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Itália

Contratos, massacres trabalhistas e greves: a palavra aos ferroviários

setembro 18, 2023

Reunimo-nos com Ivan, um companheiro ferroviário e ativista sindical de base, para falar sobre as condições dos trabalhadores ferroviários.

Entrevista por: Fabiana Stefanoni

Ivan, o massacre de Brandizzo pôs em evidência a dramática realidade que milhares de trabalhadores ferroviários são obrigados a sofrer, especialmente no âmbito das aquisições. Quais você acha que são as principais causas desta história trágica?

É um modelo sistêmico. Há algumas décadas, 200 mil funcionários trabalhavam em contratos FS nas ferrovias, hoje restam cerca de 80 mil. Todos os demais processos foram vendidos ao sistema de aquisições, ou seja, a inúmeras empresas externas, muitas vezes organizadas segundo um modelo cooperativo para pagar ainda menos impostos, que realizam as mesmas tarefas com contratos de fome e menos proteções, com forte poder de chantagem sobre os trabalhadores, no melhor dos casos ligado à duração do contrato e, portanto, despedidos em qualquer “possível” renovação.

Além disso, o contrato é obtido ao preço mais baixo possível e, portanto, o trabalhador que não se presta à exploração máxima “coloca em risco” a possibilidade de todos os outros obterem novamente o encargo e o emprego. Tudo isto cria um mecanismo pelo qual o trabalho se torna uma luz guia e as pessoas fazem tudo o que podem para mantê-lo, muitas vezes colocando em risco a sua própria saúde. O fato de muitas vezes existirem regulamentações rigorosas que protegem no papel a saúde e a segurança de quem trabalha não isenta a empresa cliente e muito menos o Governo (dono da empresa), porque são eles que impõem um modelo de exploração que acarreta riscos.

Você acha que as direções dos principais sindicatos do setor – refiro-me em particular aos sindicatos confederais – também têm responsabilidades?

Mesmo os grandes sindicatos confederados, signatários da CNNL e de vários acordos, não são inocentes, pois primeiro permitiram o desmembramento da FS num grande número de subempresas e depois o assalto ao modelo de contratação/cooperação que agora nem eles podem mais controlar. Na verdade, tudo isso foi planejado e assinado por estes senhores nas últimas cinco CCNL.

 A de Brandizzo foi uma tragédia anunciada?

Estas são todas atrocidades que nós, por assim dizer, trabalhadores ferroviários “não-alinhados”, denunciamos há anos.

Então sim, é uma tragédia anunciada!

Este verão você organizou uma greve nacional no sector ferroviário que foi parcialmente advertida pelo Ministro Salvini. Você pode nos contar o que aconteceu?

Em suma, o ministro considerou que estava quente demais para fazer greve… ou melhor, que estava quente demais para impedir as pessoas de irem à praia. Pode parecer c

Cômico, mas é o sinal evidente de uma tendência reacionária que humilha o direito à greve e a dignidade de quem trabalha, ignorando as necessidades e reivindicações dos trabalhadores e trabalhadoras, em nome do populismo e da “razão de Estado” (que então, neste caso, é a razão dos balneários e dos hoteleiros).

Esta e a primeira vez que algo deste tipo acontece no seu sector de trabalho ou será que governos anteriores tentaram questionar o direito à greve (um direito que, vale a pena recordar, já está sujeito a fortes limitações na Itália em virtude das leis antigreve)?

Já aconteceu no passado. Lembro-me de preceitos para eventos naturais e também para a concomitância com Expo. O “pelo calor” de Salvini é talvez o menos credível e provavelmente também o que mais se aproximou do limite da greve, o que gerou grande confusão. Não esqueçamos que se trata de um ministro encarregado de impedir os barcos de pessoas desesperadas que chegam da África, que nada sabe de transportes e muito menos de ferrovia. Esperamos realmente que os trabalhadores ferroviários se lembrem disso, dentro e fora dos colégios eleitorais.

Infelizmente, neste momento não temos forças para fazer greve em caso de medidas cautelares, desafiando as sanções (que são muito duras devido à interrupção do serviço público). No fundo, hoje o sindicato não está preparado para assumir estes riscos, mas os tempos mudam e isso pode acontecer no futuro.

A situação na Itália até à data não mostra um aumento significativo do conflito de classes. No entanto, sinais positivos vêm de outros países europeus. Em particular, em 2023 ocorreram greves importantes e radicais dos trabalhadores ferroviários na França, Alemanha e Grã-Bretanha. O que você acha?

Acredito que na Itália há um conflito de classes, em mil disputas muitas vezes isoladas pelos meios de comunicação e deliberadamente amenizadas pelos caudilhos confederais. O que falta completamente é, em todo caso, a consciência de classe, segundo a qual cada disputa é consumida numa batalha econômica, muitas vezes sem considerar que esta não pode realmente ser vencida sem destruir os alicerces de um sistema que baseia a sua existência na exploração e na desigualdade de riqueza.

Na verdade, acredito que esta consciência ainda não está madura, mesmo em outros países europeus, como demonstra o fato de eles também terem permitido que governos de merda tomassem o poder agora, e isto tem acontecido, como conosco, há décadas. No entanto, é evidente que as disputas e lutas sobre questões fundamentais como as aposentadorias ou os níveis salariais noutros países europeus estão dando origem a lutas importantes, para as quais os trabalhadores ferroviários ingleses, alemães e franceses contribuem decisivamente, o que nos enche de orgulho e nos faz um pouco de inveja.

Esta diferença com a situação italiana – onde, mesmo nas ferrovias, a participação em greves e mobilizações em geral diminuiu nos últimos anos – deve-se, acredito, sobretudo ao papel diferente dos sindicatos confederais, que na Itália são agora orgânicos aos mecanismos do poder e muitas vezes aos de gestão das empresas, razão pela qual desempenham o papel de defensores do próprio sistema.

Isto ocorre sobretudo no caso de empresas de propriedade ou controladas pelo Governo, nomeadamente ferroviárias, onde o acordo entre o sindicato e a empresa gera toda a gestão da empresa; coisas que os ferroviários conhecem bem e por vezes apoiam por isso, porque consideram que é um modelo eficiente de diálogo e interação com a empresa. Um oportunismo que até fez parar a indignação com o massacre de Brandizzo (e as muitas outras mortes anteriores nas vias) e que, acima de tudo, faz parar as mobilizações hoje cada vez mais necessárias. O nosso objetivo prioritário é precisamente combater esta atitude, tentando também enfraquecê-la face à próxima batalha pela renovação da CCNL; porque se o sindicato fosse determinado e compacto teria força para bloquear o país e colocar qualquer governo de joelhos.

Artigo publicado em www.partitodialternativacomunista.org, 14/09/2023.-

Tradução italiano/espanhol: Natália Estrada

Tradução espanhol/português: Lena Souza

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