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sexta-feira, março 29, 2024

Cessar-fogo em Gaza não encerra limpeza étnica na Palestina

A ocupação sionista criminosa impôs a partir de sexta-feira mais um final de semana sangrento e de terror aos 2 milhões de palestinos que vivem sob cerco desumano há 15 anos. Mais um capítulo de mais de 74 anos de contínua Nakba (catástrofe consolidada com a formação do Estado racista de Israel em 15 de maio de 1948 mediante limpeza étnica planejada). O saldo do novo massacre, planejado por meses, é de 46 palestinos mortos, entre os quais quatro mulheres e 16 crianças, além de mais de 300 feridos.

Por: Soraya Misleh

Face explícita da limpeza étnica que já matou 60 palestinos nos seis primeiros meses deste ano na Cisjordânia – nessa região, um dia depois do cessar-fogo em Gaza intermediado pelo Egito e iniciado às 23h30 (hora de Jerusalém) de 7 de agosto, outros três palestinos foram assassinados por Israel na cidade de Nablus e mais de 40 ficaram feridos.

No domingo, 7 de agosto, enquanto Gaza ainda enfrentava bombardeio massivo, colonos israelenses invadiam mais uma vez a Mesquita de Al-Aqsa reivindicando a destruição do local sagrado para os islâmicos em Jerusalém, como parte da limpeza étnica ali. Algo tão frequente quanto os massacres em Gaza, cujos piores se deram em 2008/2009, deixando cerca de 1.400 mortos em 34 dias, e 2014, que culminaram em 2.200 vítimas fatais em 51 dias. Nos últimos 15 anos, foram 5.418 palestinos e palestinas assassinados na estreita faixa, dos quais 23% crianças e 9% mulheres.

Essa é a rotina sob apartheid, em meio à cumplicidade de governos de todo o mundo, o que fortalece a pretensão de Israel de que o cessar-fogo seja temporário: novo massacre está por vir. Assim, novas armas e treinamentos continuarão a ser testados pela quarta potência bélica do mundo, graças à ajuda bilionária do imperialismo estadunidense, sobre as “cobaias” que o Estado sionista converte os palestinos e palestinas cotidianamente, como se vê descaradamente em Gaza, seja via ofensivas rotineiras a conta-gotas, seja em massacres como o de agora – o maior desde maio de 2021, quando Israel matou 240 palestinos em apenas 11 dias. Essas tecnologias militares sustentam a ocupação criminosa e servem, como no caso do Brasil, ao genocídio pobre e negro e ao extermínio indígena.

As 16 crianças martirizadas em Gaza nos últimos três dias nesse ciclo macabro são: Alaa Abdullah Qaddoum e Momem Muhammed Ahmed al-Nairab (ambos com apenas 5 anos de idade; Hazem Muhammed Ali Salem (9 anos); Ahmed Muhammed al-Nairab (11 anos); Jamil Nijm Jamil Nijm (4 anos); Jamil Ihab Nijm (13 anos); Hanin Walid Muhammed Abuqaida (10 anos); Ahmed Yasser Nimr al-Nabahin (9 anos); Muhammed Yasser Nimr al-Nabahin (12 anos); Dalia Yasser Nimr al-Nabahin (13 anos); Muhammed Iyad Muhammed Hassouna (14 anos); Fatma Aaed Abdulfattah Ubaid (15 anos); Ahmed Walid Ahmed al-Farram, Muhammed Salah Nijm, Hamed Haidar Hamed Nijm, Nazmi Fayez Abdulhadi Abukarsh (todos com 16 anos).

Em um estado colonial e racista como Israel, o sangue de crianças como essas serve às campanhas eleitorais – as próximas estão marcadas para novembro deste ano, e a proximidade do pleito é apresentada por analistas como uma das razões para o mais recente massacre, a exemplo de outros. Derramar o sangue palestino tem dado votos.

Crise humanitária

Os bombardeios são a parte visível da Nakba contínua em toda a Palestina histórica. No caso extremo de Gaza, em que 80% dos habitantes são de famílias refugiadas da Nakba de 1948, além do banho de sangue, promovem a destruição da infraestrutura, inclusive centrais elétricas e de abastecimento, hospitais e escolas.

A cada ofensiva israelense, centenas de prédios e moradias são derrubados, e o cerco desumano impede a entrada de materiais para a reconstrução, o que tem elevado o número de palestinos e palestinas sem teto, jogados na miséria e no desemprego, cujos índices são alarmantes. Metade vive abaixo da linha da pobreza. Metade das crianças com menos de cinco anos de idade enfrenta quadro de desnutrição crônica. A crise humanitária é dramática, a ponto de a Organização das Nações Unidas (ONU) ter afirmado em 2012 que no ano de 2020 se tornaria inabitável.

Não só de bombas sobre suas cabeças morrem os palestinos e palestinas de Gaza. Mostra disso é que ante o cerco criminoso, conforme reportagem publicada no portal Monitor do Oriente, 3 mil pacientes com câncer morreram em função de terem negada a permissão para deixar a estreita faixa e se tratar, enquanto Israel priva os pacientes de 47% dos medicamentos essenciais, 21% dos atendimentos médicos e 60% dos suprimentos de laboratório.

A bebê Fatima al-Masri, de 19 meses, foi outra vítima: ela faleceu em março último, após os pais aguardarem por cinco meses uma autorização de Israel que nunca veio para poderem deixar Gaza e garantir-lhe tratamento.

Além disso, o projeto de limpeza étnica sionista impõe a destruição dos modos de subsistência, envenenando as plantações e reduzindo as milhas náuticas – em abril de 2021, Israel fechou a área de pesca, resultando em 90% dos pescadores palestinos abaixo da linha da pobreza –, bem como contaminando as águas, hoje 96% impróprias ao consumo humano. Gaza sobrevive sob um apagão permanente na maior parte do tempo (são apenas quatro horas de energia elétrica por dia).

Os palestinos e palestinas existem porque resistem, sob condições exasperantes. Urge denunciar a cumplicidade internacional e fortalecer a solidariedade internacional permanente e efetiva, sobretudo a campanha central de boicote ao apartheid israelense.

Legado de Kanafani

Para além, é fundamental fazer jus ao legado do revolucionário palestino Ghasan Kanafani (1936-1972), que inspira a resistência heroica e histórica de seu povo: “tudo neste mundo pode ser roubado e saqueado, exceto uma coisa: o amor que emana de um ser humano em direção a um sólido compromisso com uma convicção ou uma causa”. Essa causa, em suas palavras, não é somente dos palestinos e palestinas, mas de todo revolucionário, “das massas oprimidas e exploradas em nossa era”.

Ao encontro desses ensinamentos, portanto, em meio à resistência heroica e solidariedade internacional na mais ampla unidade de ação, como exige a dramática situação, urge organizar-se com independência de classe na construção de uma direção revolucionária que leve à libertação da Palestina do rio ao mar, com retorno dos milhões de refugiados as suas terras. Somente assim será possível preparar o enfrentamento aos inimigos poderosos da causa palestina, identificados por Kanafani e infelizmente atuais: além do imperialismo/sionismo, os regimes árabes e a burguesia árabe-palestina.

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