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Especial Irã

Protestos no Irã e lições de uma revolução interrompida

outubro 27, 2022

A convulsão social toma conta do Irã há mais de 30 dias, desde o assassinato da jovem curda Mahsa Amini pela chamada “Patrulha de Orientação” enquanto estava detida absurdamente por “uso impróprio” do véu islâmico. A revolta liderada por mulheres ganhou outros grupos, com a entrada da classe trabalhadora, que tem protagonizado paralisações e barreiras nas estradas. O que aparecia inicialmente como um protesto contra a imposição do uso do véu e opressão às mulheres, bem como minoria curda, se desdobrou, em meio a forte repressão, no clamor generalizado contra o regime: “Morte ao ditador”.

Por: Soraya Misleh

Parênteses necessários: diferentemente da cantilena orientalista, o véu em si não é um problema, mas sim sua imposição, instrumentalizada por regimes fundamentalistas como o do Irã para manter o controle sobre metade da população. Expressão disso é que os protestos detonados pela violência da opressão revelam em pouco mais de um mês que, à exigência de liberdades democráticas, somam-se demandas econômicas, como contra planos de austeridade e outras medidas neoliberais, por melhores condições de vida, trabalho e salários.

O mundo enfrenta agudização de nova crise global do capitalismo, e os protestos no Irã se dão no bojo desse processo que sinaliza revoluções e guerras. Assim ocorria no período em que o país persa protagonizou poderosa revolução, em 1979, cuja palavra de ordem era “Morte ao Xá!”. Uma revolução interrompida, como descreve artigo de Marcos Margarido.

No momento em que se acirram os protestos no Irã, sem mostras de arrefecer e que eventualmente podem levar a radicalização até a instauração de um processo revolucionário, algumas lições da história se apresentam, emblemáticas no país persa.

A poderosa revolução de 1979, cujas greves operárias, sobretudo petroleiras, resultaram na derrubada do Xá Reza Pahlevi e seu regime monárquico déspota e milenar, não resolveu o que Trotsky denominou “crise da humanidade”: a crise de direção revolucionária. “Apenas o [partido] Tudeh, de origem stalinista, encontrava-se em condições de organizar uma parcela dos trabalhadores no período revolucionário. Mas seu papel traidor durante seu período de legalidade, seu histórico de capitulações, como o apoio à Revolução Branca do Xá, e sua submissão incondicional à burocracia soviética impediram que se transformasse numa alternativa para a classe operária”, explica Margarido em seu artigo.

Consequentemente, embora a queda do Xá e do regime tenha liberado forças revolucionárias que chegaram a constituir organismos de duplo poder – comitês populares –, sem resolver a crise de direção, acabou por ser sequestrada por uma direção burguesa, representada pelo Aiatolá Khomeini, que sequer seria capaz, por seus interesses enquanto classe, de realizar até o fim as tarefas democráticas. Ao contrário, a oposição foi esmagada por uma contrarrevolução.

Rumo ao socialismo

Sem que a crise de direção no Irã fosse solucionada pelo sujeito social da revolução – o proletariado –, as consequências se mostram com o regime hoje instalado e a situação no país que leva a população agora novamente às ruas.

Sob a liderança da burguesia nacional representada pelo Aiatolá, o processo foi interrompido e não foi possível avançar rumo ao que Trotsky detalha em “A revolução permanente”: “Em outras palavras, a ditadura do proletariado tornar-se-ia a arma com a qual seriam alcançados os objetivos históricos da revolução burguesa retardatária. Mas esta não poderia ser contida aí. No poder, o proletariado seria obrigado a fazer incursões cada vez mais profundas no domínio da propriedade privada em geral, ou seja, empreender o rumo das medidas socialistas.”

Para Trotsky, a revolução não se daria por etapas – democrática e depois socialista –, mas de forma permanente, portanto, entrelaçada. Alcançar as tarefas democráticas, garantindo amplas liberdades, reforma agrária e independência nacional, não seria a conclusão de uma etapa para então posteriormente se lutar pelo socialismo, mas um contínuo, o ponto de partida rumo ao socialismo, à solução do que Trotsky denominou “problemas estratégicos fundamentais”. Para que se trilhe esse caminho, uma nova revolução no Irã segue à espreita.

Protestos no Irã e lições de uma revolução interrompida

A convulsão social toma conta do Irã há mais de 30 dias, desde o assassinato da jovem curda Mahsa Amini pela chamada “Patrulha de Orientação” enquanto estava detida absurdamente por “uso impróprio” do véu islâmico. A revolta liderada por mulheres ganhou outros grupos, com a entrada da classe trabalhadora, que tem protagonizado paralisações e barreiras nas estradas. O que aparecia inicialmente como um protesto contra a imposição do uso do véu e opressão às mulheres, bem como minoria curda, se desdobrou, em meio a forte repressão, no clamor generalizado contra o regime: “Morte ao ditador”.

Parênteses necessários: diferentemente da cantilena orientalista, o véu em si não é um problema, mas sim sua imposição, instrumentalizada por regimes fundamentalistas como o do Irã para manter o controle sobre metade da população. Expressão disso é que os protestos detonados pela violência da opressão revelam em pouco mais de um mês que, à exigência de liberdades democráticas, somam-se demandas econômicas, como contra planos de austeridade e outras medidas neoliberais, por melhores condições de vida, trabalho e salários.

O mundo enfrenta agudização de nova crise global do capitalismo, e os protestos no Irã se dão no bojo desse processo que sinaliza revoluções e guerras. Assim ocorria no período em que o país persa protagonizou poderosa revolução, em 1979, cuja palavra de ordem era “Morte ao Xá!”. Uma revolução interrompida, como descreve artigo de Marcos Margarido.

No momento em que se acirram os protestos no Irã, sem mostras de arrefecer e que eventualmente podem levar a radicalização até a instauração de um processo revolucionário, algumas lições da história se apresentam, emblemáticas no país persa.

A poderosa revolução de 1979, cujas greves operárias, sobretudo petroleiras, resultaram na derrubada do Xá Reza Pahlevi e seu regime monárquico déspota e milenar, não resolveu o que Trotsky denominou “crise da humanidade”: a crise de direção revolucionária. “Apenas o [partido] Tudeh, de origem stalinista, encontrava-se em condições de organizar uma parcela dos trabalhadores no período revolucionário. Mas seu papel traidor durante seu período de legalidade, seu histórico de capitulações, como o apoio à Revolução Branca do Xá, e sua submissão incondicional à burocracia soviética impediram que se transformasse numa alternativa para a classe operária”, explica Margarido em seu artigo.

Consequentemente, embora a queda do Xá e do regime tenha liberado forças revolucionárias que chegaram a constituir organismos de duplo poder – comitês populares –, sem resolver a crise de direção, acabou por ser sequestrada por uma direção burguesa, representada pelo Aiatolá Khomeini, que sequer seria capaz, por seus interesses enquanto classe, de realizar até o fim as tarefas democráticas. Ao contrário, a oposição foi esmagada por uma contrarrevolução.

Rumo ao socialismo

Sem que a crise de direção no Irã fosse solucionada pelo sujeito social da revolução – o proletariado –, as consequências se mostram com o regime hoje instalado e a situação no país que leva a população agora novamente às ruas.

Sob a liderança da burguesia nacional representada pelo Aiatolá, o processo foi interrompido e não foi possível avançar rumo ao que Trotsky detalha em “A revolução permanente”: “Em outras palavras, a ditadura do proletariado tornar-se-ia a arma com a qual seriam alcançados os objetivos históricos da revolução burguesa retardatária. Mas esta não poderia ser contida aí. No poder, o proletariado seria obrigado a fazer incursões cada vez mais profundas no domínio da propriedade privada em geral, ou seja, empreender o rumo das medidas socialistas.”

Para Trotsky, a revolução não se daria por etapas – democrática e depois socialista –, mas de forma permanente, portanto, entrelaçada. Alcançar as tarefas democráticas, garantindo amplas liberdades, reforma agrária e independência nacional, não seria a conclusão de uma etapa para então posteriormente se lutar pelo socialismo, mas um contínuo, o ponto de partida rumo ao socialismo, à solução do que Trotsky denominou “problemas estratégicos fundamentais”. Para que se trilhe esse caminho, uma nova revolução no Irã segue à espreita.

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