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Porto Rico

Após o furacão Fiona: Cancelamento da dívida de Porto Rico já!

Homes are flooded on Salinas Beach after the passing of Hurricane Fiona in Salinas, Puerto Rico, Monday, Sept. 19, 2022. (AP Photo/Alejandro Granadillo)
outubro 6, 2022

À medida que o furacão Fiona se afasta do Caribe e os primeiros informes da mídia burguesa aparecem sobre os danos e a perda de vidas, é importante entender como a gravidade desta crise induzida pelo clima é o resultado direto da história de Porto Rico como colônia estadunidense e paraíso fiscal da classe capitalista. O furacão Fiona deixou 358.000 porto-riquenhos sem água potável e 928.000 sem eletricidade por cinco dias depois da tempestade. Algumas zonas receberam até 30 polegadas de água, o que provocou inundações e deslizamentos de terra catastróficos.

Por: Teo Inga

Rachel Cleetus, diretora de políticas do Programa de Clima e Energia da União de Cientistas Preocupados, considera que Fiona, que chega cinco anos depois dos furacões Irma e María, terá um “efeito agravante” na economia e em várias comunidades de Porto Rico. Este “efeito agravante” é visto provavelmente ainda mais afetado pela privatização da rede elétrica e outras medidas de austeridade colocadas em andamento depois de María. PROMESSA é outra norma colonial imposta à ilha com uma longa história de opressão colonial, uma história que lança luz sobre a atual crise da dívida.

Nos casos insulares de 1901, o Tribunal Supremo dos EUA declarou que “[Porto Rico] é um território adjunto e pertencente aos Estados Unidos, mas não uma parte dos Estados Unidos” (1). Esta redação foi deliberadamente indireta e inexata. Inicialmente, a designação de Porto Rico como “território não incorporado” nos casos insulares foi usada como uma forma de negar legalmente os benefícios da condição de ser estado dos Estados Unidos à ilha, já que os territórios dos Estados Unidos devem ser classificados como “incorporados” para serem elegíveis para a soberania. A designação de “território não incorporado” em uma ilha com uma população maior que a de alguns estados estadunidenses é pouco clara, burocrática e colonial. Entretanto, os casos insulares também apresentaram uma linguagem muito clara sobre como a classe capitalista veria a ilha, propriedade dos Estados Unidos e aberta aos negócios.

Em 1917, esta designação colonial, que negava a Porto Rico o acesso ao financiamento federal e aos direitos constitucionais, levou à formação de coalizões a favor do autogoverno e que fosse exigido um maior controle local. Isto conduziu à aprovação da Lei Jones-Shafroth, que outorgou aos porto-riquenhos a cidadania estadunidense, organizou o governo da ilha em três ramos e estabeleceu as bases de sua atual crise de dívida com bônus municipais isentos de três impostos.

As organizações independentistas/soberanistas/socialistas continuaram se desenvolvendo na ilha à medida que os porto-riquenhos sentiam crescer as contradições do capitalismo sem as escassas proteções que a Constituição dos EUA oferecia ou o financiamento federal proporcionado a um estado em contraposição a uma colônia. Os diversos movimentos independentistas tiveram que aguentar a infame Lei 53 – também conhecida como a “Lei da Mordaça” – e obtiveram concessões dos Estados Unidos ao ameaçar o país com a perda de sua colônia e o autogoverno do povo porto-riquenho. Não foi até 1950 que Harry Trumam “permitiu” à ilha redigir sua própria constituição, que foi revisada e aprovada pelo Congresso dos EUA em 1951.

Mesmo com estas vitórias parciais, a contínua compra de bônus municipais da ilha por parte dos capitalistas no estrangeiro estava acrescentando combustível a uma possível crise da dívida. Isto foi facilitado pelos créditos fiscais impostos pelos Estados Unidos, como os permitidos pela Lei 936, que permitiam às corporações perdoar a maior parte, mas não todas, de seus encargos fiscais por terem subsidiárias na ilha. Estas políticas estavam enriquecendo a classe capitalista, enquanto provocavam maiores níveis de endividamento no governo e mantinham baixos os salários dos porto-riquenhos. Foi quando os diversos créditos fiscais às empresas expiraram em 2006 que a dívida de Porto Rico começou a ser “impraticável” para sua classe burocrática e política. A partir desse momento, a economia entrou em recessão, com contradições ano após ano, à medida que era retirado mais capital da ilha.

Nesse momento foi onde o status de Porto Rico como “Estado Livre Associado” dos Estados Unidos, em contraposição a uma nação soberana ou um estado dos Estados Unidos, estava preparando a ilha para o fracasso. Como Estado Livre Associado, Porto Rico carece da capacidade de se declarar em bancarrota, priorizar o gasto/investimento público sobre o pagamento da dívida, mudar o status de tripla isenção de seus próprios bônus municipais ou controlar a forma como os créditos fiscais são estruturados.

À crise fiscal e social se somou o furacão María. A tormenta destruiu grande parte da infraestrutura elétrica da ilha e fez com que grande parte da ilha ficasse sem eletricidade durante meses. María permitiu à classe capitalista exigir da classe trabalhadora porto-riquenha uma austeridade ainda maior e níveis mais altos de privatização, bem como imprimir um nome bonito – PROMESSA – à opressão colonial continuada e reforçada.

PROMESSA, assinada como uma lei de “alívio”, colocou grande parte da política fiscal de Porto Rico nas mãos de oito pessoas em troca de alívio econômico. A “junta” é formada por sete pessoas nomeadas pelo presidente dos Estados Unidos e uma nomeada pelo governador de Porto Rico. Estas pessoas não eleitas existem essencialmente para garantir que os capitalistas que tem a dívida de Porto Rico continuem recebendo rendimentos rentáveis. Trata-se de cortes profundos, e um informe realizado pelo Centro para a Democracia Popular conclui que “os cortes de austeridade da Junta colocaram obstáculos diretamente à capacidade de resposta da ilha”. A empresa pública empregava anteriormente mais de 2.000 eletricistas de linha. Após os cortes de austeridade, esse número foi reduzido para 700 trabalhadores. Hoje [depois da privatização], LUMA Energy só emprega 300 trabalhadores para responder a este apagão.

A privatização da energia elétrica foi um ataque direto à classe trabalhadora de Porto Rico e só serviu para enriquecer os capitalistas no exterior. Com o gasto público cortado a cada passo, a recuperação da ilha foi lenta e moldada em grande medida pelas necessidades do capital mais que pelas necessidades materiais concretas. É de se supor que a diminuição do número de eletricistas de linha também atrasará a recuperação da ilha após Fiona.

PROMESSA fez muito mais que privar a classe trabalhadora das pensões e das prestações públicas. Seu esquema central de privatização colocou a rede elétrica de propriedade pública nas mãos do capital, e quais foram os resultados? Estamos vendo agora. Não houve melhorias: a ilha ficou às escuras. Onde foi parar todo o dinheiro que poderia ser usado para pagar a adaptação à mudança climática, para melhorar a resistência da rede e para assegurar um fornecimento adequado de alimentos e remédios em uma nação que importa a maior parte de seus alimentos e exporta a maior parte de seus medicamentos? Onde foi parar o valor criado pela classe trabalhadora porto-riquenha? Todo esse valor foi parar em um grupo de fundos de cobertura e grupos de juros privados para pagar uma dívida que foi ordenada pelos Estados Unidos.

Qual é a solução para a crise? A formação de um movimento de massas que exija o cancelamento completo das dívidas “devidas” por Porto Rico e todas as demais nações do Sul global que estão presas em malhas de dívida semelhantes, em nome das reparações pela crise climática em curso e que se agrava. Mas isto por si só não será suficiente. Toda a sociedade deve ser reorganizada pela classe operária com toda a indústria pesada e os serviços públicos necessários colocados sob controle dos trabalhadores para o benefício de todos.

Cancelar a dívida agora! Autodeterminação para o povo de Porto Rico! Nacionalizar a rede elétrica!

Foto: Reuters

Fontes:

  1. https://www.npr.org/2022/09/23/1124345084/impact-hurricane-fiona-puerto-rico
  2. https://ccrjustice.org/home/blog/2021/10/20/colony-colony-colony-puerto-rico-and-courts
  3. https://dbpedia.org/page/Jones%E2%80%93Shafroth_Act
  4. https://taxfoundation.org/tax-policy-helped-create-puerto-rico-fiscal-crisis/
  5. https://www.cnn.com/2022/09/19/weather/hurricane-tropical-storm-fiona-monday/index.html
  6. https://www.cadtm.org/Who-Owns-Puerto-Rico-s-Debt-Exactly-We-ve-Tracked-Down-10-of-the-Biggest
  7. https://www.populardemocracy.org/sites/default/files/%5BENGLISH%5D%20PROMESA%20Has%20Failed%20Report%20CPD%20ACRE%209-14-2021%20FINAL.pdf
  8. https://ccrjustice.org/home/blog/2021/10/20/colony-colony-colony-puerto-rico-and-courts
  9. https://www.aafaf.pr.gov/wp-content/uploads/PR-FactSheet-Updated.pdf
  10. https://oversightboard.pr.gov/about-us/

Tradução: Lilian Enck

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