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sexta-feira, maio 17, 2024

Não existem portões rosas ou lilases nos muros do apartheid israelense

Frequentemente, Israel é apresentada como a única democracia do Oriente Médio. Um regime parlamentar pluripartidário com a correspondente separação de poderes e eleições periódicas abertas e democráticas. Onde as instituições do regime funcionam adequadamente e o devido processo legal é respeitado e seus cidadãos gozam de liberdades civis, total igualdade de direitos, e participam plena e soberanamente da vida social. Um verdadeiro oásis democrático em meio a um deserto ditatorial, cercado de regimes autoritários por todos os lados. Um sopro de esperança aos povos oprimidos da região. Nada mais falso!

Por: Érika Andreassy

A ideia de liberdade e igualdade de todos os cidadãos de Israel, vendida pelo regime sionista e seus apoiadores, especialmente os governos e regimes dos países imperialistas ocidentais, é uma grande mentira. Israel não é, nem de longe, uma democracia igualitária como quer fazer crer, mas um regime racista e segregacionista, que ataca especialmente as mulheres – como já demonstramos no artigo Mulheres palestinas, sua luta não nos é indiferente –.

Em primeiro lugar, Israel se define como Estado-nação laico, mas não há nenhuma separação entre religião e política. A lei do retorno de 1950, por exemplo, estabelece como critério do “direito de retorno” a definição religiosa ortodoxa de” judeu” (ter nascido de mãe judia). Ao mesmo tempo, toda pessoa que possui o direito de retorno adquire automaticamente cidadania israelense em virtude da lei sobre cidadania, de 1952. A lei dos tribunais rabínicos, de 1953, por outro lado, decreta que o casamento e o divórcio de judeus/judias deve necessariamente ser conformes à lei judaica, o que exclui a hipótese de casamento misto no solo israelense (o que é proibido pela lei judaica).

Convém lembrar que, ao longo de toda a história do movimento sionista e do Estado de Israel, com exceção de alguns grupos de oposição marginais, o vínculo entre o Estado e a tradição religiosa raramente foi questionado. A grande maioria dos judeus e judias israelense reivindica o apego de Israel à cultura, aos símbolos, ao povo judeu, e inclusive à religião judaica, apesar do Estado definir-se como laico.

Nem livres, nem iguais perante a lei

A associação entre cidadania israelense e judaicidade não só favorece explicitamente a imigração judia, mas sacramenta (através da legislação) a desigualdade entre judeus e não judeus. De fato, desde 1948, o Estado de Israel já adotou e produziu mais de 60 leis, conferindo caráter jurídico ao tratamento diferenciado e excludente aos não judeus. Em 2018 foi aprovada uma lei com status constitucional afirmando Israel como o “estado-nação do povo judeu”, declarando que dentro desse território, o direito à autodeterminação “é exclusivo do povo judeu” e estabelecendo os assentamentos judaicos “como valor nacional”.

Em especial os palestinos, são discriminados e tratados como inimigo interno. Essa discriminação institucional inclui desde orçamentos que alocam apenas uma fração dos recursos para instituições que prestam serviços aos palestinos-israelenses; como as escolas que frequentam as crianças palestinas em comparação com aquelas onde as crianças judias estudam; até leis, como a Lei da Reunificação Familiar, que impede os palestinos de Israel de aí viverem com os seus cônjuges provenientes dos territórios ocupados da Cisjordânia ou Gaza, embora o restante dos cidadãos tenham direito de viverem no país com cônjuges estrangeiros.

A política colonialista inclui, ainda, a revogação de cartões de identificação e autorizações de residência, permitindo que as autoridades das cidades israelenses excluam efetivamente os palestinos desses territórios, sendo que aquelas e aqueles palestinos que os tem retirados, são proibidos de viverem nos lugares em que nasceram e/ou tem laços, tornando-se refugiados permanentes.

Vale lembrar que existem cerca de 6,8 milhões de judeus israelenses e 6,8 milhões de palestinos hoje na área que vai do Mar Mediterrâneo ao Rio Jordão, abrangendo o Estado de Israel e o Território Palestino Ocupado (TPO) – composto pela Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental –. Na maior parte desta área, Israel é o único poder governante; no restante, exerce autoridade conjuntamente com o autogoverno palestino, que é totalmente limitado, já que o governo israelense é quem mantém o controle sobre as fronteiras, o espaço aéreo, o movimento de bens e pessoas, a segurança e o registo de toda a população, o que por sua vez dita questões legais, status e elegibilidade para coisas, como tirar documento de identidade e/ou trabalhar.

O regime de repressão nos TPO, abarca a imposição de um regime militar draconiano aos palestinos, ao mesmo tempo que assegura plenos direitos a israelenses judeus vivendo de maneira segregada. Nos últimos 55 anos, as autoridades israelenses facilitaram a transferência de judeus para esses territórios e concederam-lhes um status superior perante a lei, no que diz respeito aos direitos civis, acesso à terra e liberdade de mover, construir e conferir direitos de residência a parentes próximos. Nestas áreas e na maioria dos aspectos da vida, as autoridades israelenses privilegiam metodicamente os judeus e discriminam os palestinos, o que equivale a uma situação de verdadeiro apartheid social.

Como denuncia a Human Rights Watch, organização internacional, não governamental de direitos humanos, no relatório Um limiar ultrapassado. Autoridades israelenses e os crimes de apartheid e perseguição: “As leis, as políticas e as declarações dos principais responsáveis ​​israelenses deixam nítido que o objetivo de manter o controle judaico-israelense sobre a demografia, o poder político e a terra há muito orienta a política governamental. Na perseguição deste objetivo, as autoridades desapropriaram, confinaram, separaram à força e subjugaram os palestinos em virtude da sua identidade, em vários graus de intensidade. Em certas áreas, conforme descrito neste relatório, estas privações são tão graves que equivalem aos crimes contra a humanidade de apartheid e de perseguição.”

Com relação às tais “eleições livres e democráticas”, existem por todo o território de Israel, milhares de palestinos e palestinas cujo direito de voto é severamente restringido. Nos seus lugares de residência não existem locais de votação (ao contrário do que acontece nos colonatos ilegais dos territórios ocupados da Cisjordânia, em que são disponibilizados aos colonos judeus locais para votarem). Também os palestinos de Jerusalém Oriental veem o direito de voto restringido. Embora formalmente se encontrem abrangidos pelo direito israelense, após a anexação (ilegal) da cidade por Israel, em 1980, não lhes é assegurado o direito de voto por não serem cidadãos de pleno direito do Estado (tal como os 20 000 sírios que vivem nas Colinas de Golã ocupadas).

Um discurso hipócrita e mentiroso

Já a campanha que Israel faz de se apresentar como um país LGBTI-friendly e como exemplo de igualdade de gênero (devido, entre outras coisas, à presença de mulheres nas Forças Armadas israelenses), é uma grande hipocrisia. O mito de LGBTIs palestinas e mulheres empoderadas encontrando um “refúgio” em cidades israelenses não corresponde às políticas coloniais do Estado de Israel, embasadas na exclusão e destruição de palestinos, sejam eles ou elas, mulheres, homens, gays, heteros, trans ou sis.

Ao promover o Estado de Israel usando os direitos femininos, gays e trans, o que o governo israelense e seus apoiadores tentam fazer é desviar a atenção dos setores oprimidos da classe trabalhadora do mundo todo da opressão que praticam contra o povo palestino em Israel e nos territórios ocupados. A presença de mulheres e a inclusão aberta de oficiais gays no exército de ocupação israelense, é frequentemente usado como prova de liberdade e igualdade, mas para os palestinos e palestinas que vivem sob a opressão do Estado sionista de Israel, o gênero ou orientação sexual dos soldados nos checkpoints dos TPO ou que fazem a segurança nas prisões israelenses, tem pouca diferença. Todos vestem os mesmos uniformes, carregam as mesmas armas e mantêm o mesmo regime de apartheid e limpeza étnica promovida por Israel.

Para validar sua posição como um país livre, igual e democrático o governo israelense e seus apoiadores também reforçam discursos (e atos) racistas, islamofóbicos e anti-árabe, já que a promoção de uma Israel LBGTI-friendly e exemplo de igualdade de gênero tem sua contrapartida na representação dos palestinos, árabes e muçulmanos (como se palestino, árabe e muçulmano fossem, aliás, sinônimos), como seu exato oposto: um povo culturalmente atrasado, sexualmente regressivos e regidos por rígidas leis patriarcais. Esses estereótipos, além de buscar deslegitimar as lutas e a resistência palestina, e ratificar a ocupação sionista, ajudam a reforçam a própria opressão e discriminação sobre os povos palestinos, árabes e muçulmanos.

De todos os modos, a situação das mulheres judias em Israel por si só já seria suficiente para demonstrar a farsa do discurso de Israel sobre a igualdade de gênero e LGBTIs. Devido ao domínio das leis religiosas sobre o direito da família, a igualdade social das mulheres judia é bastante ilusória. Essa subordinação dos direitos femininos aos valores religiosos fica nítido quando se observa a lei sobre a igualdade das mulheres, de 1951, que estipula que ela não se aplica ao matrimônio e ao divórcio, ou à Lei Fundamental atual (o equivalente à nossa constituição, já que o Estado de Israel não possui uma constituição completa), que isenta as leis existentes de uma revisão jurídica (o que permitiria que os direitos individuais das mulheres pudessem ser devidamente assegurados em detrimento das questões religiosas).

Aliás, a respeito do casamento e do divórcio, a divisão das competências entre jurisdições cíveis e religiosas tem uma incidência negativa muito mais forte para as judias (devido a autoridade exclusiva dos tribunais rabínicos, constituídos exclusivamente de homens e inteiramente submissos a uma leitura ortodoxa da lei religiosa), que para as muçulmanas – o que não significa que estas também não enfrentem dificuldades nesse terreno. Todo judeu/judia de Israel, seja ele ou ela religiosa ou laica, só pode se casar ou divorciar perante estes tribunais rabinicos. Já as questões ligadas ao divórcio – da guarda das crianças à repartição dos bens – estão sob a jurisdição concorrente dos tribunais civis (da família) e dos tribunais religiosos. 

Mas como registrar uma queixa perante um deles proíbe que o caso seja tratado pelo outro e uma vez que os tribunais rabínicos se guiam pela lei judaica, aplicando as regras de procedimento religioso e ignorando quase sempre o direito civil, as sentenças que formulam são quase sempre favoráveis ao homem (apesar dos recursos aos tribunais civis em geral favorecem mais a mulher).

Nem o direito de professar sua fé religiosa sem serem incomodadas, as mulheres judias têm. Apesar de desde 2013, a justiça israelense ter dado ganho de causa ao movimento feminista religioso Mulheres do Muro; que luta pelo direito das mulheres de rezarem (!) no Muro das Lamentações (local sagrado do judaísmo) usando lenços e lendo a Torá em voz alta; afirmando que orações em voz alta não perturbam a ordem pública, elas são constantemente xingadas e ameaçadas.

Como pode-se ver, a fantasia do LGBTI-friendly ou do campeão da igualdade de gênero, além de hipócrita, é mentirosa. E mais, não resiste um milímetro sequer quando a situação colonial é revelada. Se você um dia chegou a acreditar nisso, esqueça. Não existem portões rosas nem lilases nos muros do apartheid de Israel!

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