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domingo, maio 19, 2024

O envio de tanques e armas para a Ucrânia é insuficiente

A menos de um mês da invasão russa da Ucrânia completar seu primeiro aniversário, e depois de meses de indecisão, os governos da Alemanha e EUA anunciaram que enviarão um punhado de carros de combate para as forças ucranianas.

Por: Daniel Sugasti

Berlim se comprometeu a enviar “rapidamente” cerca de 14 tanques Leopard 2A6. Este blindado, fabricado pela empresa alemã Krauss-Maffei-Wegmann, entrou em serviço em 1979, mas devido à sua permanente atualização, é considerado um dos mais modernos e capazes do mundo, quanto à blindagem, potência, alcance de tiro e mobilidade.

Washington, por sua vez, enviará 31 tanques M1 Abrams à Ucrânia e treinará soldados ucranianos em um terceiro país em seu uso e manutenção. O envio, entretanto, vai demorar “vários meses”. Uma dificuldade adicional reside no fato de que são armas muito sofisticadas, que exigem logística e manutenção difícil de sustentar. Por exemplo, diferente dos Leopard2, movidos a diesel, os Abrams requerem combustível de aviação, muito mais caro.

O Reino Unido contribuirá com 14 tanques Challenger 2. Outros países como a Espanha, Polônia, Finlândia, Noruega, Suécia, Países Baixos e Portugal se mostraram dispostos a enviar tanques Leopard 2 à Ucrânia, depois da autorização do governo alemão. Mas a maioria desses países não especificou quantidades nem prazos de entrega. A França, por sua vez, ainda estuda o envio de tanques Leclerc.

A decisão ocidental de fornecer tanques para reforçar a defesa ucraniana, previsivelmente, foi duramente contestada pela Rússia, não apenas em termos diplomáticos e propagandísticos, mas lançando pelo menos 55 mísseis e 24 drones iranianos sobre infraestruturas básicas de Odesa, Zaporiyia e Kiev. Ao menos 11 pessoas morreram.

As coincidências entre putinismo e pacifismo

Os defensores de Putin, entre eles muitos intelectuais e partidos stalinistas e/ou castro chavistas, não perdem a oportunidade para dizer que o envio de tanques – e qualquer ajuda militar – é a prova de que o verdadeiro embate seria entre os imperialismos reunidos na OTAN e um pretenso Putin “anti-imperialista”.

Esta tese, como explicamos em outras ocasiões, carece de fundamento e não se sustenta, mas é repetida até à exaustão por esse setor para justificar a invasão, e com isso as atrocidades cometidas pelos ocupantes russos, de um país muito menor e mais fraco.

Estamos diante de uma brutal agressão com intenção de conquista e destruição de uma nação historicamente oprimida por consecutivos governos russos, desde o czarismo, o stalinismo e o regime ditatorial de Putin, excetuando unicamente os primeiros anos da Revolução Russa. Não esqueçamos que Putin argumenta que a Ucrânia não deveria existir.

Por conseguinte, a luta do povo ucraniano, da qual a classe operária e amplos contingentes organizados da população civil participam de muitas formas, independentemente do caráter burguês, pró imperialista e corrupto do governo de Zelensky, supõe uma causa legítima, necessária, uma “guerra justa” que requer a solidariedade internacional e todo o apoio material possível. Trata-se, por parte da Ucrânia, de uma guerra de libertação nacional. Esta é a verdadeira natureza da guerra.

Nesse sentido, é equivocada e reacionária a posição de um amplo arco de intelectuais e organizações pacifistas, que se opõem à “guerra”, assim, em geral.

Esta posição, aparentemente “neutra”, na realidade favorece os invasores russos, o lado beligerante mais forte. Especialmente quando, inclusive nos casos em que retoricamente se admite que a agressão russa deva ser condenada e se reconhece o direito à soberania ucraniana, esse setor se opõe a qualquer envio de armas para o mal equipado lado ucraniano. É uma incoerência: como, em meio a uma invasão, os ucranianos poderão defender sua soberania sem as armas necessárias?

Não é necessário ser um especialista na ciência militar para entender que esta posição, no contexto de um choque bélico, só pode contribuir para a derrota do país invadido e mais fraco.

O pacifismo, assumindo ou não uma retórica favorável à Ucrânia, quando rejeita o armamento que a Ucrânia necessita para repelir a invasão e, ao invés disso, confia em uma distante e estéril solução diplomática, faz o jogo de interesses de Putin que, enquanto isso, ocupa e bombardeia sem parar as cidades ucranianas.

É importante perceber que aqueles que, a partir da esquerda, justificam a guerra de Putin ou assumem uma postura pacifista, aparentemente equidistante, na prática concordam com os mais recalcitrantes exponentes da ultradireita mundial, como Steve Bannon ou Donald Trump. Este último manifestou sua oposição frente ao anúncio do envio de tanques: “Primeiro vêm os tanques, depois as armas nucleares”[1]. Devemos entender que a política de “nada de armas para Ucrânia”, em termos práticos, unifica os pacifistas com os putinistas e um amplo leque da ultradireita internacional.

Da nossa parte, desde o começo da invasão russa nos posicionamos inequivocadamente pela derrota de Putin e pela vitória militar da Ucrânia, sem por isso depositar um ápice de confiança no governo de Zelensky nem nos imperialismos reunidos na OTAN.

Consequentemente, exigimos de todos os governos o envio de armas pesadas, defensivas e ofensivas, tanques, aviões de combate e tecnologia militar de ponta, sem condições de nenhuma índole, para que sejam operados pelos próprios ucranianos e ucranianas, alistados no Exército regular ou nas mais variadas formas de resistência operária e popular.

O povo ucraniano é o verdadeiro protagonista desta guerra. Com muito pouco, e apesar de um governo corrupto e conciliador, está conseguido defender sua soberania frente a uma força militar muito superior. Imaginemos o que seria possível se esse povo estivesse bem armado. A saída passa por aprofundar esse antagonismo, encorajando a organização e a mobilização operária e popular dentro da Ucrânia.

A saída não passa pelo pacifismo nem por pedidos de intervenção imperialista. A partir do rechaço aos interesses da OTAN, que deve ser dissolvida, exigimos desses governos o envio de armas pesadas e todo material bélico necessário, sem condições, para que a Ucrânia ganhe a guerra.

A política da OTAN

Isso é o oposto da política implementada pelos EUA e pela União Europeia, reunidos na OTAN.

Desde que a Ucrânia foi invadida por Moscou, os imperialismos ocidentais se dedicaram a declarações retóricas de apoio a Kiev. A pressão da grande resistência ucraniana e de seus próprios povos fez com que enviassem dinheiro, armas e equipamento militar, mas a conta-gotas, muitas vezes material bélico em mau estado e em quantidades insuficientes.

O envio lento e limitado de armas obedece à política de pressionar Putin, mas sem encurralá-lo nem, muito menos, estrangulá-lo, buscando uma eventual negociação na qual o respeito à integridade territorial ucraniana não está garantido.

Esta política explica as últimas decisões dos imperialistas. O alardeado envio de tanques à Ucrânia é, como os demais fornecimentos bélicos, lento e insuficiente.

As forças ucranianas, que combatem em inferioridade de condições frente ao segundo exército mais poderoso do planeta, contam com tanques velhos do período soviético, em sua maioria T-72.

Velhos tanques T-72, utilizados pela Ucrânia. Foto: VASILY MAXIMOV/AFP

A frota de carros de combate, prometida pelos países membros da OTAN, embora necessária, não é suficiente para impor um novo curso à guerra. Para vencer a guerra, a Ucrânia necessita muito mais.

Os compromissos dos imperialistas rondam 60 tanques, quando Kiev solicita não menos de 300 unidades.

Em uma contraofensiva, segundo analistas de defesa, os tanques ocidentais, embora muito mais modernos que seus pares ucranianos e russos, só poderiam inclinar a balança em operações de grande envergadura. Além disso, em termos operativos, qualquer ofensiva mecanizada depende da combinação efetiva de outras armas, como a artilharia pesada e, sobretudo, de uma cobertura aérea categórica, algo que a Ucrânia não tem condições de garantir. Não adianta muito enviar tanques, e não enviar aviões de combate.

O volume, na atual situação, é decisivo. Por outro lado, até poder recondicionar os tanques – muitos deles, como os do Estado espanhol, em desuso há uma década -, afinar a logística e completar o treinamento necessário, podem passar meses ou inclusive um ano para a efetiva entrada em combate dos Leopard 2, Abrams ou Challenger.

O próprio “envio rápido” dos primeiros 14 Leopard 2 alemães tardariam uns dois ou três meses.

O clima é outro fator chave, pois tanto a Ucrânia como a Rússia preparam suas ofensivas de primavera-verão. Ambas as forças pretendem romper o “ponto morto” atual, e aquele que atacar primeiro, terá a vantagem de atrapalhar os planos do inimigo.

Assim, depois de quase um ano do início da invasão, a principal tarefa continua sendo derrotar as forças de ocupação russas. Não cabem posições equidistantes. É crucial expulsar as tropas de Putin do território ucraniano, recuperando todos os territórios ocupados desde fevereiro de 2022, além da Crimeia, anexada em 2014.

Mas, como explicamos, a política do imperialismo e da oligarquia ucraniana, traduzida no terreno militar, não pretende uma vitória decisiva do povo ucraniano sobre Putin.

A OTAN e Zelensky só podem ser desmascarados a partir do apoio à resistência ucraniana

O povo ucraniano, sim, luta pela vitória. Mas, para isso, não se deve confiar em Zelensky, peça principal de um governo a serviço dos oligarcas, que aproveita a situação de guerra para atacar as duras condições de existência da classe trabalhadora, minando assim a resistência. Além disso, muitos políticos e oligarcas ucranianos estão se enriquecendo por meio de grosseiros atos de corrupção no suprimento às tropas e outros negócios ligados à guerra.

Pelo seu caráter de classe, o governo de Zelensky é profundamente pró imperialista e, cedo ou tarde, trairá a luta de seu próprio povo.

Nenhuma confiança, também, no imperialismo estadunidense e europeu (OTAN), que não estão dispostos a tolerar uma vitória genuína dos explorados da Ucrânia contra Putin. Os imperialismos preparam uma saída negociada, onde a opção de dividir o país não está descartada. Por isso, não enviam a qualidade e a quantidade de armas necessárias. Por isso, mantém negócios com Putin. Embora exista uma política da União Europeia para diminuir a dependência energética da Rússia, a verdade é que, em 2022, Moscou aumentou 7% de suas exportações de petróleo bruto e gás[2]. Em plena guerra, países como o Estado espanhol aumentaram suas compras da Rússia[3] em 141%. Não querem a derrota final de Putin. Por isso, impõem sanções isoladas e brandas, que não atacam o coração da economia e a máquina de guerra da oligarquia russa.

Armas para a resistência ucraniana!

É preciso exigir o armamento e a tecnologia militar necessária para derrotar Putin. Além do sistema de lança mísseis HIMARS, os ucranianos pedem mísseis MGM-140 ATACMS, com alcance de 300 quilômetros. Os ucranianos pedem, também, caças F-15, F-16 y A-10 Thunderbolt II (específico para apoio aéreo da infantaria), sem isto, é impossível controlar o espaço aéreo.

A Ucrânia mostra que a vitória é possível. A contraofensiva ucraniana do segundo semestre do ano passado golpeou duramente os ocupantes russos. Além da libertação de Kherson, ocorrida em 11 de novembro, as tropas ucranianas recuperaram 54% do território que a Rússia havia tomado desde fevereiro de 2022[4]. A reconquista de Kherson, a única capital regional tomada pelos russos teve um impacto político e militar estrondoso.

Os ucranianos estão demonstrando que a máquina de guerra russa pode ser derrotada e, com isso, enfraquecer um importante colaborador da contrarrevolução no mundo.

Mas, para ganhar a guerra, é necessário muito mais apoio. É preciso intensificar a campanha de “Armas para a Ucrânia, pela derrota militar de Putin”, que deve ser assumida por todos os sindicatos e organizações operárias. A classe trabalhadora mundial deve abraçar a causa ucraniana. A derrota de Putin será uma vitória para a classe trabalhadora internacional. Esta é a importância, por exemplo, dos dois comboios internacionais realizados pela Rede Sindical Internacional, dos quais a CSP-Conlutas de Brasil participou, para levar solidariedade ativa, política e material, para setores operários da resistência local.

A LIT-QI continuará na primeira linha de apoio ao povo ucraniano. Também continuaremos apoiando e nos solidarizando com os perseguidos na Rússia, que estão presos por serem contra a guerra de Putin.

Insistimos: só a partir do apoio à resistência ucraniana é possível combater e desmascarar a OTAN, EUA, UE e o próprio governo oligárquico de Zelensky, incapaz de encarar a luta contra o agressor russo até às últimas consequências.

Trabalhadores do mundo, uni-vos em apoio à resistência ucraniana!

Pela derrota das tropas da Rússia!

Armas para o povo ucraniano!

Viva a resistência ucraniana!

Nenhuma confiança nos EUA, UE, OTAN!

Pela dissolução da OTAN!


[1] https://www.europapress.es/internacional/noticia-trump-carga-contra-envio-blindados-ucrania-primero-vienen-tanques-luego-armas-nucleares-20230126212519.html

[2] https://elperiodicodelaenergia.com/rusia-aumento-7-exportaciones-crudo-2022-ingresos-petroleo-gas/

[3] https://www.elmundo.es/economia/macroeconomia/2022/09/08/6319ad3621efa08a388b45d6.html

[4] Segundo o Reino Unido, em dezembro a Rússia controlava 18% do território ucraniano reconhecido pela comunidade internacional:  https://twitter.com/DefenceHQ/status/1602290939023728640

Tradução: Lilian Enck

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