sex jul 26, 2024
sexta-feira, julho 26, 2024

A linha estratégica da revolução proletária

Autor: Bolcheviques-Leninistas (Oposição de Esquerda na ex URSS), escrito em 1932.

Consulte a introdução de Marcos Margarido sobre a origem e conteúdo deste texto

A crise da Revolução e as tarefas do proletariado

Seção I

LINHA ESTRATÉGICA DA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA

Conteúdo:

Introdução

Capítulo I. A Teoria da Revolução Permanente e os Problemas de Construção na URSS

Capítulo II. O Socialismo Nacional e a Revolução Proletária.

Capítulo III. A atual crise da revolução e as tarefas estratégicas do proletariado.

INTRODUÇÃO

Na insurreição de outubro, a revolução democrática estava diretamente entrelaçada com a primeira etapa da revolução socialista.

O programa do Partido Bolchevique elaborado por Lenin no 8º Congresso considera a insurreição de outubro como a primeira etapa da revolução mundial, da qual não pode ser separada. O princípio básico da revolução permanente encontra sua expressão nesta afirmação de nosso programa: “Esta é a maior dificuldade da revolução russa, seu maior problema histórico – a necessidade de resolver problemas internacionais, … efetuar a transição de nossa revolução estritamente nacional para a revolução mundial”. A caracterização de Lenin das tarefas da revolução nacional foi plenamente justificada em todas as etapas posteriores de seu desenvolvimento. Todas as principais dificuldades e contradições da revolução nacional foram baseadas nas contradições entre o caráter internacional da revolução e o caráter nacional da construção socialista no país. Por isso, Lenin repetiu incansavelmente que “nossa salvação de todas essas dificuldades está na revolução europeia” e que “estamos longe de ter completado até mesmo o período de transição do capitalismo para o socialismo. Nunca alimentamos a esperança de que poderíamos terminá-lo sem a ajuda do proletariado internacional[1] (Lenin). Estas declarações leninistas, que formam a base da teoria da revolução permanente, determinam a linha estratégica do marxismo-bolchevismo. Ela é oposta pela teoria do socialismo em um país, que abençoa a revolução nacional como algo perfeito, divorciando-a da revolução internacional e é a base estratégica do socialismo nacional.

Capítulo I

A teoria da revolução permanente e os problemas da construção socialista na URSS

1) A premissa básica da teoria da revolução permanente é expressa nas palavras de Lenin: “Como a indústria em grande escala existe em escala mundial, não há dúvida de que uma transição direta para o socialismo é possível – e ninguém negará este fato…[2] (Vol.18, cap. 1 p. 435).

Isto elimina a questão se os países são individualmente maduros ou imaturos para o socialismo. Para uma transição vitoriosa para a revolução socialista em qualquer país tecnicamente atrasado e camponês, é apenas necessário que o proletariado desse país, de acordo com seu papel social-histórico, consiga liderar uma revolução democrática nacional e derrubar a burguesia no poder. Entretanto, o que se segue deste ponto de partida é que a revolução proletária vitoriosa na Rússia é apenas um elo na cadeia internacional da economia mundial e da divisão internacional do trabalho. Existimos na cadeia de Estados capitalistas como um elo da economia mundial e, consequentemente, “a avaliação correta da revolução proletária só é possível sob a perspectiva internacional” (Lenin).

2) O equilíbrio dinâmico da economia soviética não pode ser considerado como o de uma economia fechada e autossuficiente. A economia da URSS está se desenvolvendo sob a pressão da economia mundial; ela entrou no sistema da divisão internacional do trabalho e é uma parte muito peculiar, mas integral do mercado mundial “ao qual estamos subordinados e do qual não podemos romper” (Lenin). Internamente, o equilíbrio econômico é mantido através do processo de exportação e importação. Quanto mais a economia soviética se envolve no sistema de divisão internacional do trabalho, mais direta e imediatamente os elementos da economia soviética, tais como preço e qualidade, tornam-se dependentes dos elementos correspondentes do mercado mundial. Ao mesmo tempo, a economia soviética está em constante luta com o sistema capitalista mundial … As conexões [ilegível] com o mercado mundial agravam esta luta. Sob estas condições, a força de nossa resistência à pressão econômica e político-militar do capital mundial determina a direção de nosso desenvolvimento econômico. Mas, não somos livres para escolher nosso ritmo. Ele é determinado, por um lado, pelas condições materiais do próprio [ilegível] produtivo e, por outro, pela necessidade de alcançar e superar os países capitalistas avançados, como está escrito em nossa plataforma: “Na longa luta entre dois sistemas sociais irreconciliavelmente hostis – capitalismo e socialismo – o resultado será determinado, em última análise, pela produtividade relativa do trabalho sob cada sistema. E isto, em condições de mercado, será medido pela relação entre nossos preços domésticos e os preços mundiais[3]. A preservação da proporcionalidade dinâmica da economia e, simultaneamente, o aceleramento de seu próprio desenvolvimento, assegurando que os elementos socialistas prevaleçam sobre os capitalistas, só podem ser alcançados se contarmos com as vantagens da economia planejada socialista.

Utilizaremos os recursos decorrentes da divisão global do trabalho em nosso benefício.

3) Como – na presença de uma economia mundial interconectada e de uma divisão mundial do trabalho – não haja um único país (mesmo o mais avançado), que tenha uma grande indústria universalmente desenvolvida, capaz de garantir a construção do socialismo em um quadro nacional fechado (tal indústria, que garanta a construção do socialismo, existe apenas em escala mundial), então o proletariado, no interesse do aumento da produtividade do trabalho, é forçado, simultaneamente com o fortalecimento das relações de comércio exterior, a permitir, dentro de certos limites, o desenvolvimento do capitalismo no país (concessões, [ilegível] … mistas, mercado interno). É também daqui que vem a NEP, como forma de conexão econômica entre a grande indústria e as massas de pequenos produtores agrícolas dispersos, e que nos é ditada pelo sistema da economia mundial moderna.

Assim, acontece que: “Nossa ordem social baseia-se não apenas na luta entre socialismo e capitalismo, mas, sob certos limites, também em sua cooperação” (Trotsky). Nestas condições, a tarefa principal é: “direcionar o desenvolvimento inevitável do capitalismo (em determinado grau e período) para os canais do capitalismo de Estado … assegurar sua transformação em socialismo num futuro próximo … e fortalecer as relações econômicas reguladas pelo Estado contra a anarquia das relações pequeno-burguesas[4] (Lenin), ou seja: subordinar o elemento pequeno-burguês à responsabilidade e controle do Estado e preparar condições para a industrialização e coletivização, com base na eletrificação, porque: “Se não houver eletrificação, um retorno ao capitalismo é inevitável em qualquer situação[5] (Lenin).

4) Todos os processos econômicos básicos na URSS não estão … [ilegível] em conexão com … [corte de margem de página] “e estão sujeitos, em um grau ou outro, às leis que regem o desenvolvimento do capitalismo, incluindo a mudança de conjunturas” (Trotsky). Isto cria uma peculiar interligação e conexão recíprocas de contradições internas e externas. As contradições internas estão inextricavelmente ligadas às externas por um nó. É impossível superar as primeiras sem resolver as segundas. A impossibilidade de construir uma economia socialista autossuficiente reproduz, a cada nova etapa, as contradições internas e externas da construção socialista em volume e profundidade ainda maiores. Assim, as contradições do desenvolvimento da URSS levam, em última instância, às contradições entre o estado operário isolado e o mundo capitalista que o cerca. A superação completa de todas essas contradições só é possível por meio da revolução mundial.

5) A construção socialista da URSS é baseada em uma luta de classes contínua e agravada em escalas nacional e internacional. A revolução proletária, ao contrário de todas as outras revoluções, procura não perpetuar o domínio de qualquer classe, mas destruir todas as classes. Como um processo contínuo, ela não pode deter-se em uma fase formal, impedindo a sociedade de encontrar seu equilíbrio – ela está em fase de declínio e deve, simultaneamente, preparar os elementos para uma futura ascensão em uma base mais elevada do que aquela alcançada na ascensão anterior. Todo o desenvolvimento ocorre em contínuos confrontos entre os vários setores de classes em uma sociedade em reestruturação, e em uma fase de luta sem fim, onde todas as relações sociais são refeitas. “Enquanto existirem operários e camponeses como classes, o socialismo permanece impraticável e, na prática e a cada passo, ocorre uma luta irreconciliável” (Lenin). Entretanto, os métodos e formas desta luta entre o proletariado e os camponeses devem diferir daqueles que o proletariado utilizou tanto contra os capitalistas quanto contra os latifundiários.

Mas também adquirem a forma de um acordo “equilibrado” entre estas classes com base na hegemonia do proletariado. Este acordo é alcançado através de certas concessões ao campesinato “na determinação dos métodos para realizar a transformação socialista” (programa do Partido Comunista da União Soviética) nos limites do curso da abolição das classes e para fortalecer o poder do proletariado. A maneira de superar o campesinato como “a última classe capitalista” não é por meio de sua … [ilegível] administrativa por métodos de apropriação, mas por meio da influência [ilegível] da grande indústria sobre o setor agrícola. O acordo com o campesinato deve ser uma das medidas destinadas à abolição das classes, ou seja, como um meio para a restauração e o desenvolvimento mais poderoso da grande indústria e para a remodelação social do próprio campesinato. “Mas, esta tarefa (a eliminação completa da contradição entre cidade e a aldeia) – uma das tarefas básicas do socialismo – exigiria, por sua vez, a utilização dos recursos da economia mundial [em uma medida até então desconhecida[6]][7] (Trotsky, Problemas do Desenvolvimento da URSS). Esta tarefa só pode ser total e completamente resolvida no âmbito da indústria mundial, ou seja, após a vitória dos operários dos países avançados. Antes desta vitória, “a questão principal para nós continua sendo o estabelecimento correto da relação entre o proletariado e o campesinato, correto do ponto de vista da abolição das classes” (Lenin).

6) Como o sistema capitalista domina a arena mundial, milhares de fios conectam o capitalismo mundial com a pequena produção de mercadorias, que gera continuamente o capitalismo em grande escala. Portanto, o desenvolvimento da luta de classes no país está intimamente ligado e condicionado pelo curso geral da luta de classes internacional. A questão “quem é quem”, mesmo que apenas da perspectiva das relações mútuas internas, não pode ser resolvida pela relação numérica da economia privada com a economia estatal na URSS. Ela está sendo resolvida pela relação entre capitalismo e socialismo na arena mundial. Se o sistema capitalista se mostrasse capaz de se manter por toda uma era, então as tendências da agricultura capitalista inevitavelmente, sob estas condições, atrairiam o camponês médio para seu lado, paralisando a influência do proletariado sobre a aldeia e criando um obstáculo político à construção socialista. Tudo isso levaria à ruptura das relações mútuas entre o proletariado e o campesinato e tornaria inevitável a morte da ditadura do proletariado. Portanto, seguindo o camarada Trotsky, nós afirmamos que: “a revolução proletária pode manter-se em seu quadro nacional apenas por um certo período … Em um país isolado, paralelamente a seus sucessos, as contradições geradas dentro e fora de seu território crescem inevitavelmente. Se este isolamento continuar, o estado proletário cairá vítima das contradições que o engolfam”. Sua salvação está unicamente na vitória do proletariado dos países avançados. Mas, do ponto de vista da correlação das forças de classe na arena mundial, não temos razões para considerar a vitória do proletariado em outros países como um assunto para um futuro distante.

A derrubada da burguesia mundial em uma luta revolucionária é uma tarefa muito mais real e imediata do que alcançar e ultrapassar a economia mundial sem cruzar as fronteiras da URSS” (Trotsky). Somente aqueles que consideram o fim da ditadura do proletariado inevitável, ou mesmo provável nesta fase da história, podem “acreditar na firmeza do capitalismo mundial ou em sua longevidade. A oposição de esquerda não tem nada em comum com tal otimismo capitalista[8] (Trotsky). Portanto, a oposição leninista não considera uma ruptura com o campesinato objetivamente inevitável nesta fase histórica. Tal ruptura – e, consequentemente, o fim da ditadura do proletariado nesta fase histórica – só pode resultar de uma política errada da direção.

7) Consciente de que uma ditadura do proletariado só pode ser mantida na estrutura nacional por algum tempo e que, portanto, a tarefa principal é transformar a ditadura do proletariado de nacional para internacional, a oposição leninista nunca ignorou a necessidade de estabelecer um acordo com os camponeses médios, nunca enfraquecendo por um momento a luta contra os kulaks e apoiando-se apenas nos camponeses pobres: “A tarefa interna do país é, ao nos fortalecermos com uma política de classe adequada e através de relações adequadas da classe operária com os camponeses, avançar o máximo possível no caminho da construção socialista. Os recursos internos da União Soviética são enormes e tornam isto inteiramente possível. Ao utilizar nestas condições o mercado capitalista mundial [para este mesmo propósito], nós atamos nossos cálculos históricos fundamentais ao desenvolvimento [ilegível no texto original] posterior da revolução proletária mundial[9], diz a Plataforma de 1927.

As etapas do desenvolvimento da revolução na URSS são determinadas em última instância pelas voltas e reviravoltas da revolução mundial, que a oposição leninista sempre considerou como um processo único, “subordinando os interesses da luta proletária em um país aos interesses desta luta em escala mundial” – este é o principal slogan leninista, que define as tarefas estratégicas do proletariado socialista na URSS e é ao mesmo tempo um dos pontos principais da teoria da revolução permanente.

Capítulo II

O socialismo nacional e a revolução proletária

1) A ascensão de um novo tipo de socialismo nacional na Rússia tem suas raízes ideológicas no bolchevismo de direita do período 1905-17. Embora discordando dos mencheviques sobre a questão da avaliação do papel da burguesia na revolução democrática, o bolchevismo de direita também opôs-se resolutamente à tomada do poder proletário em 1905, e confinou nossa revolução às questões democrático-burguesas. Em 1917, durante o período de fevereiro a março, e após a chegada de Lenin, todos os citados em seguida, sem exceção – Kamenev, Rykov, depois Zinoviev e outros bolcheviques de direita – travaram uma luta implacável contra Lenin, finalmente deslizando para a posição de ala esquerda da democracia radical pequeno-burguesa, o que fez Lenin até mesmo colocar a questão: “Há lugar para o bolchevismo de direita em nosso Partido?[10] (Lenin, Obras, V. 11).

2) O sucessor ideológico do bolchevismo de direita, junto à direita atual, é o centrismo stalinista. Na China, Índia, Espanha e em todos os países coloniais e atrasados, e ultimamente também no Japão, o centrismo luta contra a linha estratégica da revolução proletária e da ditadura do proletariado como método fundamental de resolução das tarefas da revolução democrática, prega o slogan agora tornado reacionário da ditadura democrática do proletariado e do campesinato, complementado pela teoria e prática do partido de “dupla composição”; separa a revolução democrática nas colônias da crescente revolução internacional e a vê como uma revolução nacional, enquanto na realidade ela é um elo da cadeia internacional e não constitui um fim em si. Desta forma, o centrismo stalinista dissolve o proletariado na pequena burguesia e subordina-o à burguesia nacional.

3) A teoria do socialismo em um país, proclamada pelos centristas em 1924, e construída sobre a incapacidade de compreender a contradição entre o caráter internacional da revolução proletária e o caráter nacional da construção socialista na URSS, é a linha estratégica do socialismo nacional. Esta teoria baseia-se na visão do campesinato como … [ilegível] possuindo … [ilegível] qualidades socialistas, ou seja, o desejo de “crescer no socialismo”. Assim, independentemente do destino do proletariado em outros países, a superação das contradições internas no país da ditadura proletária e a construção de uma sociedade socialista nacional, conforme a teoria socialista nacional, é proporcionada pelo próprio fato de um acordo com o campesinato. O único obstáculo à construção do socialismo nacional, do ponto de vista desta teoria, só pode ser a intervenção [estrangeira, nota do tradutor].

Assim, enquanto a direita bolchevique não concebeu a tomada do poder pelo proletariado na Rússia antes da Europa Ocidental em 1905, ela promoveu a revolução democrática na Rússia como um fim em e para si mesma em 1917, e rejeitou a ideia de uma ditadura proletária, seus sucessores ideológicos, a ala de centro-direita contemporânea, desde 1924, vê a conquista do poder no âmbito nacional, não como um ato inicial, mas como o ato final da revolução, e proclama que é inteiramente possível construir uma sociedade socialista isolada na URSS como um fim em e para si mesma. A revolução internacional deixou de ser uma condição necessária para a vitória para eles, pois aos seus olhos tornou-se uma mera circunstância favorável.

4) As principais características do socialismo nacional atual são:

a) A restrição da revolução a um quadro nacional. Isto é uma ruptura com o internacionalismo proletário, que exige “a subordinação dos interesses da luta em um país aos interesses desta luta em escala mundial” (Lenin);

b) A separação entre as contradições internas e as contradições da economia mundial, e o fracasso em perceber que os sucessos da construção socialista crescem com suas contradições;

c) A negação da posição de Lenin de que “existimos na cadeia dos Estados capitalistas como um elo da economia mundial” e, em conexão com isto, d) um rumo em direção à autonomia em relação à economia mundial e a criação de uma economia nacional autocontida.

A ruptura com Lenin sobre essas questões marginais levou o socialismo a uma completa conversão, tanto na avaliação das forças motrizes da revolução nacional, que eles deixaram de considerar como um elo na revolução internacional, quanto na avaliação do campesinato médio, que, ao contrário de Lenin, deixaram de considerá-lo “a última classe capitalista do país”.

5) O socialismo nacional, em plena conformidade com a teoria do socialismo em um país, considera a NEP como uma etapa histórica que cria diretamente, através da cooperação com o campesinato, as condições para a plena construção de uma sociedade socialista em um país, independentemente do destino do proletariado em outros países. Inicialmente, a cooperação nas funções de abastecimento em base à pequena produção camponesa, e agora uma total coletivização das cooperativas em base à socialização dos implementos dos camponeses são consideradas suficientes para superar as contradições internas e ajudar o campesinato a crescer no socialismo. As táticas socialistas nacionais da NEP estão em flagrante contradição com a linha estratégica da revolução proletária e estão inteiramente subordinadas à linha estratégica do socialismo nacional – a teoria do socialismo em um país. Para Lenin, a NEP sempre foi apenas uma etapa no caminho da revolução internacional, apenas uma adaptação ao ritmo de seu desenvolvimento. A tática leninista da NEP era preparar – através de uma série de ações lentas e cautelosas – o cerco, e depois lançar uma ofensiva dentro do país, tendo em mente que “a fortaleza do Port Arthur internacional será atingida, pois as forças que a esmagarão estão amadurecendo em todos os países” (Lenin).

Além disso, a passagem à ofensiva não suprime a NEP e seus métodos, mas apenas modifica a forma da relação com o campesinato, já que significa intensificar a luta contra a burguesia camponesa, introduzindo a coletivização e as fazendas estatais, cuja taxa de crescimento é determinada pelo peso ideal da grande indústria, pelo nível de tecnologia e pela extensão de nossos vínculos com a economia mundial. À medida que os processos econômicos internos geram um complexo reflexo político, todos os problemas econômicos básicos da NEP são, antes de tudo, problemas políticos muito complexos de cuja solução depende o destino do Estado operário. Os socialistas nacionais ignoram este conteúdo político dos problemas do NEP.

6) O socialismo nacional na Rússia, que se tornou um instrumento de reação política-social contra as tendências socialistas de outubro, passou por dois períodos de desenvolvimento. Em condições de relativo equilíbrio, na economia e na política do país, quando as principais contradições da revolução ainda estavam: “… pensando”, em termos do chamado “período de recuperação”, o curso do socialismo nacional encontrou sua expressão tática na política de compromisso com os kulaks e de adaptação do desenvolvimento da economia estatal às necessidades e exigências da burguesia camponesa. A cooperação, como mera forma de organização, foi declarada como o caminho para o socialismo. A luta contra a teoria da revolução permanente e o “trotskismo” foi a bandeira ideológica sob a qual os elementos pequenos burgueses foram mobilizados e foi preparada a investida sobre as conquistas socialistas da revolução de outubro. Ao tomar a “ideia do camponês médio” como o critério mais alto da política socialista nacional contra a Oposição [de Esquerda], não só se afastou da posição proletária, mas de fato minou a aliança proletária com o camponês médio. A política do socialismo nacional resumiu-se ao fato de que, no interesse de uma aliança com o “camponês médio” (que, na verdade, para o socialista nacional acabou sendo sinônimo de kulak), minou objetivamente a hegemonia do proletariado, enquanto a oposição leninista enfatiza incansavelmente que a aliança com o camponês médio está sujeita à condição de manter e fortalecer a hegemonia do proletariado.

7) O segundo período de desenvolvimento do socialismo nacional começou quando o país saiu deste equilíbrio relativo e todas as forças latentes que haviam amadurecido no período anterior sob a proteção da política de direita saíram à superfície e expuseram as principais contradições da revolução nacional, revelando a falência total do curso de centro-direita.

Incapaz de mudar para a linha estratégica do proletariado e apoiar-se diretamente na vanguarda proletária e, através dela, nos amplos setores dos operários e dos camponeses pobres, não ousando, ao mesmo tempo, dar uma guinada brusca à direita por medo da resistência proletária que começou a surgir em 1928, a ala centrista do socialismo nacional tentou “adaptar-se ao proletariado, mas sem abandonar a base de princípios de sua política ou, o que é mais importante, sua onipotência[11] (Trotsky). Isto encontrou expressão na tentativa de resolver todas as contradições com um golpe rápido no limite nacional, mas nos rastros de uma aventura ultraesquerdista.

A essência desta aventura foi a política de ritmos aventureiros de industrialização, a abolição da NEP, a eliminação administrativa das classes na aldeia e a coletivização total da agricultura como métodos para construir uma sociedade socialista nacional em 4 anos. Isto colocou toda a política econômica acima dos recursos reais e das relações reais de classes.

Neste caso, estamos tratando de uma política baseada na mesma velha teoria do socialismo em um país, mas em marcha acelerada; um curso para a abolição de classes em uma economia nacional fechada e autossuficiente, levando todas as contradições da aldeia moderna para a fazenda coletiva (kolkhoz), onde elas são reproduzidas sobre uma nova base; negando a diferenciação nas fazendas coletivas; e declarando as fazendas coletivas a priori como empreendimentos socialistas. O centrismo stalinista encobre as tendências agrícolas capitalistas nas fazendas coletivas e relega os camponeses pobres e os trabalhadores agrícolas ao sacrifício e exploração por parte do agricultor abastado das fazendas coletivas.

Tendo perdido o apoio dos kulaks, e não o encontrando na classe trabalhadora, o centrismo stalinista tenta ganhar o apoio do camponês médio da fazenda coletiva, que, de acordo com as decisões do 16º Congresso, deveria tornar-se “o apoio do poder soviético na aldeia” e crescer no socialismo na base econômica da economia pequeno-burguesa, unificada administrativamente pela socialização dos implementos do campesinato.

A pressão burocrática forçando os tempos de industrialização e coletivização, baseada em uma posição teórica falsa [e não verificada pelo pensamento coletivo do partido], significa um acúmulo implacável de desproporções e contradições, principalmente considerando-se as relações mútuas com a economia mundial[12] (Trotsky), por um lado, e considerando-se a relação entre a cidade e o campo, por outro. Como resultado da política do centrismo, testemunhamos um agravamento das relações entre o Estado e o proletariado, entre o proletariado e o campesinato, com uma elevação simultânea da burocracia sobre as classes e um aumento do descontentamento geral.

8) A linha estratégica do socialismo nacional, testada pela experiência dos acontecimentos, provou ser totalmente infundada. Ela coloca o país da ditadura proletária sob o risco de ser destruído e é, ao mesmo tempo, um freio à revolução nos países atrasados e coloniais, arruína e desorganiza a Comintern e paralisa o movimento comunista em todo o mundo: “A Oposição de Esquerda Internacional rejeita e condena categoricamente a teoria do socialismo em um país, criada… [ilegível no original] em 1924 pelos [epígonos, ilegível no original], como a pior reação contra o marxismo, como o principal produto da ideologia termidoriana. O combate irreconciliável ao stalinismo (ou socialismo nacional), que encontrou sua expressão no programa da Internacional Comunista [IC no original], é uma condição necessária para uma estratégia revolucionária correta, tanto nas questões da luta de classes internacional quanto na esfera das tarefas econômicas da URSS[13] (Trotsky).

Capítulo III

A atual crise da revolução e as tarefas estratégicas do proletariado

1) No centro de todas as convulsões do sistema soviético estão entrelaçadas as seguintes contradições históricas cruciais: “(a) a herança das contradições capitalistas e pré-capitalistas da velha Rússia czarista-burguesa, principalmente a contradição entre a cidade e a aldeia; (b) a contradição entre o atraso econômico cultural geral da Rússia e as tarefas de transformação socialista que dialeticamente crescem a partir deste atraso; (c) a contradição entre o Estado operário e a circunvizinhança capitalista, particularmente entre o monopólio do comércio exterior e o mercado mundial[14] (Trotsky). Todas essas contradições, longe de serem de curta duração ou de natureza episódica, desdobraram-se nos últimos nove anos nas condições criadas pelas políticas erradas da direção e pelas derrotas do proletariado mundial desde 1923.

O atraso cultural do país e a predominância da pequena produção na agricultura criaram uma profunda contradição entre os fundamentos materiais da ditadura proletária e sua superestrutura política-social. O burocratismo, erguido sobre esta base, fortaleceu-se e revelou-se como uma “superestrutura construída sobre a situação de isolamento e opressão do pequeno produtor[15] (Lenin) e sobre a falta de cultura das amplas massas operárias, por um lado, e, por outro, como instrumento de luta contra o proletariado e as tendências socialistas da revolução nacional por parte da antiga camada de funcionários estatais pequenos burgueses, que representam fragmentos das classes dirigentes desenvolvidas anteriormente. Já os elementos do topo da burocracia do VKP(b)[16], que caíram, em um grau ou outro, sob a influência dos elementos burgueses do aparato estatal. Eles desenvolveram-se na onda de reação político-social da direção do partido e do país. Ao mesmo tempo, “a burocracia soviética, que representa uma … [amálgama, ilegível no original] do estrato superior do proletariado vitorioso com amplos estratos das classes derrubadas, inclui em si uma… [poderosa, ilegível no original] agência do capitalismo mundial[17] (Trotsky).

A teoria do socialismo em um país atende às necessidades sociais de uma burocracia soviética cada vez mais conservadora em suas aspirações por um regime nacional, e que exige a santificação final da revolução já acabada (que garantiu à burocracia uma posição privilegiada) como supostamente suficiente para a construção pacífica do socialismo.

Existe um antagonismo profundo entre as forças criativas da revolução e a burocracia. A política errada da burocracia centrista, que está em desacordo com os interesses históricos da classe operária, é, há muito tempo, uma das principais fontes do crescimento do burocratismo. A burocracia centrista aproveitou a correlação de forças desfavorável ao proletariado, derrotou o partido leninista … [ilegível], liquidou-o como uma organização independente da vanguarda proletária, estabeleceu a opressão política e econômica sobre o proletariado, liquidou os sindicatos como órgãos de proteção dos interesses dos operários e como uma escola de comunismo, estabeleceu um regime plebiscitário e bonapartista no partido, nos sindicatos e nos sovietes. A liderança centrista, reforçando assim os elementos do duplo poder e inclinando sua política ora ao oportunismo e ora ao aventureirismo, levou o país a uma crise socioeconômica aguda e a uma profunda convulsão política.

2) Só pode haver duas formas de sair da crise da revolução criada por 9 anos de domínio da burocracia partidária e soviética nas condições de reação social e política: 1) ou uma restauração burguesa através de um violento golpe contrarrevolucionário aberto, ou a restauração de uma ditadura proletária plena através de uma profunda reforma do partido, dos sindicatos e dos sovietes. A luta por esta segunda via constitui o núcleo político de toda a luta da oposição leninista como legião russa da Oposição de Esquerda internacional.

3) A principal tarefa do proletariado no campo econômico é realizar um recuo planejado da política aventureira na indústria e na agricultura. Este recuo deve perseguir as seguintes tarefas: 1) Estabelecer planos econômicos realistas que permitam o crescimento constante da economia com base em um equilíbrio dinâmico; 2) Restabelecer a confiança do campesinato no proletariado e no Estado (aliança); 3) Reagrupar forças na cidade e no campo de tal forma que sejam criadas condições para uma futura ofensiva. Somente com o cumprimento destas tarefas o proletariado pode consolidar sua ditadura e manter o caminho do socialismo até a vitória do proletariado em outros países.

4) Um recuo planejado de uma política aventureira também implica um recuo na esfera das relações cidade-aldeia, com métodos de mercado, limitados pela influência rígida e crescente da regulamentação planejada. Mas, este recuo para os métodos do mercado não resolve o problema de como lidar com o camponês médio na esfera política. Graças à política ruinosa da direção, a confiança dos camponeses no resultado do trabalho socialista do proletariado foi minada. É impossível prever se o camponês médio, depois do que a direção centrista lhe fez nos últimos anos, concordará em concluir um acordo com a classe operária com base na NEP – ou se não ficará satisfeito com o “retorno da NEP” e exigirá uma “NEP da NEP” e garantias políticas. A prática e a própria experiência do recuo mostrarão que isto dependerá em primeiro lugar da força da classe operária na luta contra a contrarrevolução Bonapartista, que procurará arrancar as massas camponesas média e pobre de sua influência.

Ao tomar a iniciativa de um recuo da política aventureira, a oposição leninista repete mais uma vez, seguindo Lenin, suas palavras, que deveriam ser a base de nossas relações com os camponeses: “Declaramos aberta e honestamente, sem nenhuma tentativa de enganar os camponeses: para manter o caminho do socialismo, nós, camaradas camponeses, faremos uma série de concessões a vocês, mas somente naqueles limites e extensão que, é claro, julgaremos por nós mesmos qual é essa extensão e quais são seus limites. É assim que se coloca a relação entre o proletariado e o campesinato, ou seja, ou o campesinato chega a um acordo conosco e nós faremos concessões econômicas a eles, ou nós lutamos” (Lenin).[18]

5) Sob a pressão das contradições e dificuldades exacerbadas por sua política atual, a direção centrista será forçada a lançar um recuo espontâneo das posições aventureiras. Entretanto, se o centrismo prevalecer, este recuo inevitavelmente deslocará toda a política na direção de uma NEP política, ou seja, colocará a iniciativa nas mãos dos elementos bonapartistas termidorianos do VKP(b), que já estão elaborando um plano para um acordo bonapartista com o campesinato e o capitalismo mundial.

Para evitar o caminho de recuar a uma “NEP política”, a oposição leninista está travando uma luta intransigente contra a facção centrista governante e está propondo um programa de reivindicações e slogans que garanta uma saída para a atual crise da revolução sobre bases proletárias.

6) Hoje, como na época da Plataforma, “existem neste país duas posições fundamentais que se excluem mutuamente. Uma, a posição do proletariado construindo o socialismo, a outra, a posição da burguesia aspirando a mudar nosso desenvolvimento para linhas capitalistas[19].

A facção dirigente do centrismo stalinista, oscilando entre estas duas posições … [ilegível] em bloco com os Besedowskys[20], “em duas frentes”, mas na realidade principalmente com a oposição leninista. Isto leva a uma situação em que o equilíbrio de forças está cada vez mais na direção das forças bonapartistas termidorianas.

A oposição leninista, por outro lado, é a única representante da posição proletária. Sob condições difíceis, ela continua insistindo na linha estratégica do marxismo-bolchevismo contra o socialismo nacional e vê cada passo de nossa revolução do ponto de vista do desenvolvimento da revolução internacional, ligando seu principal cálculo histórico com ela e somente com ela.

Tradução: Ivan Ivanov


[1]      https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1918/jan/10.htm

[2]      https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1921/dec/27.htm

[3]      Platform of the Joint Opposition. https://www.marxists.org/archive/trotsky/1927/opposition/ch04.htm

[4]      https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1921/apr/21.htm

[5]      https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1921/apr/x01.htm

[6]      Os trechos entre colchetes nesta e demais citações encontram-se nas referências das notas de rodapé, mas não no texto original, ou estão ilegíves no texto original. 

[7]      https://sites.google.com/site/sozialistischeklassiker2punkt0/leon-trotsky/1931/leon-trotsky-problems-of-the-development-of-the-ussr

[8]      Ibid.

[9]      https://www.marxists.org/archive/trotsky/1927/opposition/ch04.htm

[10]    No texto publicado em inglês em https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1917/dec/27.htm lê-se: “‘Bolchevismo de direita’; há lugar para ele em nosso Partido?”.

[11]    https://sites.google.com/site/sozialistischeklassiker2punkt0/leon-trotsky/1931/leon-trotsky-problems-of-the-development-of-the-ussr

[12]    Ibid.

[13]    Ibid.

[14]    Ibid.

[15]    https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1921/apr/21.htm

[16]    Sigla em russo para Partido Comunista da Rússia (bolchevique).

[17]    https://sites.google.com/site/sozialistischeklassiker2punkt0/leon-trotsky/1931/leon-trotsky-problems-of-the-development-of-the-ussr

[18]    Esta citação pode ter sido retirada de um discurso de Lenin no Terceiro Congresso da IC, que diz “Dizemos abertamente aos camponeses que eles devem escolher entre o domínio da burguesia e o domínio dos bolcheviques – nesse caso, faremos todas as concessões possíveis nos limites da retenção do poder e depois os conduziremos ao socialismo. Tudo o mais é engano e pura demagogia. Uma guerra implacável deve ser declarada contra este engano e demagogia”, https://www.marxists.org/archive/lenin/works/1921/jun/12.htm.

[19]    https://www.marxists.org/archive/trotsky/1927/opposition/ch01.htm

[20]    Grigory Besedovsky (1896-1963): diplomata soviético que desertou para a França em 3 de outubro de 1929.

Confira nossos outros conteúdos

Artigos mais populares