve é contra a política econômica do governo e interessa a todos os trabalhadores (empregados ou não), dos jovens e do povo pobre. É uma greve contra o Governo, contra o FMI e Banco Mundial e as transnacionais que roubam as matérias primas do país.

O papel da juventude nesse período de luta dos trabalhadores

Essa nova situação de revolta dos trabalhadores, precisa receber o mais amplo apoio da juventude e suas organizações. Depois de quase cinco décadas de governo autoritário e repressivo, é natural que os grevistas cometam erros por inexperiência ou por que ainda há dirigentes do movimento ligados ao governo. Cabe aos jovens, participar e apoiar todas as lutas que surjam.

É preciso que todas as organizações juvenis levem suas ideias, suas bandeiras e seu apoio aos grevistas. Só aqui construindo uma aliança entre os trabalhadores e os estudantes será possível suspender o pagamento da dívida externa, nacionalizar a exploração petroleira e mineira e acima de tudo dizer: basta de MPLA, por um governo dos trabalhadores, dos jovens e o povo pobre.

Todo apoio as greves. Viva a luta daqueles que ousam de fato enfrentar-se com o governo
Pela aliança dos trabalhadores, estudantes e povo pobre.
Abaixo a ditadura. Por um governo dos trabalhadores.

[1] Oil & War in Angola – Review of African Political Economy, Vol. 28, No. 90, (Dec., 2001), pp. 587-606 – www.jstor.org/stable/4006839

[2] idem

[3] MARQUES, Rafael. Diamantes de sangue: corrupção e tortura em Angola. Lisboa: Tinta-da-China, 2011, 230p

[4] Em Angola, TAAG passa por remodelação enquanto aguarda privatização – https://www.jeuneafrique.com/1512094/economie-entreprises/en-angola-la-taag-fait-peau-neuve-en-attendant-la-privatisation/

[5] Os Estados Unidos e Angola: Parceria para a Prosperidade – https://www.state.gov/the-united-states-and-angola-partnering-for-prosperity/

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