65 anos da revolução cubana

Em 2024 completa-se 65 anos da grande revolução que mudou a realidade da América Latina. Entre 1 e 8 de janeiro foi concretizada a vitória dessa grande epopeia. Há 65 anos que a revolução socialista começou a falar em espanhol.
Por: Alicia Sagra
Cuba foi uma das últimas colônias que se libertou do império espanhol, no final do século XIX, em 1898. O poeta José Martí (autor da conhecida melodia Guantanamera) foi um dos líderes que morreu combatendo pela independência.
Naquela época, os EUA já estavam em seu período de luta pela hegemonia política e econômica da região, essa é a explicação para seu apoio, inclusive militar, à Cuba em sua luta contra o império espanhol.
Assim Cuba torna-se independente da Espanha, para passar a ser uma colônia ianque no século XX. A Ilha vinha sofrendo as consequências de regimes muito corruptos e isso dá um salto com o golpe de Batista em 1952. Fulgencio Batista que liderou um governo populista[1] em 1940, volta a concorrer às eleições nas quais é derrotado, diante do que dá um golpe de estado.
De volta ao poder, Batista suspende a Constituição de 1940, revoga a maioria das liberdades políticas, incluindo o direito à greve e restabelece a pena de morte. Concede a si próprio um salário astronômico[2] e seu governo é rapidamente reconhecido pelos EUA. Aliado aos mais ricos latifundiários donos das maiores plantações de açúcar, impõe uma economia baseada na monocultura, nos negócios com a máfia norte-americana (através das drogas, jogos de azar, prostituição) e na relação com multinacionais, com sede nos EUA, às quais são atribuídos contratos lucrativos.
Cuba se transforma em um grande prostíbulo, dedicado centralmente aos fuzileiros navais norte-americanos. Tudo isto é garantido com um regime altamente repressivo como não se via desde a guerra da independência. A consequência é uma situação de extrema miséria e opressão.
Batista não só atacava os trabalhadores e os pobres da cidade e do campo, mas também enfrentava grande parte da burguesia cubana que se opunha à desmedida corrupção que afetava seus interesses econômicos.
Na juventude do Partido Ortodoxo, que representava a burguesia liberal, militava um jovem advogado, Fidel Castro Rus, que começou a organizar os jovens, como parte de um crescente movimento de resistência à ditadura.
Os antecedentes da revolução.
Em 26 de julho de 1953, ocorre a primeira ação do grupo de Fidel Castro. O objetivo era aproveitar a presença de visitantes em toda a ilha que vinham para o carnaval de Santiago de Cuba, para tomar simultaneamente o quartel Moncada dessa cidade e o da pequena cidade vizinha de Bayamo. Pretendia-se entrar no arsenal e tomar a maior quantidade de armas para sustentar um levante popular.
Essa ação foi completamente derrotada, com a maior parte de seus participantes mortos e o restante, presos. Fidel Castro é julgado e condenado a 15 anos de prisão. No julgamento, assume sua própria defesa e pronuncia seu famoso argumento final conhecido como “a história me absolverá”. Esse argumento que reivindica o direito à rebelião, proclamando a justa defesa diante da ilegalidade do governo golpista, é amplamente difundido e lhe cria um grande prestígio entre os que querem derrubar a ditadura, especialmente entre os jovens das cidades.
Após 2 anos é libertado e se dirige ao México, onde organiza um movimento que denomina 26 de Julho. O programa desse movimento estava centrado na luta pelas liberdades democráticas e se propunha a invadir a Ilha para derrubar Batista e impor um governo democrático. Não tinha nenhuma proposta contra a burguesia ou o imperialismo.
A esse movimento integra-se um jovem médico argentino, que depois será conhecido como Ernesto “Che” Guevara.
O início da revolução
O Movimento 26 de Julho tinha planejado o desembarque nas praias do sul de Cuba em 30 de novembro de 1956, e combinado uma revolta popular em Santiago de Cuba para distrair as forças de repressão, objetivo que não pôde ser cumprido.
A revolta popular ocorreu, mas não o desembarque. Os revolucionários conseguiram comprar um velho barco o “Granma” construído para transportar no máximo 20 pessoas e eles eram 81, com essa embarcação em mau estado, tiveram que enfrentar um mar tempestuoso, e só conseguiram chegar em 2 de dezembro. Quando chegaram, caíram em uma emboscada e dos 81 sobreviveram apenas 12 que buscaram refúgio nas montanhas de Sierra Maestra.
A guerrilha rural derrota o exército
Em Sierra Maestra começa o recrutamento e treinamento de camponeses originando um exército guerrilheiro. Aplicam a tática militar guerrilheira, grupos pequenos que se movem permanentemente para enfrentar um inimigo militarmente superior. Esse exército tem uma rígida hierarquia e disciplina militar e a direção indiscutível de Fidel Castro, que se apoia em vários comandantes, entre os quais se destacam Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara que, como ele próprio explica, depois do desembarque do Granma, abandonou a maleta de médico e pegou o fuzil.
Durante dois anos se desenvolve uma luta guerrilheira no campo. Nesse processo, vão libertando territórios onde as terras são ocupadas, criam-se governos revolucionários, escolas e atendimento médico.
Assim, vão ganhando apoio popular. Da Sierra Maestra, Fidel Castro dita leis, a mais importante a da reforma agrária, denuncia a farsa eleitoral que o governo prepara e elabora políticas para diferentes setores da burguesia. Tem grande repercussão o Manifesto de Sierra Maestra de 12 de junho de 1957 onde se coloca:
“(…) Unir é a única coisa patriótica nesta hora. Unir é o que têm em comum todos os setores políticos, revolucionários e sociais que combatem a ditadura. E o que têm em comum todos os partidos políticos de oposição, os setores revolucionários e as instituições cívicas? O desejo de acabar com o regime de força, às violações aos direitos individuais, aos crimes infames e buscar a paz que todos desejamos pelo único caminho possível que é a orientação democrática e constitucional do país.
Nós, os rebeldes da Sierra Maestra não queremos eleições livres, um regime democrático, um governo constitucional?
Porque nos privaram desses direitos lutamos desde 10 de março. (…) Para demonstrá-lo, aí estão nossos combatentes mortos na serra e nossos companheiros assassinados nas ruas ou presos nas masmorras das prisões; lutando por um magnífico ideal de uma Cuba livre, democrática e justa. O que não fazemos é concordar com a mentira, a farsa e o conchavo.
Queremos eleições, mas com uma condição: eleições verdadeiramente livres, democráticas, imparciais (…) Com esse fim propomos:
– Formação de uma frente cívico-revolucionária com uma estratégia comum de luta.
– Designar desde já uma figura chamada a presidir o governo provisório, cuja eleição a título de desinteresse por parte dos líderes oposicionistas e de imparcialidade por quem for indicado, ficará a cargo do conjunto de instituições cívicas (…)
– Declarar que a frente cívico-revolucionário não invoca nem aceita qualquer mediação ou intervenção de outra nação nos assuntos internos de Cuba. Que, em contrapartida, respalda as denúncias que os emigrados cubanos fizeram ante os organismos internacionais por violação dos direitos humanos e pede ao governo dos Estados Unidos que, enquanto persistir o atual regime de terror e ditadura, suspenda todo envio de armas à Cuba (…)
– Declarar sob formal promessa que o governo provisório realizará eleições gerais para todos os cargos do Estado, das províncias e dos municípios ao término de um ano sob as normas da Constituição de 40 e do Código Eleitoral de 43 e entregará o poder imediatamente ao candidato que for eleito. (…)”
Durante esses dois anos de combates militares e propostas políticas, vai ocorrendo um processo de desmoralização no exército de Batista e uma parte importante dos seus soldados passam para o exército rebelde. Finalmente, em 1 de janeiro de 1959 Batista foge do país. Fidel chama a greve geral revolucionária que é acatada em todo o país. Os diferentes regimentos revolucionários vão chegando a Havana e, finalmente, em 8 de janeiro acontece a entrada triunfal do comandante-em-chefe Fidel Castro, com o que se completa a tomada do poder.
Cumprindo com o prometido no Manifesto da Sierra, o poder é entregue a um governo provisório, presidido por um juiz, membro de uma das principais famílias burguesas cubanas e homem de confiança do imperialismo ianque, Manuel Urrutia. Em nome desse governo provisório, Fidel viaja aos EUA em busca de um acordo econômico com melhores condições para Cuba.
A revolução democrática se transforma em socialista.
Fidel Castro é muito bem recebido pelo Partido Democrata que o exibe como um herói, em um carro aberto pelas ruas de Nova York. Mas sua missão fracassa porque a administração republicana não aceita nenhuma das suas propostas de mudanças nas relações econômicas. O governo norte-americano queria uma garantia total de que o novo governo respeitaria de forma absoluta suas propriedades e seu domínio sobre a Ilha.
Ao não conseguirem uma submissão total, os EUA começam uma série de sabotagens e ataques contra Cuba. Fidel e seu exército são obrigados a se defender. Diante das vacilações de Urrutia, tiram-no do governo, que é assumido diretamente por Fidel Castro.
Estes ataques do imperialismo e a pressão do movimento de massas, obrigam a direção cubana a ir além do seu próprio programa e avançar na ruptura com a burguesia e o imperialismo.
Essa foi a explicação que nossa corrente sempre deu do motivo pelo qual Castro chegou a expropriar a burguesia, embora esse não fosse seu programa. Nahuel Moreno afirmava que em Cuba ocorreu a variante pouco provável que Trotsky propôs no Programa de Transição de que, em situações muito especiais, correntes pequeno-burguesas, inclusive estalinistas, podem ir além de seu programa.
Sempre fomos muito atacados pelas organizações castristas e guevaristas que defendiam que Castro e Che sempre defenderam a revolução socialista.
Entretanto, nossa interpretação, é confirmada pela própria direção cubana. Em seu livro Che- O caminho do fogo, Orlado Borrego[3] explica:
A nacionalização: novas armas
Em 13 de outubro de 1960 e em resposta às novas agressões norte-americanas, o Governo Revolucionário respondia com novas medidas. Com a Lei 890 daquele ano eram nacionalizadas as empresas industriais e comerciais, incluindo os engenhos de açúcar, que passariam a ser dirigidas pelo Departamento de Industrialização. O acordo do Conselho de Ministros sobre a nacionalização foi obtido nas primeiras horas da madrugada. Che ligou do Palácio Presidencial instruindo-me, em nome do Primeiro Ministro, para que buscasse os administradores necessários que deveriam se encarregar das indústrias no dia seguinte. Essa foi a ordem e devia ser cumprida sem a menor hesitação (…). Se tivesse esperado conservadoramente ter administradores profissionais para ocupar as indústrias, ninguém poderia prever qual teria sido a reação dos norte-americanos, que sem dúvida, foram surpreendidos pelas medidas revolucionárias aplicadas em resposta às suas agressões (…)
Algumas dessas agressões e medidas de resposta:
Em março de 1959, a CIA explode um navio que levava armas para Cuba matando 70 trabalhadores. Operários armados desfilam pelas ruas de Havana. Em junho de 1960, o governo intervém na empresa petroleira Texaco.
Em julho, o governo norte-americano reduz a cota de compra de açúcar cubano. A URSS oferece-se para comprar o açúcar que os norte-americanos rejeitam. Em setembro os bancos estadunidenses são nacionalizados.
Em janeiro de 1961, são rompidas as relações norte-americanas e cubanas. Sob o governo de Kennedy, os ianques promovem sabotagens na indústria cubana. Em abril, se inicia a invasão da Baía dos Porcos pelos exilados cubanos em Miami (gusanos) apoiada pela CIA. A invasão é totalmente derrotada.
Em janeiro de 1962, por proposta dos EUA, Cuba é excluída da OEA. Em fevereiro, Fidel responde com a Segunda Declaração de Havana na qual, pela primeira vez, define a revolução como socialista.
Finalmente, em dezembro de 1962, ocorre a expropriação da burguesia. A burguesia desaparece como classe e Cuba se transforma em um Estado Operário.
A expropriação da burguesia, assim como a subsequente planificação da economia e o monopólio do comércio exterior, se traduz em um enorme avanço no nível de vida das massas. Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, em poucos anos se acaba com o analfabetismo, com o desemprego, com a prostituição, ocorre um grande avanço na indústria farmacêutica, na medicina. Cuba aparece em primeiro lugar, a nível da América Latina, em educação e saúde.
Esses grandes avanços a nível da educação, da saúde, dos esportes, são acompanhados com admiração e entusiasmo por grandes setores de massas do continente latino-americano, que comparam essas conquistas com os desastres de seus países capitalistas dominados pelo imperialismo ianque.
A direção cubana se transforma em uma referência, para ativistas não só da América Latina, mas de todo o mundo.
As debilidades da revolução
As conquistas da revolução cubana são uma prova contundente do que é possível alcançar a partir da expropriação da burguesia. Há apenas 7 anos havia ocorrido outra grande revolução na América Latina, a revolução boliviana de 1952. Essa revolução também teve conquistas importantes, mas, ao não expropriar a burguesia, não conseguiu as mudanças qualitativas no nível de vida das massas que a revolução cubana alcançou.
Mas, apesar de sua grandiosidade, a revolução cubana teve duas grandes debilidades: Não era a classe operária quem a liderava e não tinha à sua frente um partido operário, internacionalista, com um programa marxista conscientemente socialista e revolucionário. Na medida em que essas debilidades não foram superadas, a revolução cubana estava condenada.
Essas duas debilidades, fizeram com que em Cuba nunca existisse um regime de democracia operária. Pelo contrário, a direção castrista, reproduziu no estado, o regime autoritário e militar do partido exército com o qual tomou o poder. E o caráter nacionalista dessa direção se manifestou no fato de que, diferente do que aconteceu com a revolução russa de outubro de 1917, não foi um dos seus objetivos desenvolver a revolução socialista internacional, pelo que, perante o ataque do imperialismo, capitulou totalmente à política estalinista da URSS de coexistência pacífica.
Nahuel Moreno, que defendeu até à morte as grandes conquistas da revolução cubana, em 1979 afirmava: “O fato do partido de Fidel Castro não ser estalinista não muda seu caráter de exército que controlava militar e politicamente o movimento de massas, sem deixar o menor resquício para que se organizasse de forma independente e democrática e para que tivesse iniciativas revolucionárias. Este caráter fez com que Cuba, desde seu início, fosse um estado operário burocrático, como os estados operários controlados pelos partidos estalinistas. (…) O fato de ter dirigido uma revolução triunfante e não ser estalinista não muda o caráter de classe pequeno-burguesa do partido castrista. É esse caráter de classe da direção cubana que explica porque pode transformar-se, sem maiores sobressaltos e sem qualquer salto qualitativo, em um partido estalinista: porque seu caráter de classe o unia ao estalinismo mundial (…) a direção cubana foi permanentemente uma direção pequeno-burguesa, que se transformou de nacionalista revolucionária em diretamente burocrática (…)”[4]
E chegar a essa compreensão sobre o caráter de classe do castrismo, o leva a fazer uma profunda autocrítica sobre sua inicial simpatia ao regime cubano, e propor categoricamente: “o novo estado operário [cubano] era burocrático desde seu nascimento e, portanto, era necessária uma revolução política e a construção de um partido trotskista… ”[5]
Esse mesmo caráter de classe, é o que leva a direção cubana, totalmente entregue ao estalinismo, a transformar Cuba em um obstáculo para a revolução socialista mundial. Isso ficou evidente no papel que Fidel Castro desempenha frente à revolução centro-americana, quando apela para que a Nicarágua não seja uma nova Cuba, ou seja, não avance para a expropriação da burguesia.
“Por isso às afirmações ou aos temores expressos por algumas pessoas com essas intenções, de que se a Nicarágua iria se converter em uma nova Cuba, os nicaraguenses deram uma magnífica resposta: não, a Nicarágua vai se converter em uma nova Nicarágua! que é uma coisa muito diferente.
(…) Não há duas revoluções iguais. (…) no nosso caso não houve esta frente de que falava anteriormente, inclusive o imperialismo começou imediatamente com suas campanhas, suas agressões; o imperialismo sabia menos, porque o imperialismo aprendeu algo também. (…) São marcantes algumas características que observamos nos companheiros revolucionários nicaraguenses (…) Souberam combater heroicamente, mas também souberam ser flexíveis, e quando foi necessário de certa forma para evitar os riscos de uma intervenção, não tiveram medo de negociar. (…) Inclusive naquela fase final em que o regime somozista já agonizava, discutiram alguma forma de como seria o trânsito final, ou seja, como seria a despedida do duelo, ou digamos, o enterro de Somoza. E nessas negociações participaram diferentes países, o Governo de Reconstrução Nacional participou, a direção sandinista participou, inclusive os Estados Unidos participaram. (…) Os sandinistas fizeram algumas concessões e foi sábio fazê-las (…) É por isso – e isto explico ao nosso povo -, que as circunstâncias em que ocorre a vitória nicaraguense determinam que as formas que eles adotem sejam formas diferentes das nossas. Além disso, o fato de que hoje por hoje o país esteja em ruínas, o país esteja totalmente destruído, requer um programa de reconstrução nacional com a participação de todos os setores da sociedade nicaraguense”. [6]
Não foi só a Nicarágua que mostrou a completa passagem da direção cubana para a esfera estalinista e sua política de coexistência pacífica com o imperialismo. No discurso apresentado na ONU em 12 de dezembro de 1979, Fidel afirmou:
“(…) Me dirijo às nações ricas para que contribuam. Me dirijo aos países pobres para que distribuam.
(…) Não vim aqui como profeta da revolução; não vim pedir ou desejar que o mundo convulsione violentamente. Viemos falar de paz e colaboração entre os povos, e viemos advertir que se não resolvermos pacífica e sabiamente as injustiças e desigualdade atuais, o futuro será apocalíptico. (…) Digamos adeus às armas e consagremos civilizadamente aos problemas mais avassaladores da nossa era. Essa é a responsabilidade e o dever mais sagrado de todos os estadistas do mundo. Essa é, além disso, a premissa indispensável da sobrevivência humana!”
É conhecido o apoio dado pela direção cubana ao governo de Salvador Allende no Chile e sua “via pacífica para o socialismo” e, em 2003, felicitou o povo argentino por ter votado em Néstor Kirchner alegando que nem todos os países precisavam de uma revolução:
“(…) Não recomendamos fórmulas dogmáticas, não recomendamos que tenham tal e qual sistema social. Conheço países com tantos recursos, que com o uso adequado dos recursos não teriam nem necessidade, vejam, de fazer uma mudança revolucionária com relação à economia, de tipo radical, como a que nosso país fez.
Se alguém me perguntar porque senti grande satisfação e júbilo quando chegaram as notícias de um resultado eleitoral em nossa queridíssima Argentina, observem, há uma razão muito grande: Minha opinião é que uma das coisas extraordinárias é que o símbolo da globalização neoliberal recebeu um golpe colossal.
Vocês não sabem o serviço que prestaram à América Latina; vocês não sabem o serviço que prestaram ao mundo ao afundar na fossa do Pacífico – não sei como se chama agora -, que tem mais de 8.000 metros de profundidade, o símbolo da globalização neoliberal. Insuflaram-lhe tremenda força ao número crescente de pessoas que foram tomando consciência em toda nossa América sobre que coisa tão horrível e fatal é isso que se chama globalização neoliberal(…)”[7]
A restauração do capitalismo
Essas duas debilidades da direção cubana da qual falamos não foram superadas e isso selou o destino da revolução, levando à perda de sua principal conquista, a expropriação da burguesia. O capitalismo foi restaurado, a revolução foi derrotada.
Mas essa derrota não foi consequência de uma invasão do imperialismo, e sim que, face à restauração capitalista na URSS, a mesma direção que liderou a revolução dirigiu a restauração em Cuba.
O processo de restauração se abre a partir do governo castrista com a mudança nas leis. Em 1992, há uma reforma da Constituição para permitir a existência de propriedade privada dos meios de produção. Em 1993, novas leis abrem a possibilidade de entrada de bancos estrangeiros. E, finalmente, em 1995, com a Lei de Investimentos Estrangeiros, se legaliza a entrada de empresas às quais se permite comercializar diretamente com suas matrizes, acabando assim com o Monopólio do Comércio Exterior e de fato com a Planificação da Economia [8]. Assim se chega à mudança do caráter de classe do estado cubano. Deixa de ser um estado operário deformado e passa a ser um estado burguês. O que existe hoje em Cuba é uma ditadura capitalista.
Sabemos que há muitos ativistas e organizações, inclusive algumas que se reivindicam trotskistas, que continuam sustentando que Cuba é um estado operário. Se isso é assim, teriam que explicar porque 65 anos depois da revolução, são aplicados em Cuba os mesmos planos antioperários que sofremos no resto dos países.
O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, manifestou: “Afirmo enfaticamente que não existe um pacote neoliberal contra o povo, nem uma cruzada contra as mipymes (pequenas e médias empresas), nem uma eliminação da cesta básica como a contrarrevolução já está colocando nas matrizes (de opinião) nas redes sociais”. No entanto, admitiu que haverá conflitos já que será aplicado um plano que contempla ajustes com aumentos dos preços da eletricidade, gás, combustíveis e cortes nos subsídios estatais.[9]
Se a isso se acrescenta que existe uma inflação de 30% e não há reajuste salarial, fica difícil ver qual é a diferença com os planos de ajustes neoliberais aos quais estamos acostumados.
As lições da revolução cubana
Como já dissemos, a grande lição desta revolução é que só com a expropriação do capitalismo que se pode mudar qualitativamente o nível de vida das massas, conseguindo conquistas que não foram alcançadas nos países capitalistas mais avançados, como acabar com o analfabetismo, a prostituição e o desemprego. Mas outra grande lição é que isso só é possível manter e superar com um regime de democracia operária e com uma direção revolucionária que promova o desenvolvimento da revolução mundial. Do contrário, cedo ou tarde, essa revolução será derrotada.
Em 1986, Nahuel Moreno dizia: “Ao longo de minha vida política, depois de, por exemplo, olhar com simpatia o regime que surgiu da revolução cubana, cheguei à conclusão de que é necessário continuar com a política revolucionária de classe, embora postergue a chegada ao poder para nós por vinte ou trinta anos, ou o que for. Aspiramos que seja a classe operária a que verdadeiramente chegue ao poder, por isso queremos dirigi-la.”[10]
Concordamos com essa reflexão. Por isso, a partir da LIT, nossa conclusão aos 65 anos da revolução é que o que está proposto em Cuba, como em todos os países do mundo é: a construção de uma direção revolucionária, operária, socialista, internacionalista. Só assim a nova revolução cubana poderá triunfar, como parte da revolução socialista mundial.
[1] Batista inicialmente subiu ao poder como parte da “Revolta dos Sargentos” que derrubou o regime autoritário de Gerardo Machado em 1933. Nomeou a si próprio chefe das Forças Armadas com a faixa de coronel e manteve o controle com uma série de presidentes fantoches até 1940, quando foi eleito presidente com uma plataforma populista. Foi eleito com o apoio de uma aliança que incluía o Partido Liberal, o Partido da União Nacionalista, a Associação Nacional Democrática e a União Revolucionária Comunista (antecessora do Partido Comunista de Cuba). Em seu governo instalou-se a Constituição de 1940, considerada progressista para a época. Durante sua gestão, foram promulgadas leis e políticas trabalhistas a favor dos sindicatos e foram realizadas importantes reformas sociais que foram apoiadas pelos comunistas que acusavam os opositores de fascistas e reacionários.
[2] O salário anual de Batista passou a ser de 144 mil dólares, quando o de Truman (presidente dos EUA) era de 100 mil dólares
[3] Orlando Borrego foi o Primeiro-Tenente na coluna “Ciro Redondo” sob o comando de Che. Depois da vitória da revolução foi chefe do Departamento de Industrialização (1959-60); vice-Ministro do Ministério da Indústria (1961-64); ministro da Indústria Açucareira (1964-68); Assessor do Comitê Executivo do Conselho de Ministros (1973-1980). Atualmente (2003) é assessor econômico da Cátedra Che Guevara da Universidade de Havana e assessor do Ministério dos Transportes de Cuba.
[4] Nahuel Moreno, Atualização do Programa de Transição, T. XX
[5] Nahuel Moreno, Atualização do Programa de Transição, T XI
[6] discurso de Fidel Castro, no ato central pelo XXVI aniversário do assalto ao quartel Moncada, em 26 de julho de 1979,
[7] Discurso de Fidel na Faculdade de Direito, Buenos Aires 26 de maio de 2003, ante a vitória eleitoral de Néstor Kirchner.
[8] Ver Marxismo Vivo N 3, maio 2001, Debate entre a LIT e a delegação cubana ao Fórum Social Mundial.
[9] Clarin, 23-12-2023
[10] Conversações com Nahuel Moreno, Capítulo 1, A perspectiva da revolução mundial.
Tradução: Lílian Enck