qua jul 24, 2024
quarta-feira, julho 24, 2024

A verdadeira face de Daniel Noboa

Publicamos este artigo da Revista Crisis de 2 de abril último. “Crisis” é uma revista digital, que nasceu com o objetivo de apresentar uma nova referência de esquerda no Equador. Com esta publicação concretizamos a colaboração entre as duas mídias, através do intercâmbio de artigos.

A República Bananeira está em plena implementação. O manual de convencer o povo de que ele próprio é o inimigo interno, além de desviar a atenção pública para as causas e não as origens da problemática estrutural, parecem posicionar a dinastia bananeira como problema e antídoto do estado de violência autoinduzida no qual o Equador se encontra neste momento. Após uma diminuição relativa dos índices de violência no início do “Plano Fênix” e tantos títulos estrondosos que a classe capitalista inventa para justificar suas cortinas de fumaça, a problemática estrutural da violência nas mãos da burguesia, como também suas consequências, continuam sendo as mesmas. O deus mercado, faminto de cocaína e recursos primários- extrativos – assegura seus mercados de substâncias em forma de ouro puro e ouro em pó.

O Equador se tornou o primeiro exportador de cocaína a nível mundial, além de recrudescer a violência extrativista, ligada à exportação de ouro, prata, cobre, zinco e coltan. Embora os produtos não pareçam ter correspondência, seus destinos, mercados e lógicas que os entrelaçam na trama do capital transnacional, são os mesmos. O Equador serve de mercado barato de substâncias – extrativas em si mesmas – no varejo. Enquanto se exporta ouro em lingotes e em pó, os produtos prediletos de importância são as armas e a violência. O Equador se converteu – tão somente em poucos anos – em centro de pulsação dos mercados de morte do capitalismo.

Em meio à trama transnacional e ao alarido mediático que a burguesia local deu para a declaração de Conflito Armado Interno, nem a militarização nem o toque de recolher de cerca de três meses, parecem parar a violência ou o negócio ilícito. As bananeiras continuam exportando seu produto predileto – ouro branco – imiscuído em seus carregamentos regulares de banana, e somente no feriado da Semana Santa, foram registrados cerca de 140 mortes violentas – em um lapso de três dias.

Ao retornar do feriado de Páscoa, a violência explode de forma cotidiana, generalizada e estrutural, indiferente ao alarde das autoridades burguesas.  Vivemos um feriado com massacres abundantes – três em Guayas, dois em Manabí -, um aumento em mortes violentas, sequestros e assassinos de aluguel.  O Equador representa o país com mais mortes violentas em todo o continente – cerca de 40 mortes para cada 100.000 habitantes em 2023-, o que é aproveitado pelas classes dominantes e parasitárias para impor uma cortina de fumaça diante da imposição neoliberal. Assim, neste 1 de abril entrou em vigor o aumento de 15% do IVA- Imposto sobre Valor Agregado-, além de um aumento nos preços dos combustíveis, como o diesel, a gasolina extra e ecopaís, assim como o gás liquefeito de uso doméstico. Aumentos que contentam unicamente os bolsos do FMI.

Adicionalmente, nos seis meses seguintes, será implementada uma política progressiva de choque econômico, focada em eliminar completamente os subsídios aos combustíveis. Assim, em um período de seis meses, a gasolina extra passaria a $3 e o diesel a $2.40. Paralelamente, a burguesia espera “amortecer” o choque de preços dos alimentos, inundando o mercado equatoriano com produtos – subsidiados – da China. O TLC -Tratado de Livre Comércio – com a China entrará em vigor em 1 de maio, dando um tiro de misericórdia na classe trabalhadora do campo. Ao mesmo tempo, mediante a consulta e referendo de 21 de abril, o Estado tentará baratear o custo do trabalho para a classe capitalista, liberando as contribuições ao seguro social e aposentadorias/pensões públicas. A burguesia está orquestrando um golpe nevrálgico contra a classe trabalhadora.

O endividamento externo não parece dar respiro no Equador. Em somente 4 meses depois assumir a presidência, Noboa anunciou um endividamento adicional do Estado equatoriano em 3 bilhões extra, situando a dívida externa – pública como privada – em torno de USD 88 bilhões, ou quase 90% do Produto Interno Bruto do Equador. Sem dúvida que os interesses de Noboa como de toda sua classe parasitária, são converter o Estado em uma entidade em quebra, provocando um default ou uma situação de não pagamento em poucos anos.

O estado de exceção foi renovado por 30 dias em 7 de março passado, o que significa que em 7 de abril culminarão os primeiros 90 dias da execução real do Plano Fênix em território nacional. Junto com a declaração do estado de exceção, Noboa decretou também o reconhecimento do Conflito Armado Interno – CAI-, mesmo que tentou – e conseguiu por um breve período de tempo – enganar a população sobre as verdadeiras razões por trás desta declaração. Uma distorção da realidade, cuidadosamente orquestrada a partir do Estado, e sustentada pelas corporações de comunicação, conseguiram gerar um estado de pânico coletivo, que rapidamente passou a ser um choque.  Os altos níveis de criminalidade, junto com o abandono estatal e o aprofundamento do neoliberalismo, geraram o campo perfeito para impor um estado de choque pela força. Mesmo que – por um breve período de tempo – justificasse a militarização dos espaços públicos, a brutalidade policial/militar e a criminalização da pobreza.

As cenas de militares e policiais executando castigos desproporcionais e humilhantes, a perseguição a jovens racializados de setores populares viralizaram nos primeiros dias da declaração do CAI, assim como os discursos facistoides que o justificavam ou inclusive promoviam. Pouco a pouco, o discurso da luta contra o crime organizado foi se diluindo, demonstrando a realidade: 1.o Estado e suas instituições estão permeadas pelo crime organizado; e 2. A intenção do estado de exceção e declaração do CAI escondem por trás de si, uma guerra implacável contra a organização popular.  90 dias depois do estado de exceção decretado e CAI, não só não foram reduzidos os números de criminalidade, mas os homicídios, os sequestros e extorsões aumentaram, a situação das prisões é cada vez pior com várias PPLs- Pessoas Privadas de Liberdade – desaparecidas dentro dos centros penitenciários e com zero acesso a direitos e contato com suas famílias.   O que se sustentou foi a criminalização e a perseguição às pessoas pobres e organizadas.

A semana passada terminou com uma arremetida estatal de mais de 15 dias contra camponeses/as e povo indígenas em Palo Quemado e Las Pampas em Cotopaxi, que, além de deixar pelo menos três companheiros em estado grave com prognóstico reservado, dezenas de outros gravemente feridos/as, várias crianças traumatizadas e pelo menos 70 pessoas criminalizadas sob a figura de terrorismo; ajudou a demonstrar a verdadeira funcionalidade das Forças Armadas no controle interno, e da Polícia em total impunidade. Em Palo Quemado e Las Pampas, os aparatos repressivos demonstraram de fato a quem são servis: a empresa privada e os interesses da burguesia no poder. Da mesma forma, ficou demonstrada a impunidade da qual gozam os aparatos repressivos na capital, com uma repressão desproporcional no plantão em solidariedade com ambas paróquias na cidade de Quito, em 28 de março passado. Até onde se sabe, não existe nenhuma ação disciplinar ou sanção sobre nenhum agente da ordem pela brutalidade aplicada em Palo Quemado e Las Pampas, só impunidade.

A escalada de violência não deve ser lida só a partir dos índices de criminalidade, mas também a partir da permissividade que as forças da ordem têm agora para exercer violência e brutalidade contra o povo e a classe trabalhadora. Nos últimos 90 dias, o governo bananeiro não conseguiu – nem tentou – combater o crime organizado fora e dentro do Estado, pelo contrário, reforçou com mais poder e impunidade, as duas instituições mais permeadas pelo narcotráfico: a Polícia Nacional e o Exército. Ao mesmo tempo, iniciam os confrontos com líderes populares como Leonidas Iza, em um exercício de poder evidentemente autoritário por parte de Noboa, que atua na presidência exatamente como o que é: um menino rico com traços de mafioso e birras incontroláveis.

É precisamente neste contexto que se inicia a campanha pela consulta popular e referendo, onde são propostas 11 perguntas divididas em blocos, que, por um lado, tentam institucionalizar e perpetuar a presença de militares no controle interno, e portanto, os abusos e violações sistemáticas aos direitos humanos e coletivos. Por outro lado, tenta também radicalizar a exploração da classe trabalhadora, com a pergunta sobre o trabalho por horas, que definitivamente aprofunda a precarização na qual a classe trabalhadora já vive. O último eixo legal, em troca tenta impor uma forma de exercer o Direito no qual pouco a pouco se vão perdendo garantias em sua execução, retirando mecanismos de ação legais à organização popular e aos movimentos sociais, ao retirar poder à Corte Constitucional. Ou seja, é uma consulta e referendo focados inequivocadamente em reestruturar a vida social de todos e todas, impondo a militarização, a superexploração do trabalho e afastar ainda mais o pouco Direito a que temos acesso como povo.

Após três meses da encenação teatral de um autoatentado provocado pela própria classe exploradora no país, são revelados os verdadeiros interesses de Noboa no poder: apertar a classe trabalhadora, enquanto se militariza e persegue aqueles que resistem ou se organizam. Daniel Noboa leva o projeto de exploração burguesa a um novo nível, aprofundando uma liberação econômica e comercial agressiva, enquanto precariza os direitos coletivos, trabalhistas e territoriais, tudo para acrescentar a acumulação do grande capital. Em 21 de abril vote tudo NÃO.

Revista Crisis. 2 de abril de 2024. https://www.revistacrisis.com/editorial/la-verdadera-cara-de-daniel-noboa?fbclid=IwAR3wIDDULvdGgtSgjO94mE9gUQNoUKtFGECOLtffshSTJz8g76wVka3utsI_aem_ATa3xn_QEj-dFUemVV4Oig8mkB-B9PjTUEZZ2aCD1rEl2cgc3avlcc4bYf9I6uooj1I

Tradução: Lílian Enck

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