qua jul 24, 2024
quarta-feira, julho 24, 2024

Eleições 2023: É preciso fazer um balanço do governo de coalizão PSOE-UP

Desde o início do ano, uma onda de greves com epicentro na França, estendeu-se a vários países europeus, com mobilizações e protestos contra a inflação, cortes nos salários e nas aposentadorias e contra o desmantelamento do setor público. Greves da saúde também foram um elemento comum depois da pandemia. PSOE-UP[1]  

Por: Laura R, Corriente Roja (Estado Espanhol)

Enquanto isso, no Estado Espanhol, as direções dos sindicatos majoritários CCOO e UGT – que não convocam uma greve geral há uma década – vangloriam-se da paz social alcançada, graças aos seus vergonhosos acordos com o governo em relação à reforma trabalhista e da previdência. Não foram capazes nem sequer de convocar atos de solidariedade à classe trabalhadora francesa, nem iniciar qualquer atividade de solidariedade à resistência operária ucraniana.

Neste 2023 marcadamente eleitoral, o governo, que já está em campanha há meses, continua com sua propaganda. Com a autopromoção que o caracteriza, diz ter melhorado as aposentadorias, ter a inflação mais baixa da Europa, haver conquistado mais direitos sociais e mais e melhores empregos do que antes.

Entre o relato “progressista” e a realidade, há um abismo

Porém, uma coisa é o que contam e outra é a dura realidade que a classe trabalhadora vive todos os dias. O governo camufla estatísticas e, quando fala sobre as bondades da sua reforma trabalhista, esconde o fato de que a maioria das novas contratações são intermitentes ou em tempo parcial, o que implica em salários miseráveis ​​e impossíveis de viver. E, que com essa reforma, a demissão continua sendo fácil e barata, o que significa que ter um contrato indefinido não é garantia de nada.

Apesar de suas promessas, o governo manteve intactos os aspectos mais nocivos de Rajoy, que tantas vezes prometeu revogar. Uma reforma, enfim, que com o apoio entusiasmado dos patrões, veio legitimar a precariedade. O emprego temporário oficial caiu, mas ainda está acima da média europeia e há um desemprego crônico de 3 milhões de pessoas oficialmente (o desemprego real é bem maior) que atinge 30% da juventude.

A desvalorização salarial vem se aprofundando desde antes da pandemia e, mesmo trabalhando em tempo integral, muitas pessoas são pobres. Em 2022, os acordos salariais aumentaram em média 2,8%, diante uma inflação média de 8,4%, o que representa a maior perda de poder aquisitivo em mais de duas décadas.

Este ano, o preço da energia continua disparado e o dos alimentos subiu 16% em fevereiro. As empresas de energia, distribuidoras e grandes redes de supermercados, estão lucrando com a especulação e a permissividade do governo. Isto à custa do empobrecimento das famílias trabalhadoras, para quem o aumento do preço dos produtos básicos representa uma porcentagem de despesa superior à das famílias mais abastadas.

O mesmo pode ser dito dos preços dos aluguéis e hipotecas que não param de subir. Se em 2022 houve uma média de 109 despejos por dia, 80% dos quais afetaram famílias com crianças e adolescentes, este ano a previsão é que aumentem ainda mais.

A Lei da Habitação, que depois de um ano e meio de negociação querem aprovar para usá-la como arma eleitoral, não inclui a moradia como direito básico. É uma vergonha que o Estado Espanhol continue a ter um dos menores programas de habitação social da Europa, alcançando apenas 2,5% do total; enquanto o Sareb, ou banco ruim, vendeu dezenas de milhares de casas vazias a preço de banana para fundos abutres (fundos de investimento), que foram pagos com dinheiro público no resgate bancário da crise anterior.

Em 2022, o valor das aposentadorias públicas subiram 2,5% (3% no caso das mínimas e não contributivas), bem abaixo da inflação e, com a subida inflacionária de 8,5% em 2023, não recuperam o poder de compra. Por outro lado, 6 em cada 10 aposentadorias contributivas são inferiores a mil euros.

A nova reforma da previdência, condicionada à entrega do próximo lote de fundos europeus, segue no caminho do endurecimento das condições de acesso a uma previdência pública, da reforma de 2021 e dos governos anteriores. E, embora cresça de forma gradual, o número de anos de contribuição só aumenta. Isso é feito para evitar protestos como na França e também é uma armadilha. O plano só será fiscalizado em 2025, enquanto isso, com a participação das “grandes” centrais sindicais, promovem-se as previdências privadas nas suas diferentes variantes, negociadas em acordo e geridas pelos empregadores e pelos próprios sindicatos.

Os serviços públicos após a pandemia, especialmente os de saúde, seguiram seu curso rumo à crescente deterioração e privatização. Listas de espera ou falta de profissionais tornam a busca pelos serviços de saúde um calvário. A deterioração dos salários e das condições de trabalho gerou um efeito de fuga dos trabalhadores, em meio a protestos e greves. Atingidos pelos cortes desde 2008, faltam mais de 6 mil médicos na Atenção Primária e cerca de 100 mil enfermeiros para atingir a média europeia e, além disso, em dez anos, 80 mil profissionais se aposentarão.

63% dos hospitais privados têm acordos com a saúde pública, destacando-se Madrid. O mesmo ocorre com as casas de repouso, que são 70% privadas, mas 62,7% de suas vagas são custeadas com recursos públicos. Foi justamente nessas residências que mais de 35 mil pessoas morreram durante a pandemia.

Embora a maior parte da responsabilidade direta recaia sobre os governos autônomos (estaduais), a deterioração da saúde não seria possível sem a Lei 15/97, que abriu as portas para sua privatização e que o governo central não levantou um dedo para revogar. Também permitiu que grandes multinacionais continuassem fazendo negócios com residências para idosos.

Essa situação atinge especialmente os setores mais oprimidos da classe, como mulheres, imigrantes ou jovens, que continuam liderando os índices de pobreza, desemprego e precarização do trabalho, enquanto a desigualdade e a violência se aprofundam, como expressão da barbárie a que este sistema capitalista em decomposição nos traz.

Em contrapartida, com este governo, a fortuna dos bilionários cresceu desde 2020 a um ritmo de 3 milhões por dia. Segundo relatório do Banco da Espanha, os lucros das empresas cresceram em 2022 sete vezes mais que os salários. As seis maiores entidades bancárias faturaram mais de 20,8 bilhões e as sete principais empresas energéticas obtiveram lucros líquidos de 54 milhões de euros por dia. Nada mal para um governo que afirma governar para “a maioria social” (nós somos a classe trabalhadora, embora esta palavra dê urticária a ambos os parceiros do governo e por isso preferem falar de sociedade civil, cidadania, ou como dizem agora, classe média trabalhadora).

Não temos sequer o direito real de greve garantido com este governo “progressista”, hoje proibida na prática em muitos setores como a saúde ou os transportes, pela via dos serviços mínimos abusivos que impedem o seu exercício. Onde quer que surja algum conflito trabalhista, a burocracia sindical se encarrega de isolar e esmagar sempre que pode.

Lições de um governo “progressista”


Nesse contexto, no dia 28 de maio serão realizadas eleições municipais em todos os governos estaduais e regionais. E teremos eleições gerais no final do ano. E mais uma vez, o PSOE e seu parceiro, a UP, assim como o resto das organizações que se autodenominam de “esquerda progressista”, irão argumentar que é necessário dar-lhes nosso voto para deter o avanço da direita e a extrema-direita.

No entanto, onde essa esquerda governou e especialmente no governo central nestes três anos, a UP foi cúmplice ou diretamente a arquiteta da enésima reforma trabalhista e previdenciária, em favor dos patrões. Eles permitiram que o drama de despejos, retornos forçados (“devolução à quente” de migrantes para seus países de origem) e política criminal de fronteira continuassem. O ataque aos direitos democráticos mais básicos, a manutenção de todo o legado repressivo dos governos anteriores, incluindo a Lei da Mordaça que não revogaram e o desmantelamento e privatização do serviço público, aceleraram após a pandemia.

Para além de algum gesto simbólico e com protestos, aprovaram um enorme aumento das despesas militares – que não é para armar a resistência ucraniana como pregam os governos europeus – mas sim ao serviço dos planos imperialistas da OTAN, aos quais este governo se entregou de corpo e alma.

A UP tornou-se co-gestora, junto ao PSOE, dos planos da burguesia, a qual deram milhões de euros, mesmo com a pandemia e a crise. E o que eles nos deram com a mão esquerda – algumas medidas de contenção social e redistribuição de riqueza, longe das necessidades sociais – eles tiraram de nós com a mão direita. Um exemplo é a Renda Mínima Vital, apresentada com grande alarde como uma medida “histórica”, que em nada resolveu o drama de milhares de famílias empobrecidas.

Nesses três anos, eles mantiveram os insultantes privilégios fiscais, orçamentários e educacionais da Igreja Católica e toleraram exibições fascistas. Permitiram que todos os aparatos do Estado continuassem sendo usados ​​contra o direito do povo de decidir. Que o poder judiciário intervenha na vida política ou mesmo paralise a atividade parlamentar, sempre que os privilégios de uma minoria social e esta ordem social injusta forem ameaçados. Quarenta anos depois, a nova Lei da Memória Histórica é uma nova saudação à bandeira que nem sequer revoga a anterior Lei da Anistia, em que vítimas e carrascos são equiparados. Não tocaram nessa monarquia corrupta, imperialista e rançosa, imposta por Franco.

As leis aprovadas por este governo para manter sua propaganda de que é um governo feminista e progressista, também não bastam e as poucas medidas reais que existem não têm o orçamento necessário. A UP continuou apegada ao governo, mesmo depois que o PSOE registrou um projeto de lei próprio, para modificar a Lei Integral de Garantia da Liberdade Sexual. Uma das leis “estrelas” do Podemos nesta legislatura, que incluía um mandato das ruas.

Em resumo, todas as medidas da UP no governo não passaram de um “show” midiático. Longe de fazer o PSOE virar à esquerda, a UP integrou-se no quadro e nos limites do regime monárquico e das suas instituições e nelas estão todas as suas aspirações políticas. Com isso, acabam de enterrar a tarefa que o 15M colocou sobre a mesa em 2011: a ruptura com o regime monárquico e com instituições herdadas do franquismo e a abertura de um processo constituinte, que pusesse fim à prisão dos povos que é o Estado Espanhol.

É nessa falta de exemplaridade da esquerda e no descumprimento de tudo o que foi prometido, que as causas da direita e da extrema-direita podem ganhar espaço em alguns bairros populares, crescer e ganhar audiência.

 Somar, o novo projeto do reformismo sem reformas

No dia 2 de abril, ocorreu o lançamento de Somar, novo projeto político encabeçado por Yolanda Díaz, do Partido Comunista da Espanha (PCE), que aspira ser o guarda-chuva da esquerda institucional, em luta pela liderança com o Podemos. Nela, ele anunciou sua intenção de se apresentar como cabeça de lista da referida plataforma política.

Yolanda Díaz, filha e sobrinha de sindicalistas e advogada trabalhista, é atualmente ministra do Trabalho e segunda vice-presidente do governo de coalizão, apoiado pelo Podemos. Uma ministra que se gaba de ter conseguido uma Reforma Trabalhista que “se estuda em todas as universidades do mundo”. No momento, as pesquisas a colocam como uma das políticas mais valorizadas pela esquerda e pelo governo. Ela sabe disso e cuida muito bem da sua imagem. Nada de “barulho ou confronto”. Não é por acaso que em seu discurso de 3 de abril a líder do Somar não falou sobre a guerra na Ucrânia ou sobre as mobilizações na França. Também não houve referências à classe trabalhadora em seu discurso. O seu projeto, segundo diz, dirige-se à “cidadania“, para “ampliar a democracia“, “tecer um projeto para um país diferente, democrático, moderno, feminista e levantar a bandeira da esperança e da ilusão, desde a esquerda“.

E, para que ninguém se engane, deixa claro desde o início, a sua intenção de renovar um governo de coligação com o PSOE, cujas políticas nestes três anos reivindica. Nisso, sua estratégia é idêntica à do Podemos, que passou em velocidade supersônica, de pretender quebrar o tabuleiro, até se contentar em ser a ala esquerda do PSOE. Somar é a sua continuidade natural, em outro momento e com mais submissão a este, se possível.

Não se trata mais de redirecionar as lutas e mobilizações que surgiram depois do 15M, que questionavam o bipartidarismo, esse regime corrupto e essa falsa democracia, mas de canalizar o descontentamento, o medo da direita e o voto de resignação ao mal menor, para reeditar um novo “governo progressista” nos marcos do regime burguês.

A falta de concretizar o nome e seu programa, Somar é a expressão máxima do novo reformismo sem reformas. Ao contrário do projeto reformista socialdemocrata do século XIX ou daquele que após a Segunda Guerra Mundial implantou o estado de bem estar social em uma Europa devastada e que precisava ser reconstruída, o novo reformismo em tempos de capitalismo selvagem quase não tem conquistas parciais a oferecer à classe trabalhadora, além de algumas migalhas e medidas cosméticas, que deixam intactas as estruturas de poder. Em seguida da derrocada de Cidadãos e a resistência de Vox, voltamos ao ponto de partida. A um novo bipartidarismo imperfeito, apoiado desde fora.

Diante do seu projeto de voto direto ou “diferido” no PSOE, para garantir a desmobilização e a paz social, desde Corriente Roja e da LIT, reafirmamos que não há atalhos baseados na construção de aparatos eleitorais. Precisamos construir uma força revolucionária enraizada no movimento operário e popular e na juventude.

Uma organização cujo trabalho nas instituições é promover a luta extraparlamentar para corroê-las por dentro, em benefício de uma verdadeira democracia operária. E que tem como objetivo, desenvolver a solidariedade internacional ativa com os povos em luta, e recolher o descontentamento e a indignação social que hoje se expressa de forma desordenada, para impor a partir de baixo, um programa de transformação que responda às necessidades econômicas, sociais, ecológicas e sanitárias e abrir caminho para um governo dos trabalhadores. O único sistema que pode mudar as bases atuais que nos esmagam e nos conduzir a um futuro socialista.


[1]     UP: É a sigla da coalizão com a qual Izquierda Unida e Podemos se apresentaram nas últimas eleições gerais.

Eleições 2023: É preciso fazer um balanço do governo de coalizão PSOE-UP

Desde o início do ano, uma onda de greves com epicentro na França, estendeu-se a vários países europeus, com mobilizações e protestos contra a inflação, cortes nos salários e nas aposentadorias e contra o desmantelamento do setor público. Greves da saúde também foram um elemento comum depois da pandemia. PSOE-UP[1]  

Por: Laura R, Corriente Roja (Estado Espanhol)

Enquanto isso, no Estado Espanhol, as direções dos sindicatos majoritários CCOO e UGT – que não convocam uma greve geral há uma década – vangloriam-se da paz social alcançada, graças aos seus vergonhosos acordos com o governo em relação à reforma trabalhista e da previdência. Não foram capazes nem sequer de convocar atos de solidariedade à classe trabalhadora francesa, nem iniciar qualquer atividade de solidariedade à resistência operária ucraniana.

Neste 2023 marcadamente eleitoral, o governo, que já está em campanha há meses, continua com sua propaganda. Com a autopromoção que o caracteriza, diz ter melhorado as aposentadorias, ter a inflação mais baixa da Europa, haver conquistado mais direitos sociais e mais e melhores empregos do que antes.

Entre o relato “progressista” e a realidade, há um abismo

Porém, uma coisa é o que contam e outra é a dura realidade que a classe trabalhadora vive todos os dias. O governo camufla estatísticas e, quando fala sobre as bondades da sua reforma trabalhista, esconde o fato de que a maioria das novas contratações são intermitentes ou em tempo parcial, o que implica em salários miseráveis ​​e impossíveis de viver. E, que com essa reforma, a demissão continua sendo fácil e barata, o que significa que ter um contrato indefinido não é garantia de nada.

Apesar de suas promessas, o governo manteve intactos os aspectos mais nocivos de Rajoy, que tantas vezes prometeu revogar. Uma reforma, enfim, que com o apoio entusiasmado dos patrões, veio legitimar a precariedade. O emprego temporário oficial caiu, mas ainda está acima da média europeia e há um desemprego crônico de 3 milhões de pessoas oficialmente (o desemprego real é bem maior) que atinge 30% da juventude.

A desvalorização salarial vem se aprofundando desde antes da pandemia e, mesmo trabalhando em tempo integral, muitas pessoas são pobres. Em 2022, os acordos salariais aumentaram em média 2,8%, diante uma inflação média de 8,4%, o que representa a maior perda de poder aquisitivo em mais de duas décadas.

Este ano, o preço da energia continua disparado e o dos alimentos subiu 16% em fevereiro. As empresas de energia, distribuidoras e grandes redes de supermercados, estão lucrando com a especulação e a permissividade do governo. Isto à custa do empobrecimento das famílias trabalhadoras, para quem o aumento do preço dos produtos básicos representa uma porcentagem de despesa superior à das famílias mais abastadas.

O mesmo pode ser dito dos preços dos aluguéis e hipotecas que não param de subir. Se em 2022 houve uma média de 109 despejos por dia, 80% dos quais afetaram famílias com crianças e adolescentes, este ano a previsão é que aumentem ainda mais.

A Lei da Habitação, que depois de um ano e meio de negociação querem aprovar para usá-la como arma eleitoral, não inclui a moradia como direito básico. É uma vergonha que o Estado Espanhol continue a ter um dos menores programas de habitação social da Europa, alcançando apenas 2,5% do total; enquanto o Sareb, ou banco ruim, vendeu dezenas de milhares de casas vazias a preço de banana para fundos abutres (fundos de investimento), que foram pagos com dinheiro público no resgate bancário da crise anterior.

Em 2022, o valor das aposentadorias públicas subiram 2,5% (3% no caso das mínimas e não contributivas), bem abaixo da inflação e, com a subida inflacionária de 8,5% em 2023, não recuperam o poder de compra. Por outro lado, 6 em cada 10 aposentadorias contributivas são inferiores a mil euros.

A nova reforma da previdência, condicionada à entrega do próximo lote de fundos europeus, segue no caminho do endurecimento das condições de acesso a uma previdência pública, da reforma de 2021 e dos governos anteriores. E, embora cresça de forma gradual, o número de anos de contribuição só aumenta. Isso é feito para evitar protestos como na França e também é uma armadilha. O plano só será fiscalizado em 2025, enquanto isso, com a participação das “grandes” centrais sindicais, promovem-se as previdências privadas nas suas diferentes variantes, negociadas em acordo e geridas pelos empregadores e pelos próprios sindicatos.

Os serviços públicos após a pandemia, especialmente os de saúde, seguiram seu curso rumo à crescente deterioração e privatização. Listas de espera ou falta de profissionais tornam a busca pelos serviços de saúde um calvário. A deterioração dos salários e das condições de trabalho gerou um efeito de fuga dos trabalhadores, em meio a protestos e greves. Atingidos pelos cortes desde 2008, faltam mais de 6 mil médicos na Atenção Primária e cerca de 100 mil enfermeiros para atingir a média europeia e, além disso, em dez anos, 80 mil profissionais se aposentarão.

63% dos hospitais privados têm acordos com a saúde pública, destacando-se Madrid. O mesmo ocorre com as casas de repouso, que são 70% privadas, mas 62,7% de suas vagas são custeadas com recursos públicos. Foi justamente nessas residências que mais de 35 mil pessoas morreram durante a pandemia.

Embora a maior parte da responsabilidade direta recaia sobre os governos autônomos (estaduais), a deterioração da saúde não seria possível sem a Lei 15/97, que abriu as portas para sua privatização e que o governo central não levantou um dedo para revogar. Também permitiu que grandes multinacionais continuassem fazendo negócios com residências para idosos.

Essa situação atinge especialmente os setores mais oprimidos da classe, como mulheres, imigrantes ou jovens, que continuam liderando os índices de pobreza, desemprego e precarização do trabalho, enquanto a desigualdade e a violência se aprofundam, como expressão da barbárie a que este sistema capitalista em decomposição nos traz.

Em contrapartida, com este governo, a fortuna dos bilionários cresceu desde 2020 a um ritmo de 3 milhões por dia. Segundo relatório do Banco da Espanha, os lucros das empresas cresceram em 2022 sete vezes mais que os salários. As seis maiores entidades bancárias faturaram mais de 20,8 bilhões e as sete principais empresas energéticas obtiveram lucros líquidos de 54 milhões de euros por dia. Nada mal para um governo que afirma governar para “a maioria social” (nós somos a classe trabalhadora, embora esta palavra dê urticária a ambos os parceiros do governo e por isso preferem falar de sociedade civil, cidadania, ou como dizem agora, classe média trabalhadora).

Não temos sequer o direito real de greve garantido com este governo “progressista”, hoje proibida na prática em muitos setores como a saúde ou os transportes, pela via dos serviços mínimos abusivos que impedem o seu exercício. Onde quer que surja algum conflito trabalhista, a burocracia sindical se encarrega de isolar e esmagar sempre que pode.

Lições de um governo “progressista”

Nesse contexto, no dia 28 de maio serão realizadas eleições municipais em todos os governos estaduais e regionais. E teremos eleições gerais no final do ano. E mais uma vez, o PSOE e seu parceiro, a UP, assim como o resto das organizações que se autodenominam de “esquerda progressista”, irão argumentar que é necessário dar-lhes nosso voto para deter o avanço da direita e a extrema-direita.

No entanto, onde essa esquerda governou e especialmente no governo central nestes três anos, a UP foi cúmplice ou diretamente a arquiteta da enésima reforma trabalhista e previdenciária, em favor dos patrões. Eles permitiram que o drama de despejos, retornos forçados (“devolução à quente” de migrantes para seus países de origem) e política criminal de fronteira continuassem. O ataque aos direitos democráticos mais básicos, a manutenção de todo o legado repressivo dos governos anteriores, incluindo a Lei da Mordaça que não revogaram e o desmantelamento e privatização do serviço público, aceleraram após a pandemia.

Para além de algum gesto simbólico e com protestos, aprovaram um enorme aumento das despesas militares – que não é para armar a resistência ucraniana como pregam os governos europeus – mas sim ao serviço dos planos imperialistas da OTAN, aos quais este governo se entregou de corpo e alma.

A UP tornou-se co-gestora, junto ao PSOE, dos planos da burguesia, a qual deram milhões de euros, mesmo com a pandemia e a crise. E o que eles nos deram com a mão esquerda – algumas medidas de contenção social e redistribuição de riqueza, longe das necessidades sociais – eles tiraram de nós com a mão direita. Um exemplo é a Renda Mínima Vital, apresentada com grande alarde como uma medida “histórica”, que em nada resolveu o drama de milhares de famílias empobrecidas.

Nesses três anos, eles mantiveram os insultantes privilégios fiscais, orçamentários e educacionais da Igreja Católica e toleraram exibições fascistas. Permitiram que todos os aparatos do Estado continuassem sendo usados ​​contra o direito do povo de decidir. Que o poder judiciário intervenha na vida política ou mesmo paralise a atividade parlamentar, sempre que os privilégios de uma minoria social e esta ordem social injusta forem ameaçados. Quarenta anos depois, a nova Lei da Memória Histórica é uma nova saudação à bandeira que nem sequer revoga a anterior Lei da Anistia, em que vítimas e carrascos são equiparados. Não tocaram nessa monarquia corrupta, imperialista e rançosa, imposta por Franco.

As leis aprovadas por este governo para manter sua propaganda de que é um governo feminista e progressista, também não bastam e as poucas medidas reais que existem não têm o orçamento necessário. A UP continuou apegada ao governo, mesmo depois que o PSOE registrou um projeto de lei próprio, para modificar a Lei Integral de Garantia da Liberdade Sexual. Uma das leis “estrelas” do Podemos nesta legislatura, que incluía um mandato das ruas.

Em resumo, todas as medidas da UP no governo não passaram de um “show” midiático. Longe de fazer o PSOE virar à esquerda, a UP integrou-se no quadro e nos limites do regime monárquico e das suas instituições e nelas estão todas as suas aspirações políticas. Com isso, acabam de enterrar a tarefa que o 15M colocou sobre a mesa em 2011: a ruptura com o regime monárquico e com instituições herdadas do franquismo e a abertura de um processo constituinte, que pusesse fim à prisão dos povos que é o Estado Espanhol.

É nessa falta de exemplaridade da esquerda e no descumprimento de tudo o que foi prometido, que as causas da direita e da extrema-direita podem ganhar espaço em alguns bairros populares, crescer e ganhar audiência.

 Somar, o novo projeto do reformismo sem reformas

No dia 2 de abril, ocorreu o lançamento de Somar, novo projeto político encabeçado por Yolanda Díaz, do Partido Comunista da Espanha (PCE), que aspira ser o guarda-chuva da esquerda institucional, em luta pela liderança com o Podemos. Nela, ele anunciou sua intenção de se apresentar como cabeça de lista da referida plataforma política.

Yolanda Díaz, filha e sobrinha de sindicalistas e advogada trabalhista, é atualmente ministra do Trabalho e segunda vice-presidente do governo de coalizão, apoiado pelo Podemos. Uma ministra que se gaba de ter conseguido uma Reforma Trabalhista que “se estuda em todas as universidades do mundo”. No momento, as pesquisas a colocam como uma das políticas mais valorizadas pela esquerda e pelo governo. Ela sabe disso e cuida muito bem da sua imagem. Nada de “barulho ou confronto”. Não é por acaso que em seu discurso de 3 de abril a líder do Somar não falou sobre a guerra na Ucrânia ou sobre as mobilizações na França. Também não houve referências à classe trabalhadora em seu discurso. O seu projeto, segundo diz, dirige-se à “cidadania“, para “ampliar a democracia“, “tecer um projeto para um país diferente, democrático, moderno, feminista e levantar a bandeira da esperança e da ilusão, desde a esquerda“.

E, para que ninguém se engane, deixa claro desde o início, a sua intenção de renovar um governo de coligação com o PSOE, cujas políticas nestes três anos reivindica. Nisso, sua estratégia é idêntica à do Podemos, que passou em velocidade supersônica, de pretender quebrar o tabuleiro, até se contentar em ser a ala esquerda do PSOE. Somar é a sua continuidade natural, em outro momento e com mais submissão a este, se possível.

Não se trata mais de redirecionar as lutas e mobilizações que surgiram depois do 15M, que questionavam o bipartidarismo, esse regime corrupto e essa falsa democracia, mas de canalizar o descontentamento, o medo da direita e o voto de resignação ao mal menor, para reeditar um novo “governo progressista” nos marcos do regime burguês.

A falta de concretizar o nome e seu programa, Somar é a expressão máxima do novo reformismo sem reformas. Ao contrário do projeto reformista socialdemocrata do século XIX ou daquele que após a Segunda Guerra Mundial implantou o estado de bem estar social em uma Europa devastada e que precisava ser reconstruída, o novo reformismo em tempos de capitalismo selvagem quase não tem conquistas parciais a oferecer à classe trabalhadora, além de algumas migalhas e medidas cosméticas, que deixam intactas as estruturas de poder. Em seguida da derrocada de Cidadãos e a resistência de Vox, voltamos ao ponto de partida. A um novo bipartidarismo imperfeito, apoiado desde fora.

Diante do seu projeto de voto direto ou “diferido” no PSOE, para garantir a desmobilização e a paz social, desde Corriente Roja e da LIT, reafirmamos que não há atalhos baseados na construção de aparatos eleitorais. Precisamos construir uma força revolucionária enraizada no movimento operário e popular e na juventude.

Uma organização cujo trabalho nas instituições é promover a luta extraparlamentar para corroê-las por dentro, em benefício de uma verdadeira democracia operária. E que tem como objetivo, desenvolver a solidariedade internacional ativa com os povos em luta, e recolher o descontentamento e a indignação social que hoje se expressa de forma desordenada, para impor a partir de baixo, um programa de transformação que responda às necessidades econômicas, sociais, ecológicas e sanitárias e abrir caminho para um governo dos trabalhadores. O único sistema que pode mudar as bases atuais que nos esmagam e nos conduzir a um futuro socialista.


[1]     PSOE-UP: É a sigla da coalizão com a qual Izquierda Unida e Podemos se apresentaram nas últimas eleições gerais. BAIXE A REVISTA AQUI

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