sáb set 07, 2024
sábado, setembro 7, 2024

É urgente a auto-organização dos trabalhadores e atingidos pelas enchentes

No jornal gaúcho Zero Hora desta segunda-feira, a jornalista Juliana Bublitz estabelece uma polêmica com a campanha que a ultradireita está realizando pelas redes sociais, desde o início deste mês, com o lema “civil salva civil” e “o povo pelo povo”. Campanha que tenta se apropriar fraudulentamente da gigantesca e massiva solidariedade voluntária da população, como se o grande empresariado negacionista e inimigo da natureza e do povo fosse herói, para defender a propriedade privada, o “Estado mínimo”, o neoliberalismo e continuar passando a boiada ambiental e privatista.

Por: PSTU/RS

De fato, a ultradireita se utiliza deste lema com o objetivo de questionar o Estado e os serviços públicos e suas instituições, e em contraponto, valorizam as ações da iniciativa privada e apresentam como alternativa um projeto autoritário, de ataque às liberdades democráticas. Precisamos então, sim, denunciar o papel nefasto desta ultradireita.

Porém, esta campanha surfa em algo que ocorreu na realidade, nos primeiros dias de resgate, e também agora. Os governos não garantiram helicópteros, botes, bombeiros para garantir a remoção da maioria das pessoas afetadas, nem a organização da gigantesca solidariedade, abrigos, comida, roupas, etc., para não dizer das falhas recorrentes das ações de prevenção e defesa civil. Expressão da privatização e precarização dos serviços públicos de prevenção e enfrentamento a desastres. Ainda hoje, passados 25 dias, regiões inteiras, como Humaitá, Vila Farrapos e Sarandi e Ilhas, permanecem debaixo d´água, sem luz e sem fornecimento de água.

A conclusão da articulista é : “vivemos um momento-limite em que o voluntariado já não aguenta mais”. Deixemos, a partir de agora, na mão do Estado. Leia-se: deixemos a condução nas mãos dos governos.

O que nós dizemos é que, se ficarmos reféns dos governos e das demais instituições do Estado, o povo vai continuar na lama. Quando dizemos o povo nos referimos, em especial, às principais vítimas desta enchente – que são os trabalhadores formais e informais, desempregados, desabrigados, desalojados e atingidos pela enchente de modo geral.

Por exemplo, o prefeito Sebastião Melo e o governador Eduardo Leite querem esvaziar, até o fim desta semana, os diversos abrigos que acolhem, ainda no dia de hoje, 56 mil pessoas. E querem transportá-las para cidades “provisórias”. Alegam que há redução do trabalho voluntário, que não se daria conta de atender tantos abrigos, que os voluntários precisam retornar aos seus empregos.

Os governos poderiam, tranquilamente, estabelecer um decreto que liberaria estas pessoas do expediente em suas empresas, a fim de garantir a prioridade no atendimento aos desabrigados. Tudo isto porque é mais fácil invisibilizar os desabrigados, se estiverem instalados em guetos de lona, ou os agora chamados “centros de transição”, na periferia das cidades. As cidades “provisórias”, que têm tudo para se transformarem em “permanentes”. Esta decisão não deveria ser submetida aos desabrigados? Não é o destino da vida deles que está sendo decidido?

O cadastro dos beneficiários a receber o auxilio-emergencial está sendo realizado pelas prefeituras, que indicará quem tem direito ou não aos benefícios. Os desabrigados/desalojados e atingidos pela enchente têm algum controle sobre isto? Aliás, como fica o sustento daqueles que, não morando em área alagada, precariamente trabalhavam em áreas alagadas, ganhando aí seu sustento diário? Por que não receberão auxílio também?

Por que as bombas da Sabesp não foram transportadas para drenar a água das regiões mais populosas do Sarandi e Humaitá e drenaram terrenos da Havan e Coca-Cola? Os moradores destas regiões foram consultados sobre isto? E as casas que o prefeito Melo decidiu demolir no Sarandi sem consultar e nem sequer avisar as famílias que lá habitavam?

E não estamos falando apenas nas questões mais emergenciais porque, como os próprios governos afirmam, o processo de reconstrução será longo, demorará anos. Onde as casas definitivas serão construídas? Com quais materiais? E a educação, Melo e Leite continuarão privatizando as escolas com ainda mais PPP’s mesmo depois de todo desastre que vivemos, fruto da precarização dos serviços públicos?

E a CEEE – que nos deixa no escuro dia-sim, dia-não – continuará na mão da Equatorial? A CEEE que foi mais uma vez responsável pelo desligamento de uma série de bombas sem nem avisar, co-responsável do alagamento? Por que Paulo Pimenta – Ministro da Reconstrução nomeado por Lula – não exige intervenção do Governo Federal junto à ANEEL, ordenando que esta casse o contrato de concessão à Equatorial?

Ou seja, é fundamental que cada bairro afetado, cada abrigo, se organize, realize reuniões ou assembleias, e discuta quais as suas necessidades e suas propostas para resolver todos estes problemas – da moradia, da água, da luz, do preço dos alimentos e do gás, da educação dos filhos, das linhas de ônibus, do Trensurb, e formas de luta e de unificação das mobilizações e da pauta e reivindicações dos atingidos.

Várias mobilizações começaram a pipocar espontaneamente e várias iniciativas, buscando unificação de processos de resistência, estão se gestando. Mas este processo não pode ou não deveria se limitar meramente a “fundar”, em uma reunião, uma “organização de atingidos” que reúna apenas uma parcela de ativistas do movimento popular, que se autointitule representantes dos atingidos pelas enchentes. Buscando, assim, aprisionar ou desinflar toda energia que moveu e está movendo voluntários e atingidos em uma mera organização sindical/popular – parlamentar; quando a realidade exige e possibilita tentar ir muito além.

Nós vivemos uma grande experiência de auto-organização, tanto nos resgates quanto na formação de uma série de abrigos. Também estamos vivendo, nestes dias, várias mobilizações de bloqueio de ruas e de estradas, particularmente na zona norte, para dar visibilidade a algumas destas necessidades. Vizinhos e pessoas que não se conheciam, passaram a se ajudar. Uma rede de solidariedade interna e externa.

Cozinha solidária atende atingidos pelas enchentes

Temos que partir destes contatos, destas experiências para organizarmos assembleias nos bairros e abrigos, se conectar com outros bairros, etc. Os sindicatos de trabalhadores e associações de moradores precisam se colocar a serviço desta auto-organização, estimulando-a, participando junto. Não se trata de horizontalismo nem ausência de organização; se trata, isso sim, de ampla organização pela base e muita democracia desde baixo para, verdadeiramente, unir, mobilizar e organizar os atingidos e os trabalhadores.

Cada assembleia precisa se conectar com as demais e definir quais são as opiniões da maioria, votar, definir, eleger diretamente em assembleias representantes, interlocutores etc., que verdadeiramente representem e sejam controlados por ampla organização e participação popular. E, acima de tudo, organizar a luta, pois somente com muita mobilização, demonstração de força, teremos condições de impor que a “reconstrução” atenda as reais necessidades das principais vítimas da catástrofe

Sim, Juliana Bublitz, nós não confiamos nas instituições desta democracia, que é dos ricos, cada vez mais restrita e teatral.

O poder precisa estar na força, solidariedade, mobilização, organização e na sabedoria da nossa classe – a classe trabalhadora, o povo pobre, explorado e dos oprimidos; para garantir desde o mais mínimo que é drenagem das águas, moradia e local de moradia, reparação, água, luz (reestatização sem indenização da CEE Equatorial, sob controle dos trabalhadores); educação, saúde, defesa da natureza e investimento em prevenção das enchentes. Do contrário, os grandes beneficiados serão os bilionários capitalistas de sempre, às custas da nossa exploração, da continuidade da devastação ambiental, das privatizações, do desmantelamento dos serviços públicos e aumento da exploração, com redução de salários, retirada de direitos, de missões e desemprego.

Querem desmobilizar os voluntários e os atingidos e deixar nas mãos dos governos, deputados e vereadores as decisões e o dinheiro.

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