Europa: mobilização na França, guerra na Ucrânia, estagnação econômica
A situação europeia está efetivamente marcada por essas três grandes questões: a guerra de Putin contra a Ucrânia, a grande mobilização social na França e a estagnação econômica que o continente atravessa. Uma estagnação acompanhada de forte inflação e um sistema financeiro em crise (Credit Suisse, Deutsche Bank) que poderia levar a uma recessão generalizada.
Na verdade, não podemos falar da situação europeia como algo homogêneo. A Europa é, ao contrário, um emaranhado de países com posições muito distintas na hierarquia entre os Estados e com conjunturas sociopolíticas muito diferentes.
Por: Felipe Alegría, LIT-QI
No terreno da mobilização social, pouco tem a ver a França ou a Grã-Bretanha, atravessadas por grandes mobilizações de trabalhadores, com o clima de “paz social” que o resto do continente vive¹. A onda de greves nos últimos meses na França e Grã-Bretanha é a maior dos últimos 30-40 anos. A classe trabalhadora britânica luta desde o verão passado para recuperar o poder aquisitivo de seus salários devorados pela inflação e em defesa dos serviços públicos, duramente atacados pelos governos conservadores. Os setores de vanguarda da luta são os trabalhadores do metrô e dos transportes, da saúde e da educação.
Na França, a luta contra a reforma da previdência foi o estopim de uma ampla e generalizada mobilização, refletida em 12 jornadas nacionais de luta, bem como inúmeras ações e bloqueios em todo o país, com centenas de ativistas envolvidos, depois que Macron aprovou a lei passando por cima do próprio parlamento francês (artigo 49.3). A vanguarda da luta foram os trabalhadores das refinarias, da produção e distribuição de eletricidade, ferroviários e garis, com suas greves continuadas (“reconduzíveis”).
A heterogeneidade da mobilização social entre os referidos países não se explica apenas por razões “objetivas”, mas, sobretudo, pela atuação das grandes burocracias sindicais europeias, integradas até o pescoço no aparato neoliberal da UE e de seus governos e com uma política consciente de sufocar as lutas em seus países e impedir respostas unificadas em escala europeia.
O papel da União Europeia (UE)
A heterogeneidade europeia ocorre, no entanto, no marco comum da UE, esse aparato institucional paraestatal que abrange a maioria do continente: composto por 27 países muito diversos; dominada pela Alemanha e pela França, as duas grandes potências imperialistas da UE, e gerida por uma alta burocracia estranha à vontade dos povos europeus e alheia às próprias normas da democracia liberal que tanto proclamam.
A UE é o instrumento por meio do qual Alemanha e França aglutinam ao seu redor, por um lado, países imperialistas de segunda categoria, como Itália, Espanha ou Bélgica, cujo peso internacional depende da sua integração na UE e, por outro, países cujo status comum é o de uma semicolônia, como são, desde sua incorporação os países do Leste Europeu ou a Grécia desde a crise da dívida.
Alemanha e França precisam desse bloco continental para preservar uma relativa autonomia em relação aos EUA e China e evitar serem esmagados em sua disputa global. Por outro lado, através da UE, as grandes corporações germano-francesas impõem seus planos ao conjunto dos estados membros (com a cumplicidade de suas respectivas classes dirigentes). A UE foi fundamental para permitir que os governos dos estados membros pudessem impor as brutais contrarreformas posteriores à crise de 2008. Seu apoio ao Estado Espanhol em seu ataque contra o movimento independentista catalão também foi decisivo.
O impacto da guerra da Ucrânia
A guerra de agressão nacional de Putin contra a Ucrânia levou até agora a nítidos ganhos geoestratégicos para os EUA, em detrimento da Alemanha e França: o primeiro deles é a ruptura do pacto energético entre Alemanha e Rússia ou, o que é o mesmo, o gás russo barato que formava uma das bases sobre a qual se assentava o domínio econômico da Alemanha na UE e seu papel à escala global. Esta ruptura beneficia também os grupos energéticos estadunidenses, que se tornaram os principais fornecedores de gás para a Europa, onde fixam um preço muito mais elevado do que em seu mercado doméstico. Para piorar, agregue-se as leis protecionistas estadunidenses dos chips e contra a inflação, que prejudicam seriamente os oligopólios europeus frente aos estadunidenses.
Outra consequência fundamental da guerra na Ucrânia foi o fortalecimento da OTAN, ou seja, do peso militar e político dos EUA na Europa. Isso é atestado pelas recentes palavras do primeiro-ministro polonês Morawiecki em Washington, que apresentou seu país como o principal defensor da “nova Europa” aliada incondicional dos Estados Unidos (“a velha Europa acreditava em um acordo com a Rússia e a velha Europa fracassou”). O caso da Polônia mostra um país economicamente submetido à Alemanha e, ao mesmo tempo, política e militarmente um aliado preferencial dos Estados Unidos.
A ruptura do pacto energético Berlim-Moscou, juntamente com as agressivas políticas protecionistas estadunidense, enfraquecem a força da Alemanha como potência global e dão origem a reações unilaterais, como o seu macro plano de apoio às empresas, alheio aos planos da UE.
França, a outra grande potência europeia, desliza de forma ainda mais evidente para o abismo da decadência. Não só sua economia se enfraquece, mas também o seu papel imperialista global. A chamada Françafrique se desintegra. A recente e humilhante retirada das tropas francesas do Mali, depois do Burkina Faso e da República Centro-Africana, é uma expressão nítida disso, enquanto a China ocupa o espaço econômico e a Rússia penetra com os mercenários de Wagner. Tudo combinado com a imensa crise de legitimidade da V República (envolta numa interminável deriva bonapartista, com graves ataques às liberdades democráticas e um parlamento irrelevante), exacerbada ao extremo no atual conflito contra a reforma da previdência de Macron.
Alemanha e França, embora condenadas a manter sua aliança e preservar a UE frente ao desafio de EUA e China, mantêm diferenças importantes: a Alemanha não perde o sono com as preocupações francesas na África e em suas colônias ultramarinas. E no campo energético, enquanto a Alemanha está ligada ao gás, a França está ligada à energia nuclear¹. Por outro lado, a Alemanha, quebrando uma tradição que vinha desde a derrota do nazismo, resolveu se tornar uma grande potência militar. A França, que é uma potência nuclear e até agora a grande potência militar da UE, decidiu, em plena batalha das pensões, relançar o seu rearmamento, com um aumento impressionante das despesas militares (413.000 bilhões em seis anos), a fim de alimentar a sua poderosa indústria militar e manter a sua superioridade neste campo.
Ambas as potências, diante da agressiva ofensiva dos EUA contra a China, lutam para manter uma relação “autônoma”, que preserve suas relações comerciais e seus grandes investimentos na China, decisivos para suas economias. Macron, em sua recente visita a Pequim, além de defender a “autonomia estratégica europeia” e assinar contratos suculentos, declarou que “ser aliado [dos EUA] não significa ser vassalo” e que os europeus não devem “ser seguidistas” ou “se adaptar ao ritmo estadunidense [sobre Taiwan]”. Poucos meses antes, foi Scholz, acompanhado da nata da indústria alemã, quem visitou Xi Jinping, organizou investimentos e se comprometeu a aprofundar as relações econômicas.
Onde estão os alardeados “valores europeus”?
Os alardeados “valores europeus” (direitos democráticos e Estado de bem estar social) apregoados pela UE são cada vez mais uma casca vazia. É o que vemos num dos seus países centrais, a França: na atuação de Macron contra um dos pilares do Estado de bem estar social, como a aposentadoria; em ataques ao direito de greve (via requisições); na brutal repressão aos manifestantes. A atuação bonapartista das instituições da V República francesa na reforma da previdência também expôs o charlatanismo da UE e dos seus governos quando se vangloriam para o mundo de serem um exemplo de “Estado de direito”.
A UE, a paladina da “paz”, aprovou um grande fundo europeu para apoiar financeiramente os compromissos armamentistas da Alemanha, França e, na esteira deles, os outros estados membros.
É também esta UE que legitima o governo italiano de extrema-direita de Meloni¹ e a sua política migratória, racista e xenófoba, que se encaixa como uma luva à política migratória geral da UE e suas “devoluções à quente”, responsáveis pela morte de milhares e milhares de migrantes no Mediterrâneo (e na rota das Ilhas Canárias). De migrantes forçados a deixar suas terras por guerras, fome e miséria em grande medida como resultado da pilhagem a que seus países são submetidos por empresas de países imperialistas, em grande parte europeias.
A UE concordou que, a partir de 2024, porá fim à “flexibilidade fiscal” que acordou como consequência da conjuntura econômica gerada pela guerra na Ucrânia e que retomará, atualizada, as “políticas de ajuste”. Estas afetarão de forma especialmente grave, como aconteceu durante a crise da dívida pós-2008, aos países da periferia, mais endividados e dependentes do Banco Central Europeu (BCE), cujos governos serão “obrigados” a adotar duras políticas de austeridade.
O declínio da Alemanha e França enfraquece o seu papel como espinha dorsal que deve disciplinar o resto dos países da UE. Vemos isso nas contradições entre os governos diante da guerra na Ucrânia ou da relação com a Rússia, os EUA ou a China. O problema migratório é também um grave conflito interno, com os países mediterrânicos tentando em vão “dividir” o problema com o conjunto a UE. A política energética também é uma fonte de atrito entre a Alemanha e seus aliados mais próximos e o resto dos países. Uma aceleração da crise só pode acentuar essas contradições.
Onde estamos?
A classe trabalhadora francesa e britânica é, juntamente com o povo da Ucrânia (que resiste heroicamente, após mais de 14 meses de guerra de agressão de Putin, com as Defesas Territoriais, formadas por trabalhadores, à frente) são a vanguarda da luta de classes na Europa.
A mobilização contra a reforma da previdência na França, apesar da solidariedade ativa europeia ter sido basicamente reduzida à Bélgica, mudou o clima do continente. Isso se refletiu na massividade da jornada de greves alemã de 27 de março e na simpatia geral que essa luta despertou na classe trabalhadora em toda a Europa. Na Grã-Bretanha há cartazes nas ruas defendendo fazer como os franceses: “Be more French“. (“Seja mais francês”).
Ao mesmo tempo, é igualmente verdade que a luta da classe trabalhadora francesa contra a reforma da previdência, após a aprovação da lei, entrou em uma situação de refluxo, com as greves reconduzíveis dos setores de vanguarda terminando por seu isolamento e falta de fundos de resistência suficientes. A estratégia da Intersindical (cúpula das burocracias sindicais) deixou a classe trabalhadora exausta, sem ter, por enquanto, desenvolvido um processo de coordenação da esquerda sindical (setores locais e de base da CGT e do Solidaires) ou dado passos na auto-organização do movimento (isto é, na criação de organismos de representação direta e sua coordenação democrática) que permitam começar a enfrentar as burocracias sindicais. No entanto, as críticas à estratégia das burocracias sindicais já são generalizadas entre amplas faixas de trabalhadores.
A classe trabalhadora francesa não vive a situação atual como uma derrota. Macron encontra-se isolado e politicamente ferido. Nem ele nem seus ministros podem ir a lugar nenhum sem serem vaiados em massa, sofrer cortes de energia… Há muitos ativistas que pensam que é preciso recuperar forças para em seguida voltar à luta para derrubar a lei. Vamos ver também o que acontece no 1º de maio e o que acontece com as lutas setoriais e, em especial, as lutas por acordos coletivos, dada a grande perda de poder aquisitivo dos salários.
Algumas lições francesas
A grande mobilização francesa teve fortes debilidades, que permitiram a Macron avançar com a lei e persistir na sua aplicação, apesar de nem sequer ter tido maioria para a aprovar no Parlamento. A primeira debilidade básica da luta empreendida é a estratégia das burocracias sindicais que, diante da radicalização do poder, leva necessariamente à derrota. Uma estratégia que consiste na convocação de uma sucessão indefinida de dias de luta, isolados no tempo uns dos outros, que não paralisam o país e que perduram até que os setores mais avançados esgotem suas forças e o povo se canse de ir em massa às manifestações.
Jornadas de mobilização entendida, além disso, como uma pressão respeitosa sobre as instituições da V República: nada de greve geral até a retirada do projeto, nem exigindo a renúncia de Macron e seu governo e denunciando o caráter antidemocrático do regime em nome da vontade avassaladora do povo francês¹. Enquanto isso, a esquerda oficial¹ tem dividido tarefas com as burocracias sindicais, mostrando-se perfeitamente respeitosa com sua estratégia, ao mesmo tempo em que tenta aproveitar o descontentamento popular para captar votos futuros, sempre no marco da submissão às instituições antidemocráticos da V República. Mas a batalha pelas pensões mostrou que para derrotar a reforma de Macron é necessário acabar com Macron, atacar a V República e abrir uma perspectiva de classe e democrática. Contra Macron e contra a extrema-direita de RN de Le Pen.
Tampouco a extrema brutalidade policial encontrou resposta em uma autodefesa das manifestações organizadas desde o próprio movimento.
Outro aspecto relevante é a ausência de solidariedade internacional, fator muito importante para dobrar o braço de Macron. As burocracias sindicais europeias opõem-se à organizá-la e, mais ainda, à apresentar uma luta unificada por objetivos comuns a nível da UE, quando é a própria UE que está diretamente envolvida na ofensiva europeia contra as pensões e, de um modo mais geral, contra os direitos trabalhistas e os serviços públicos. No entanto, a solidariedade internacionalista e a luta unificada são necessidades vitais do movimento operário europeu. Na história da UE, ainda que limitada, a única greve pan-europeia ocorreu em 14 de novembro de 2012, com a participação de trabalhadores do Estado Espanhol, Portugal e Itália e mobilizações na França, Grécia e parte da Bélgica.
A luta contra a reforma da previdência também se combinou com a mobilização, convocada pelo movimento Soulevements de la Terre, em defesa da água em Saint Soline (Poitou), que também foi um pronunciamento maciço contra a reforma de Macron. Estamos, talvez, diante da maior mobilização ambiental do continente, com muitos milhares de participantes e uma repressão policial verdadeiramente brutal (mais de 200 feridos, dois deles em coma). Esta luta colocou em evidencia a enorme importância da luta contra o aquecimento global e em defesa do meio ambiente, a necessidade da classe trabalhadora assumir o protagonismo nela e a urgência de coordenar o movimento em nível europeu para dar uma resposta comum.
A solidariedade ao povo ucraniano
Agora que os governos europeus pressionam o governo Zelensky para negociar “paz por territórios” e preparam a colonização da Ucrânia usando a UE, é uma tarefa central dar continuidade e ampliar a solidariedade ao povo ucraniano e, em particular, aos trabalhadores que estão na vanguarda da luta nas Defesas Territoriais.
Os governos europeus, liderados pela Alemanha e França, com a desculpa da guerra, iniciaram uma corrida armamentista desenfreada que nada tem a ver com o apoio militar à Ucrânia, que não recebe as armas que necessita e que, quando chegam, é tarde, são escassas e velhas, enquanto os governos não hesitam em renovar e ampliar seu arsenal.
É por isso que, enquanto exigimos que os governos imperialistas entreguem à Ucrânia as armas de que necessita, lutamos contra a corrida armamentista que travaram à custa das necessidades do povo e exigimos a dissolução da OTAN e dos blocos militares, ainda mais quando os EUA já apostam na integração da Ucrânia na OTAN.
É muito importante prosseguir com a solidariedade ativa e direta com os setores do movimento operário ucraniano que estão na vanguarda e que sofrem, ao mesmo tempo, a ofensiva de Zelensky contra os direitos dos operários. A solidariedade mais genuína é aquela que ocorre entre a própria classe trabalhadora.
Descartamos qualquer falsa esperança de que a paz e a prosperidade da Ucrânia possam vir dessas aves de rapina que são os EUA, a UE e seus governos, cujas empresas estão se preparando para se apropriar em massa dos recursos e do patrimônio ucraniano assim que um armistício for assinado com a Rússia.
Com os imigrantes, por seus direitos
Os planos anti-imigração do governo de extrema-direita de Meloni na Itália são um excelente exemplo da envergadura do problema da imigração no conjunto da Europa. A selvageria do governo grego e da sua criminosa Guarda Costeira, o drama das cercas de Melilla do governo espanhol “progressista” ou a xenofobia raivosa do governo dinamarquês são expressões da mesma política reacionária. Tudo isto apoiado e patrocinado pela UE.
Ao mesmo tempo, o governo italiano, como outros governos como o espanhol ou o francês e a própria UE, subcontrata governos autoritários (ou diretamente máfias como a guarda costeira líbia) para perseguir migrantes nos países de trânsito ou de origem, sujeitando-os a condições de extrema crueldade. É por isso que é necessário, em primeiro lugar, denunciar as leis de imigração, acabar com elas e exigir a legalização dos migrantes sem documentos e a igualdade de direitos com os nacionais.
Levantar a bandeira do internacionalismo e construir uma internacional revolucionária
Se existe algo que estamos atrasados na Europa, é na resposta internacionalista, frente a uma UE que, ao contrário, é uma máquina perfeitamente engraxada para unificar os ataques do capital contra a classe trabalhadora do continente. Toda a esquerda oficial, incluindo a “nova esquerda progressista”, está submetida à UE e nada fará contra os tratados neoliberais ou as diretrizes antioperárias da UE.
No calor das mobilizações concretas e da luta por uma solidariedade internacionalista efetiva, temos de retomar a tradição revolucionária e hastear a bandeira de uma outra Europa, a dos trabalhadores e dos povos, a dos Estados Unidos Socialistas da Europa, que só podemos erguer sobre as ruínas da Europa do Capital, isto é a UE.
E para abrir essa perspectiva nas batalhas atuais, temos que dar passos na construção de partidos revolucionários em cada país e de uma internacional revolucionária. Nessa batalha estamos engajados na Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI).
NOTAS DE RODAPÉ
1. Embora deva ser destacado aqui, por sua importância, o poderoso dia de greve do setor público alemão pelos salários, que paralisou o país em 27 de março e reflete um forte descontentamento e uma alta disposição para lutar entre os trabalhadores.
2. Não admira que a UE tenha conferido à energia nuclear e ao gás a categoria de “energia verde”!
3. A burocracia da CGIL também colabora na tarefa, convidando Meloni para seu recente congresso nacional.
4. As pesquisas têm mostrado consistentemente o resultado de uma maioria de 94% dos assalariados e 70% da população como um todo, contrária ao projeto de Macron.
5 Referimo-nos à França Insubmissa e não ao PS, um semi-cadáver político depois de ter protagonizado várias das piores ofensivas anti-operárias desde a Segunda Guerra Mundial e de ter apoiado (como os outros partidos socialistas europeus) os tratados neoliberais e as piores medidas de austeridade da UE.
Europa: mobilização na França, guerra na Ucrânia, estagnação econômica
A situação europeia está efetivamente marcada por essas três grandes questões: a guerra de Putin contra a Ucrânia, a grande mobilização social na França e a estagnação econômica que o continente atravessa. Uma estagnação acompanhada de forte inflação e um sistema financeiro em crise (Credit Suisse, Deutsche Bank) que poderia levar a uma recessão generalizada.
Na verdade, não podemos falar da situação europeia como algo homogêneo. A Europa é, ao contrário, um emaranhado de países com posições muito distintas na hierarquia entre os Estados e com conjunturas sociopolíticas muito diferentes.
Por: Felipe Alegría, LIT-QI
No terreno da mobilização social, pouco tem a ver a França ou a Grã-Bretanha, atravessadas por grandes mobilizações de trabalhadores, com o clima de “paz social” que o resto do continente vive¹. A onda de greves nos últimos meses na França e Grã-Bretanha é a maior dos últimos 30-40 anos. A classe trabalhadora britânica luta desde o verão passado para recuperar o poder aquisitivo de seus salários devorados pela inflação e em defesa dos serviços públicos, duramente atacados pelos governos conservadores. Os setores de vanguarda da luta são os trabalhadores do metrô e dos transportes, da saúde e da educação.
Na França, a luta contra a reforma da previdência foi o estopim de uma ampla e generalizada mobilização, refletida em 12 jornadas nacionais de luta, bem como inúmeras ações e bloqueios em todo o país, com centenas de ativistas envolvidos, depois que Macron aprovou a lei passando por cima do próprio parlamento francês (artigo 49.3). A vanguarda da luta foram os trabalhadores das refinarias, da produção e distribuição de eletricidade, ferroviários e garis, com suas greves continuadas (“reconduzíveis”).
A heterogeneidade da mobilização social entre os referidos países não se explica apenas por razões “objetivas”, mas, sobretudo, pela atuação das grandes burocracias sindicais europeias, integradas até o pescoço no aparato neoliberal da UE e de seus governos e com uma política consciente de sufocar as lutas em seus países e impedir respostas unificadas em escala europeia.
O papel da União Europeia (UE)
A heterogeneidade europeia ocorre, no entanto, no marco comum da UE, esse aparato institucional paraestatal que abrange a maioria do continente: composto por 27 países muito diversos; dominada pela Alemanha e pela França, as duas grandes potências imperialistas da UE, e gerida por uma alta burocracia estranha à vontade dos povos europeus e alheia às próprias normas da democracia liberal que tanto proclamam.
A UE é o instrumento por meio do qual Alemanha e França aglutinam ao seu redor, por um lado, países imperialistas de segunda categoria, como Itália, Espanha ou Bélgica, cujo peso internacional depende da sua integração na UE e, por outro, países cujo status comum é o de uma semicolônia, como são, desde sua incorporação os países do Leste Europeu ou a Grécia desde a crise da dívida.
Alemanha e França precisam desse bloco continental para preservar uma relativa autonomia em relação aos EUA e China e evitar serem esmagados em sua disputa global. Por outro lado, através da UE, as grandes corporações germano-francesas impõem seus planos ao conjunto dos estados membros (com a cumplicidade de suas respectivas classes dirigentes). A UE foi fundamental para permitir que os governos dos estados membros pudessem impor as brutais contrarreformas posteriores à crise de 2008. Seu apoio ao Estado Espanhol em seu ataque contra o movimento independentista catalão também foi decisivo.
O impacto da guerra da Ucrânia
A guerra de agressão nacional de Putin contra a Ucrânia levou até agora a nítidos ganhos geoestratégicos para os EUA, em detrimento da Alemanha e França: o primeiro deles é a ruptura do pacto energético entre Alemanha e Rússia ou, o que é o mesmo, o gás russo barato que formava uma das bases sobre a qual se assentava o domínio econômico da Alemanha na UE e seu papel à escala global. Esta ruptura beneficia também os grupos energéticos estadunidenses, que se tornaram os principais fornecedores de gás para a Europa, onde fixam um preço muito mais elevado do que em seu mercado doméstico. Para piorar, agregue-se as leis protecionistas estadunidenses dos chips e contra a inflação, que prejudicam seriamente os oligopólios europeus frente aos estadunidenses.
Outra consequência fundamental da guerra na Ucrânia foi o fortalecimento da OTAN, ou seja, do peso militar e político dos EUA na Europa. Isso é atestado pelas recentes palavras do primeiro-ministro polonês Morawiecki em Washington, que apresentou seu país como o principal defensor da “nova Europa” aliada incondicional dos Estados Unidos (“a velha Europa acreditava em um acordo com a Rússia e a velha Europa fracassou”). O caso da Polônia mostra um país economicamente submetido à Alemanha e, ao mesmo tempo, política e militarmente um aliado preferencial dos Estados Unidos.
A ruptura do pacto energético Berlim-Moscou, juntamente com as agressivas políticas protecionistas estadunidense, enfraquecem a força da Alemanha como potência global e dão origem a reações unilaterais, como o seu macro plano de apoio às empresas, alheio aos planos da UE.
França, a outra grande potência europeia, desliza de forma ainda mais evidente para o abismo da decadência. Não só sua economia se enfraquece, mas também o seu papel imperialista global. A chamada Françafrique se desintegra. A recente e humilhante retirada das tropas francesas do Mali, depois do Burkina Faso e da República Centro-Africana, é uma expressão nítida disso, enquanto a China ocupa o espaço econômico e a Rússia penetra com os mercenários de Wagner. Tudo combinado com a imensa crise de legitimidade da V República (envolta numa interminável deriva bonapartista, com graves ataques às liberdades democráticas e um parlamento irrelevante), exacerbada ao extremo no atual conflito contra a reforma da previdência de Macron.
Alemanha e França, embora condenadas a manter sua aliança e preservar a UE frente ao desafio de EUA e China, mantêm diferenças importantes: a Alemanha não perde o sono com as preocupações francesas na África e em suas colônias ultramarinas. E no campo energético, enquanto a Alemanha está ligada ao gás, a França está ligada à energia nuclear¹. Por outro lado, a Alemanha, quebrando uma tradição que vinha desde a derrota do nazismo, resolveu se tornar uma grande potência militar. A França, que é uma potência nuclear e até agora a grande potência militar da UE, decidiu, em plena batalha das pensões, relançar o seu rearmamento, com um aumento impressionante das despesas militares (413.000 bilhões em seis anos), a fim de alimentar a sua poderosa indústria militar e manter a sua superioridade neste campo.
Ambas as potências, diante da agressiva ofensiva dos EUA contra a China, lutam para manter uma relação “autônoma”, que preserve suas relações comerciais e seus grandes investimentos na China, decisivos para suas economias. Macron, em sua recente visita a Pequim, além de defender a “autonomia estratégica europeia” e assinar contratos suculentos, declarou que “ser aliado [dos EUA] não significa ser vassalo” e que os europeus não devem “ser seguidistas” ou “se adaptar ao ritmo estadunidense [sobre Taiwan]”. Poucos meses antes, foi Scholz, acompanhado da nata da indústria alemã, quem visitou Xi Jinping, organizou investimentos e se comprometeu a aprofundar as relações econômicas.
Onde estão os alardeados “valores europeus”?
Os alardeados “valores europeus” (direitos democráticos e Estado de bem estar social) apregoados pela UE são cada vez mais uma casca vazia. É o que vemos num dos seus países centrais, a França: na atuação de Macron contra um dos pilares do Estado de bem estar social, como a aposentadoria; em ataques ao direito de greve (via requisições); na brutal repressão aos manifestantes. A atuação bonapartista das instituições da V República francesa na reforma da previdência também expôs o charlatanismo da UE e dos seus governos quando se vangloriam para o mundo de serem um exemplo de “Estado de direito”.
A UE, a paladina da “paz”, aprovou um grande fundo europeu para apoiar financeiramente os compromissos armamentistas da Alemanha, França e, na esteira deles, os outros estados membros.
É também esta UE que legitima o governo italiano de extrema-direita de Meloni¹ e a sua política migratória, racista e xenófoba, que se encaixa como uma luva à política migratória geral da UE e suas “devoluções à quente”, responsáveis pela morte de milhares e milhares de migrantes no Mediterrâneo (e na rota das Ilhas Canárias). De migrantes forçados a deixar suas terras por guerras, fome e miséria em grande medida como resultado da pilhagem a que seus países são submetidos por empresas de países imperialistas, em grande parte europeias.
A UE concordou que, a partir de 2024, porá fim à “flexibilidade fiscal” que acordou como consequência da conjuntura econômica gerada pela guerra na Ucrânia e que retomará, atualizada, as “políticas de ajuste”. Estas afetarão de forma especialmente grave, como aconteceu durante a crise da dívida pós-2008, aos países da periferia, mais endividados e dependentes do Banco Central Europeu (BCE), cujos governos serão “obrigados” a adotar duras políticas de austeridade.
O declínio da Alemanha e França enfraquece o seu papel como espinha dorsal que deve disciplinar o resto dos países da UE. Vemos isso nas contradições entre os governos diante da guerra na Ucrânia ou da relação com a Rússia, os EUA ou a China. O problema migratório é também um grave conflito interno, com os países mediterrânicos tentando em vão “dividir” o problema com o conjunto a UE. A política energética também é uma fonte de atrito entre a Alemanha e seus aliados mais próximos e o resto dos países. Uma aceleração da crise só pode acentuar essas contradições.
Onde estamos?
A classe trabalhadora francesa e britânica é, juntamente com o povo da Ucrânia (que resiste heroicamente, após mais de 14 meses de guerra de agressão de Putin, com as Defesas Territoriais, formadas por trabalhadores, à frente) são a vanguarda da luta de classes na Europa.
A mobilização contra a reforma da previdência na França, apesar da solidariedade ativa europeia ter sido basicamente reduzida à Bélgica, mudou o clima do continente. Isso se refletiu na massividade da jornada de greves alemã de 27 de março e na simpatia geral que essa luta despertou na classe trabalhadora em toda a Europa. Na Grã-Bretanha há cartazes nas ruas defendendo fazer como os franceses: “Be more French“. (“Seja mais francês”).
Ao mesmo tempo, é igualmente verdade que a luta da classe trabalhadora francesa contra a reforma da previdência, após a aprovação da lei, entrou em uma situação de refluxo, com as greves reconduzíveis dos setores de vanguarda terminando por seu isolamento e falta de fundos de resistência suficientes. A estratégia da Intersindical (cúpula das burocracias sindicais) deixou a classe trabalhadora exausta, sem ter, por enquanto, desenvolvido um processo de coordenação da esquerda sindical (setores locais e de base da CGT e do Solidaires) ou dado passos na auto-organização do movimento (isto é, na criação de organismos de representação direta e sua coordenação democrática) que permitam começar a enfrentar as burocracias sindicais. No entanto, as críticas à estratégia das burocracias sindicais já são generalizadas entre amplas faixas de trabalhadores.
A classe trabalhadora francesa não vive a situação atual como uma derrota. Macron encontra-se isolado e politicamente ferido. Nem ele nem seus ministros podem ir a lugar nenhum sem serem vaiados em massa, sofrer cortes de energia… Há muitos ativistas que pensam que é preciso recuperar forças para em seguida voltar à luta para derrubar a lei. Vamos ver também o que acontece no 1º de maio e o que acontece com as lutas setoriais e, em especial, as lutas por acordos coletivos, dada a grande perda de poder aquisitivo dos salários.
Algumas lições francesas
A grande mobilização francesa teve fortes debilidades, que permitiram a Macron avançar com a lei e persistir na sua aplicação, apesar de nem sequer ter tido maioria para a aprovar no Parlamento. A primeira debilidade básica da luta empreendida é a estratégia das burocracias sindicais que, diante da radicalização do poder, leva necessariamente à derrota. Uma estratégia que consiste na convocação de uma sucessão indefinida de dias de luta, isolados no tempo uns dos outros, que não paralisam o país e que perduram até que os setores mais avançados esgotem suas forças e o povo se canse de ir em massa às manifestações.
Jornadas de mobilização entendida, além disso, como uma pressão respeitosa sobre as instituições da V República: nada de greve geral até a retirada do projeto, nem exigindo a renúncia de Macron e seu governo e denunciando o caráter antidemocrático do regime em nome da vontade avassaladora do povo francês¹. Enquanto isso, a esquerda oficial¹ tem dividido tarefas com as burocracias sindicais, mostrando-se perfeitamente respeitosa com sua estratégia, ao mesmo tempo em que tenta aproveitar o descontentamento popular para captar votos futuros, sempre no marco da submissão às instituições antidemocráticos da V República. Mas a batalha pelas pensões mostrou que para derrotar a reforma de Macron é necessário acabar com Macron, atacar a V República e abrir uma perspectiva de classe e democrática. Contra Macron e contra a extrema-direita de RN de Le Pen.
Tampouco a extrema brutalidade policial encontrou resposta em uma autodefesa das manifestações organizadas desde o próprio movimento.
Outro aspecto relevante é a ausência de solidariedade internacional, fator muito importante para dobrar o braço de Macron. As burocracias sindicais europeias opõem-se à organizá-la e, mais ainda, à apresentar uma luta unificada por objetivos comuns a nível da UE, quando é a própria UE que está diretamente envolvida na ofensiva europeia contra as pensões e, de um modo mais geral, contra os direitos trabalhistas e os serviços públicos. No entanto, a solidariedade internacionalista e a luta unificada são necessidades vitais do movimento operário europeu. Na história da UE, ainda que limitada, a única greve pan-europeia ocorreu em 14 de novembro de 2012, com a participação de trabalhadores do Estado Espanhol, Portugal e Itália e mobilizações na França, Grécia e parte da Bélgica.
A luta contra a reforma da previdência também se combinou com a mobilização, convocada pelo movimento Soulevements de la Terre, em defesa da água em Saint Soline (Poitou), que também foi um pronunciamento maciço contra a reforma de Macron. Estamos, talvez, diante da maior mobilização ambiental do continente, com muitos milhares de participantes e uma repressão policial verdadeiramente brutal (mais de 200 feridos, dois deles em coma). Esta luta colocou em evidencia a enorme importância da luta contra o aquecimento global e em defesa do meio ambiente, a necessidade da classe trabalhadora assumir o protagonismo nela e a urgência de coordenar o movimento em nível europeu para dar uma resposta comum.
A solidariedade ao povo ucraniano
Agora que os governos europeus pressionam o governo Zelensky para negociar “paz por territórios” e preparam a colonização da Ucrânia usando a UE, é uma tarefa central dar continuidade e ampliar a solidariedade ao povo ucraniano e, em particular, aos trabalhadores que estão na vanguarda da luta nas Defesas Territoriais.
Os governos europeus, liderados pela Alemanha e França, com a desculpa da guerra, iniciaram uma corrida armamentista desenfreada que nada tem a ver com o apoio militar à Ucrânia, que não recebe as armas que necessita e que, quando chegam, é tarde, são escassas e velhas, enquanto os governos não hesitam em renovar e ampliar seu arsenal.
É por isso que, enquanto exigimos que os governos imperialistas entreguem à Ucrânia as armas de que necessita, lutamos contra a corrida armamentista que travaram à custa das necessidades do povo e exigimos a dissolução da OTAN e dos blocos militares, ainda mais quando os EUA já apostam na integração da Ucrânia na OTAN.
É muito importante prosseguir com a solidariedade ativa e direta com os setores do movimento operário ucraniano que estão na vanguarda e que sofrem, ao mesmo tempo, a ofensiva de Zelensky contra os direitos dos operários. A solidariedade mais genuína é aquela que ocorre entre a própria classe trabalhadora.
Descartamos qualquer falsa esperança de que a paz e a prosperidade da Ucrânia possam vir dessas aves de rapina que são os EUA, a UE e seus governos, cujas empresas estão se preparando para se apropriar em massa dos recursos e do patrimônio ucraniano assim que um armistício for assinado com a Rússia.
Com os imigrantes, por seus direitos
Os planos anti-imigração do governo de extrema-direita de Meloni na Itália são um excelente exemplo da envergadura do problema da imigração no conjunto da Europa. A selvageria do governo grego e da sua criminosa Guarda Costeira, o drama das cercas de Melilla do governo espanhol “progressista” ou a xenofobia raivosa do governo dinamarquês são expressões da mesma política reacionária. Tudo isto apoiado e patrocinado pela UE.
Ao mesmo tempo, o governo italiano, como outros governos como o espanhol ou o francês e a própria UE, subcontrata governos autoritários (ou diretamente máfias como a guarda costeira líbia) para perseguir migrantes nos países de trânsito ou de origem, sujeitando-os a condições de extrema crueldade. É por isso que é necessário, em primeiro lugar, denunciar as leis de imigração, acabar com elas e exigir a legalização dos migrantes sem documentos e a igualdade de direitos com os nacionais.
Levantar a bandeira do internacionalismo e construir uma internacional revolucionária
Se existe algo que estamos atrasados na Europa, é na resposta internacionalista, frente a uma UE que, ao contrário, é uma máquina perfeitamente engraxada para unificar os ataques do capital contra a classe trabalhadora do continente. Toda a esquerda oficial, incluindo a “nova esquerda progressista”, está submetida à UE e nada fará contra os tratados neoliberais ou as diretrizes antioperárias da UE.
No calor das mobilizações concretas e da luta por uma solidariedade internacionalista efetiva, temos de retomar a tradição revolucionária e hastear a bandeira de uma outra Europa, a dos trabalhadores e dos povos, a dos Estados Unidos Socialistas da Europa, que só podemos erguer sobre as ruínas da Europa do Capital, isto é a UE.
E para abrir essa perspectiva nas batalhas atuais, temos que dar passos na construção de partidos revolucionários em cada país e de uma internacional revolucionária. Nessa batalha estamos engajados na Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI).
NOTAS DE RODAPÉ
1. Embora deva ser destacado aqui, por sua importância, o poderoso dia de greve do setor público alemão pelos salários, que paralisou o país em 27 de março e reflete um forte descontentamento e uma alta disposição para lutar entre os trabalhadores.
2. Não admira que a UE tenha conferido à energia nuclear e ao gás a categoria de “energia verde”!
3. A burocracia da CGIL também colabora na tarefa, convidando Meloni para seu recente congresso nacional.
4. As pesquisas têm mostrado consistentemente o resultado de uma maioria de 94% dos assalariados e 70% da população como um todo, contrária ao projeto de Macron.
5 Referimo-nos à França Insubmissa e não ao PS, um semi-cadáver político depois de ter protagonizado várias das piores ofensivas anti-operárias desde a Segunda Guerra Mundial e de ter apoiado (como os outros partidos socialistas europeus) os tratados neoliberais e as piores medidas de austeridade da UE.
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Tradução: Néa Vieira