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África do Sul

África do Sul avança a passos largos rumo a lutas explosivas

setembro 14, 2022

A crise crônica da economia sul-africana como fruto da desindustrialização promovida pelo governo de Nelson Mandela, ganhou novos ingredientes com a crise de 2019, e se aprofundou ainda mais com a pandemia. No primeiro semestre de 2020, a economia caiu 16,4%, 2,2 milhões de empregos foram perdidos e essas perdas não se recuperaram.

Por: Yves Mwana Mayas e Cesar Neto

A crise foi agravada ainda mais pela enorme dependência das exportações de matérias-primas, principalmente para a China, que já foi a grande estrela da economia mundial com taxas de crescimento de 6 a 8% ao ano, entretanto atualmente a economia chinesa cresceu apenas 0,4% no segundo trimestre.

Para a África do Sul, essa crise chinesa é catastrófica na medida em que sua economia está vinculada ao acordo comercial conhecido como BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Além da China e dos BRICS, a economia sul-africana está voltada para exportações para os Estados Unidos: US$ 13,1 bilhões (10,6% do total exportado); Alemanha: US$ 10,5 bilhões (8,5%); Japão: US$ 8,3 bilhões (6,7%) e Reino Unido: US$ 8,2 bilhões (6,6%), ou seja, exporta mais de 50% de sua produção para esses cinco países que apresentam graves sinais recessivos.

Há alguns anos, os líderes mais lúcidos do CNA (Congresso Nacional Africano – partido no poder há 28 anos)  diziam que “as rodas estavam se soltando[1]” em alusão às consequências da desindustrialização e do aumento do desemprego. Com o novo quadro recessivo global, o ex-presidente Thabo Mbeki disse, no final de julho, que um movimento do tipo “Primavera Árabe” estava circulando e ameaçando a África do Sul.

Crise nas alturas e luta de classes

Com a enorme crise econômica mundial e seus reflexos na já enfraquecida economia sul-africana, uma outra crise de tipo político se aprofundou, se consolidou e se expandiu às alturas do governo e que há anos vinha se desenvolvendo. A crise nas alturas se expressa na densa divisão no principal partido da ordem burguesa, o ANC. A divisão é revelada por meio de denúncias de corrupção, afastamento do ex-presidente Zuma pelo próprio partido, transmissões televisivas de Tribunais anticorrupção, prisões e até queima de arquivos. Coisas típicas de gângster.

Como o movimento sindical está ligado ao ANC há décadas, a crise do partido também se expressa nas organizações sindicais.

O Numsa (Sindicato Nacional dos Metalúrgicos), principal sindicato da oposição ao governo, com cerca de 300.000 membros, controla um fundo de investimento que deveria servir para capitalizar a organização sindical. Essa participação no fundo de investimento e a crise econômica provocaram uma enorme ruptura no Numsa

O recente congresso do Numsa foi marcado por sucessivos escândalos, com direito a processos judiciais, duas enormes equipes de segurança, cancelamento da maioria dos mandatos de administradores minoritários e não reconhecimento de delegados minoritários, etc. O assalto das finanças no fundo de investimento e as denúncias de má gestão são as figuras mais visíveis desta crise nas alturas.

Numsa é o principal sindicato filiado à SAFTU (Federação dos Sindicatos da África do Sul). No contexto desta crise, o SAFTU se afastou de seu sindicato principal e se aproximou da oficialista COSATU (Congress of South African Trade Unions).

COSATU é historicamente oficialista e apoia o governo. A SAFTU, diante da disputa interna do ANC, embora não faça parte do partido, tem suas simpatias por uma das alas. Precisamente a ala que está no poder.

O Numsa por sua vez está na “oposição” e, embora tenham lançado um partido em 2019, o Partido Socialista Revolucionário dos Trabalhadores (SRWP), seu programa e seus métodos stalinistas os levaram a se situar na periferia do “oponente” Zuma, usando uma retórica radical, aproximou-se da ala Transformação Econômica Radical (RET – Radical Economic Transformation) que se autodenominam “Talibã”.

Terry Bell, jornalista e ex-militante trotskista, diz que: “Esses talibãs e o RET, enquanto jogam em grande parte com o nacionalismo étnico, são um dos grupos que lutam pelo que alguns comentaristas ainda chamam ironicamente de “alma” do ANC. Mas para eles, esta é uma alma que aparentemente precisa estar sob a orientação de Jacob Zuma.”

Uma crise semelhante é vista na Cosatu. A disputa aparentemente é pelos cargos. Mas o que vemos são divisões profundas, especialmente no setor público. O atual presidente Zingiswa Losi e o secretário-geral Bheki Ntshalintshali enfrentam forte oposição interna. Caso Bheki seja destituído, ele será o primeiro conselheiro a perder o cargo no exercício de seu primeiro mandato desde 1985. O segundo vice-presidente da Cosatu, Louis Thipe, no âmbito do pré congresso teria indicado que renunciará ao cargo.

Nessa teia de intrigas e lutas pelo poder, é importante ver o papel desempenhado pelos Estados Unidos e pela China no controle político e econômico da região.

Numsa recebe assistência econômica substancial do magnata das comunicações dos EUA Neville “Roy” Singham[2], que mantém vários jornais digitais que expressam informalmente as opiniões e pensamentos da burocracia estatal chinesa.

Todo esse intrincado sistema de crise da superestrutura nos leva a algumas evidências. Primeiro, que existem dois blocos, o de Ramaphosa e o de Zuma, onde os movimentos sindicais são aliados e que ambos os blocos contam com diferentes centros econômicos. Ramaphosa com os norte-americanos e Zuma com os chineses.

Xenofobia como ferramenta de diferenciação política

Os ataques xenofóbicos organizados pelo grupo de extrema-direita conhecido como Operação Dudula, adquiriram uma certa legalidade na medida em que o próprio governo Ramaphosa, e anteriormente Zuma, criou leis para impedir a presença de migrantes no país e atualmente não toma nenhuma medida concreta contra as ações xenófobas de extrema-direita.

Às vezes nos perguntamos por que o silêncio das organizações sindicais diante desse crime contra a humanidade chamado xenofobia? A resposta é simples, a falta de independência do movimento sindical, seja Cosatu, Saftu ou Numsa dos governos, os impede de criticar ou se posicionar contra as decisões de Zuma e Ramaphosa.

Como ainda não há muito espaço para oposição eleitoral ao ANC, resta aos grupos de oposição se apegar ao nacionalismo mais vulgar, em sua forma xenófoba. Como resultado, a violência contra os migrantes que são culpados pelo desemprego alimenta a oposição burguesa por seus discursos xenófobos. A violência vai desde impedir atendimento médico nos serviços de saúde, assaltos, extorsões, assassinatos e até matar e queimar os corpos de migrantes no meio da rua.

A reação das massas frente a crise econômica e política

Desde a onda de saques em junho-julho de 2021, um importante ciclo de lutas se abriu no país. Algumas greves extremamente longas com a da mineradora Sibanye-Stillwater e a fábrica de laticínios Clover.

A greve dos 25.000 trabalhadores da mineradora Sibanye-Stillwater durou três meses. Esta greve foi para reparar os salários consumidos pela inflação do ano anterior. Neste ano em que a inflação de alimentos e combustíveis disparou, podemos prever que no próximo ano, se não houver negociação, teremos uma nova e longa greve.

A outra greve longa, dura e emblemática foi a do laticínio Clover[3]. Começou em novembro do ano passado, passou pelas festas de fim de ano e durou até fevereiro. Foi uma guerra de desgaste, onde a patronal contava com o cansaço dos trabalhadores, e muitos trabalhadores acabaram aceitando demissões ou cortes salariais. Os patrões sionistas, engarrafadores de Coca Cola em Gaza, estão acostumados a reprimir, matar e roubar terras palestinas. Esses patrões sionistas não esperavam a reação dos trabalhadores e a solidariedade dos trabalhadores sul-africanos e até do exterior. Ações solidárias foram realizadas nas embaixadas e consulados sul-africanos e israelenses, e na sede e fábricas da Coca Cola, na Áustria, Brasil, Bélgica, Inglaterra, Israel, Nigéria, Suécia, EUA e Canadá. A CSP CONLUTAS, do Brasil, também se juntou a essas ações solidárias.

Ambas as greves impactaram a vanguarda e deixaram várias lições para o ativismo. A greve Sibanye-Stillwater foi dirigida e controlada por uma burocracia que não tinha a política de estender o conflito a outros setores, os trabalhadores resistiram três meses sem salários e seus líderes que instigaram a greve continuaram recebendo seus salários. A greve Clover, embora liderada por um sindicato mais frágil, foi conduzida de forma diferente, com muitos elementos democráticos e buscando a solidariedade nacional e internacional.

Durante o primeiro semestre deste ano, ocorreram inúmeras greves de transportistas particulares (proprietários de vans que fazem a maior parte do transporte urbano de passageiros), uma greve de dois dias dos aplicativos UBER e BOLT, além de várias greves de servidores públicos municipais, estaduais e federais. Agora, está sendo planejada a greve de 500.000 seguranças privados.

Sob pressão de suas bases, COSATU e SAFTU foram forçados a convocar inicialmente uma greve geral nacional para o dia 24 de agosto. Dado o grau de burocratização e o distanciamento das bases, a direção sindical teve dificuldades de mobilizar e transformou a greve geral em um dia nacional de protesto que, apesar dos limites impostos pela liderança burocrática, foi muito importante para a crescente reanimação do movimento operário sul-africano.

De fato, as crises internas e o surgimento de greves duras e prolongadas reafirmam a posição do ex-presidente Thabo Mbeki de que um movimento do tipo “Primavera Árabe” ameaça a África do Sul. Obviamente, em relação ao ex-presidente Thabo, nossas opiniões comuns são somente neste ponto. Ele, como bom representante do capital, buscará uma nova forma de governo que mantenha a exploração capitalista.

Os trabalhadores precisam construir outro caminho. O caminho da independência de classe, com a democracia mais ampla entre os lutadores e na perspectiva da luta pelo socialismo. O movimento operário internacional precisa voltar seus olhos para a África do Sul, como fez nos tempos do apartheid, e ajudar a reconstruir o movimento operário. Nós, da Liga Internacional dos Trabalhadores, modestamente oferecemos nosso programa, militantes e todos os nossos esforços nesse sentido.


[1] https://litci.org/pt/2018/09/20/africa-do-sul-as-rodas-estao-se-soltando/

[2] Neville Roy Singham, em sua juventude em Detroit, foi um militante proletarizado da Liga Revolucionária dos Trabalhadores Negros, um grupo nacionalista maoísta, trabalhou na Chrysler em 1972 e mais tarde ingressou na Universidade de Harvard. Ele é o fundador e ex-presidente da ThoughtWorks, uma empresa de consultoria de TI que fornece software personalizado, ferramentas de software e serviços de consultoria. Mais tarde vendeu a empresa e dedicou-se a empresas noticiosas (Newsclick, New Frame, entre outras) de marcado anti imperialismo americano, sendo atualmente acionista de várias empresas chinesas.

[3] https://litci.org/pt/2022/01/25/na-africa-do-sul-trabalhadores-em-greve-contra-patrao-sionista-mostram-forca-das-campanhas-por-boicote/

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