Equador: um narcoestado em anfetaminas
Publicamos este artigo da Revista Crisis de 03 de junho último. Crisis é uma revista digital que nasceu com o objetivo de apresentar uma nova referência de esquerda no Equador. Com esta publicação concretizamos uma colaboração entre os dois meios de comunicação, através do intercâmbio de artigos.
Daniel Noboa e Cia. – como deveria ser chamada a República das Bananas do Equador – continua a aprofundar a submissão ao imperialismo financeiro ianque. Em 31 de maio, paralelamente ao anúncio, no mesmo dia, da eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis – que coincidência! – o conselho do FMI deu sinal verde para o desembolso de mais US$ 4 bilhões ao Equador, por um período de 2 anos.
O Equador excedeu sua capacidade de endividamento regular em 2020, depois que Lenin Moreno contratou um pacote de dívida de US$ 6,5 bilhões, sob pretexto de reativação econômica e necessidade de assistência devido à pandemia. Atualmente, e por ocorrer em circunstâncias excepcionais – devido ao superendividamento -, três quartos da nova contratação de dívida serão utilizados para pagar a dívida anteriormente adquirida. Antes de Noboa, Guillermo Lasso tinha continuado com a contratação de dívida -a única constante na história econômica do país – com novos pacotes contratados: mais 700 milhões de dólares com o FMI em 2022 e 200 milhões de dólares com o CAF-Banco de Desenvolvimento da América Latina- em 2023.
A tão apregoada dívida e(x)terna, com a qual todos os governos no poder fazem malabarismos e se beneficiam, inclui agora a conquista de Noboa de aumentar o IVA de 12% para 15%, o que em termos de renda afeta principalmente a classe trabalhadora.
Isso pressupõe ser a terceira tentativa do empresariado de impor as reformas antipopulares que as instituições financeiras do imperialismo impõem às economias dependentes e periféricas. Nesse sentido, Noboa teria cumprido duas das condicionalidades centrais que foram impostas ao Equador: aumento do IVA e eliminação dos subsídios. Governos anteriores tentaram cumprir essas condicionalidades, que despertaram suas respectivas explosões sociais e populares em outubro de 2019 e junho de 2022. As condições atuais de organização popular, aliadas a um estado de depressão social – semelhante ao estado emocional que o povo vivenciou durante a pandemia – praticamente constituem um estado de indefesa que muito provavelmente impedirá uma mobilização popular massiva. Pelo menos por enquanto.
Atualmente, e graças ao círculo vicioso da dívida, o Equador ronda os 90 bilhões de dólares entre dívida externa pública – com instituições de crédito -, dívida privada – com possuidores privados de títulos do Estado, em sua maioria equatorianos/as com fortunas em paraísos fiscais – e dívida pública interna -em sua maioria com o IESS- Instituto Equatoriano de Seguridade Social -, o que equivale a mais de 75% do PIB. Em termos gerais, é inconstitucional que o Equador ultrapasse o limite imposto de 40% em relação ao PIB, ao mesmo tempo em que ultrapassou os mecanismos regulares de endividamento com o FMI. Isso significa que um calote a médio prazo é inevitável e o que se tenta atualmente é adiar ao máximo esse momento, continuar se aproveitando do desfalque do Estado e provocar uma crise autoinduzida que leva à privatização dos setores públicos.
Enquanto isso, Noboa pretende manter à tona um “projeto” de país que, segundo estimativas do próprio FMI, crescerá ridículos 0,1% em 2024. Ao contrário da cortina de fumaça que Noboa vende sob a ilusão de “geração de empregos”, as condições da classe trabalhadora nunca foram tão precárias. Enquanto o país afunda no desemprego, na precarização e na violência – da qual o grupo econômico ao qual o presidente pertence se beneficia diretamente –, Noboa se afunda em uma série de falácias insustentáveis. O aprofundamento da dívida externa simplesmente nos subjugará ainda mais à lógica do capitalismo decadente e terminal que busca sustentar o Norte global.
Como é evidente, o governo empresarial não vai gerar nenhum mecanismo para a cobrança das dívidas milionárias que sua classe tem com o SRI. Só o Grupo Noboa deve cerca de 100 milhões de dólares ao Estado. Na carta que Juan Carlos Vega – ministro das Finanças – enviou ao FMI, ele colocou entre os compromissos a eliminação gradual do imposto sobre a saída de moeda estrangeira, prejudicando consideravelmente a liquidez do país, além de facilitar a fuga de capitais do crime organizado e da crise empresarial – que são comumente os mesmos. Enquanto isso, o FMI dá tapinhas nas costas do presidente bananeiro pelo aumento de 3% do IVA- Imposto sobre Valor Agregado-, que recai principalmente sobre os ombros da classe trabalhadora.
Por outro lado, o governo do Equador também promete, em sua carta às organizações multilaterais, intensificar a exploração de petróleo. A visão lúmpen da burguesia nacional sustenta a sociedade equatoriana em permanente estado de miséria, perpetuando a lógica primário exportadora. É evidente que o presidente Noboa tem bons resultados exportando bananas e cocaína para todo o mundo, à custa do bem-estar do povo e da classe trabalhadora, que está cada vez mais precarizada e exposta a inúmeras expressões de violência sistêmica. No país sobra a violência e faltam comida, educação e trabalho.
Outra das promessas que os governos da época fizeram ao imperialismo financeiro é a famosa reforma trabalhista, medida sonhada pelo empresariado nacional. Os/as trabalhadores/as são atacados há mais de 10 anos com emendas, acordos, decretos e mandatos. Primeiro o direito à greve foi mutilado, depois foram criados novos regimes de contratação, retirando direitos do Código Trabalhista de milhões de trabalhadores/as. Durante a pandemia, a Lei de Apoio Humanitário permitiu demissões sem indenização e se generalizaram contratos ocasionais. Lasso tentou introduzir uma lei abrangente onde se cogitava uma reforma trabalhista brutal, que ele não conseguiu aprovar, embora vários pontos tenham sido resolvidos via Acordo Ministerial, como a flexibilização da jornada de trabalho. No período bananeiro, o governo tentou, sem sucesso, impor o trabalho por hora, e o ministro Núñez se referiu ao Código Trabalhista como “o livro gordo de Petete”.
Por outro lado, mas em relação ao ataque aos/às trabalhadores/as, nesta semana as empresas de comunicação puseram um interesse incomum no contrato coletivo da CNEL-Corporação Nacional de Eletricidade-, numa intensa campanha de desprestígio ao sindicalismo. Neste momento, o interesse central é privatizar todo o sistema de produção e distribuição de energia elétrica no país e, definitivamente, os/as trabalhadores/as organizados/as que gozam do direito à negociação coletiva, não convêm ao mercado. O projeto neoliberal exige a privatização de empresas estatais estratégicas, razão pela qual a burguesia no poder se dedica há anos a auto sabotá-las, os apagões são testemunho disso. Agora, depois de cumprirem a primeira missão no caminho da privatização, tentam desqualificar seus/suas trabalhadores/as e a organização sindical na opinião pública, para colocar o povo contra.
Passados 6 meses do governo de Noboa, o discurso da guerra ao terrorismo está em baixa. As pessoas não se sentem mais seguras, o que sentem é mais fome e medo. Embora os índices de violência tenham caído nos dois primeiros meses, o famoso Plano Fênix não conseguiu controlar a segurança interna. O que conseguiu foi precarizar ainda mais a vida dos PPLs- Pessoas Privadas de Liberdade- – embora pareça incrível – subjugou jovens de setores populares e atacou territórios de Povos e Nacionalidades, como é o caso de Palo Quemado e Las Pampas em Cotopaxi. Este governo, como seus antecessores, só soube distribuir o medo e a miséria, enquanto seus bolsos lacaios crescem.
Enquanto o país está em chamas, Daniel Noboa tenta vender a imagem de que apaga um incêndio florestal – causado por ele mesmo – com um único balde de água fria chamado FMI, pagando dívida com mais dívida, e assim por sucessivamente. Este é o verdadeiro significado de um círculo vicioso. Sabemos que, quando o navio afundar, a classe narcobananera escapará para seus tão aclamados paraísos fiscais, como ratos em um naufrágio. A República das Bananas, além de impor violência, crime organizado, precarização do emprego e êxodo em massa para os Estados Unidos, insiste em enfraquecer ainda mais o Equador. Somos um Narcoestado em anfetaminas.
Tradução: Lílian Enck