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Itália

Salário mínimo legal: a enésima fraude do capital

agosto 8, 2022

Ao pisar nos cenários do universo sindical durante esses meses, há uma questão, como se costuma dizer, “de destaque”, que poderíamos definir também como um “evergreen”, ou seja, uma questão sempre atual no debate sindical porque se trata de um tema em discussão há décadas: o salário mínimo legal.

Por: Diego Bossi (operário da Pirelli)

A questão é posta em termos propositivos, de reivindicação, vale dizer que se exige ao Estado Burguês a introdução, por lei, de um valor mínimo a partir do qual um salário não possa ser inferior, sob pena de uma ruptura, no dizer dos reformistas e dos hipócritas da chamada burguesia “progressista”, daquele muro imaginário que separaria o trabalho assalariado da exploração, como se o trabalho assalariado já não fosse, por si só, a exploração.


Mas vamos por partes e enfrentemos esse tema em seus vários aspectos para depois chegar a concluir, como veremos, que há um grande erro de compreensão sobre a concepção marxista do Estado, o que, por si só, em termos gerais, não nos surpreende; surpreende ao contrário (ou deveria) que dirigentes de partidos que se reivindicam inapropriadamente como marxistas – usam Marx como eixo de uma iconografia sedutora que pisca o olho para os operários antes de traí-los – iludem os trabalhadores como se uma lei burguesa pudesse resolver os seus problemas.

A medida da União Europeia e as posições em campo

Dos 27 Estados membros da União Europeia, até hoje, há apenas 6 países, entre os quais a Itália, que não adotaram uma lei sobre o salário mínimo; e a medida, saída dos palácios de Bruxelas, revelam imediatamente os dois elementos que caracterizam sua estrutura flexível e manipulável: nenhum vínculo e nenhuma referência ao tabelamento dos salários mínimos. Aqui o debate é, como geralmente acontece, nos limites do surreal. Confindústria, bondade sua, nos explica que não, não há realmente necessidade de uma lei sobre o salário mínimo, pois os seus CCNL (Contratos Coletivos Nacionais de Trabalho) já orientariam as devidas indicações. E aqui, vale a pena recordar, que quando falamos de Confindústria falamos do “sindicato” dos maiores grupos industriais do país que, em doce harmonia com as direções da CGIL, CISL e UIL [as maiores confederações sindicais dos trabalhadores], renova contratos com aumentos de poucas dezenas de euros brutos divididos em três parcelas em um período de dois ou três anos. Mas não é tudo: se o índice IPCA (Índice de Preços ao Consumo Amortizado) – outra mágica saída da cartola da conciliação – não alcança o nível previsto, o patrão recupera para si até aquelas poucas moedinhas concedidas. A isso se junta o custo do combustível, que subiu a cifras astronômicas nesses meses, não foi computado no famigerado IPCA. Assim, enquanto para ir trabalhar os operários pagam a gasolina como se fosse o Nebbiolo delle Langhe [um vinho caro], os seus salários permanecem, na melhor das hipóteses, substancialmente invariáveis. E nem mesmo podem permitir-se o Nebbiolo.

Pontual é o desfile dos bobos à corte do capital: Brunetta (Partido Socialista) vem nos explicar que o salário deve ser medido de acordo com a produtividade; o M5S (Movimento 5 Estrelas) nos diz que sobre o salário mínimo é necessário uma lei; para o PD (Partido Democrático) lei sim, mas acompanhada pela redução da carga fiscal; Força Itália alerta sobre possíveis violações da liberdade contratual; a Liga diz para reduzir a taxação para aumentar os gastos com salários; as direções sindicais confederadas, cuidadosas em ter a exclusividade e selar a miséria crescente dos trabalhadores, alardeiam: “atenção, ok a lei, desde que não substitua a CCNL!”; Banco da Itália, enfim, diz que devemos evitar automatismos e que o salário mínimo seja bem calibrado, mas o calibre do ex governo Draghi e da UE – acrescentamos nós –  estabilizou-se em uma faixa que variou de 40% a 60% do salário médio. Vale dizer que, sempre que o parlamento burguês aprova uma lei sobre o salário mínimo, esse último seria quantificado de 5,60 a 6,70 euros por hora. Em síntese: o salário mínimo legal, sempre existirá, não será imposto (talvez seja “recomendado”, como fez Landini (CGIL) para mitigar a liberação das demissões), será escasso, vinculado à produtividade e a cargo do Estado Burguês que cortará posteriormente as despesas com serviços de saúde, educação, transporte, assistência etc., enquanto aos capitalistas que têm lucros milionários não será exigido um só centavo.

Uma lei poderá resolver os problemas dos trabalhadores?

Feita a devida introdução panorâmica sobre o tema, devemos agora nos colocar uma pergunta importante: quais efeitos terá uma lei sobre o salário mínimo?

É difícil prever em detalhes o futuro, mas podemos fazer uma série de considerações importantes que podem nos ajudar a compreender melhor o que devemos esperar.

  1. A plateia dos interessados: a medida não se relaciona com as admissões diretas nos grandes grupos industriais e na administração pública, interessaria, no entanto, ao universo dos serviços e a todas as trabalhadoras e trabalhadores reféns do sistema de contratos e subcontratos, à agricultura, ao artesanato, às PMI (Pequenas e Médias Empresas) etc., vale dizer, à maioria absoluta do mundo do trabalho que, a exceção da logística, está pouco ou nada sindicalizada.
  2. Fixar um teto mínimo por lei será uma faca de dois gumes: os patrões vão querer impô-lo como limite de referência e isso terá um efeito de impulsionar o rebaixamento salarial para todos.
  3. Será burlado facilmente, na realidade, hoje já é muito difundido o “precarizado”: contrato part-time de 20 horas semanais com trabalho efetivo de 12 horas por dia, ou seja, fazem parecer que 4 horas são (sub) pagas conforme a legislação burguesa e as outras 8 são precarizadas por 2 euros a hora, com o silêncio cumplice do Estado Burguês.
  4. Com muita probabilidade, como sempre foi, aumentará o trabalho clandestino para escapar do salário mínimo legal.
  5. Total insuficiência dos controles e das sanções: não apenas não existem agentes fiscais, mas as sanções para os patrões são sempre irrisórias e contornáveis.

Nesse ponto é oportuno retornar à concepção marxista do Estado: não como um ente neutro que arbitra imparcialmente o confronto de classe, mas como a expressão organizativa da classe dominante, um aparato que serve aos patrões não apenas do ponto de vista coercitivo (repressão das lutas por meio da magistratura e forças da ordem burguesa), legislativo (através das leis que favorecem os industriais, como o desbloqueio das demissões e a gestão criminosa da pandemia), mas também do ponto de vista econômico, com a contínua e ininterrupta obra de socialização das perdas, transferência do dinheiro público para os bolsos da burguesia e privatização dos benefícios.

Conclusões

Em conclusão, para responder a nossa pergunta sobre os efeitos de uma lei em relação ao salário mínimo legal, podemos dizer que faremos algo sábio se não esperarmos nada dessa medida. Nós, em termos gerais, não dizemos que uma lei burguesa não possa ter elementos progressivos, mas reiteramos que esses não são determinados pela lei em si, mas são frutos de uma luta e que apenas a luta poderá continuar a mantê-los e defendê-los. A isso acrescentamos que cada conquista não será nunca definitiva no capitalismo e só poderá ser realmente ganha, apenas depois que a classe operária tiver destruído a máquina estatal burguesa e conquistado o poder.

Por isso, é importante que os trabalhadores se organizem para lutar e conquistar os seus direitos e não uma lei que apenas os enuncia. Mesmo no caso de duras lutas, uma lei do Estado Burguês não deve nunca ser vista como um objetivo: a história nos ensinou que para não perderem tudo os patrões, às vezes, concedem qualquer coisa (que retomarão assim que puderem) e usam leis “progressivas” como tampão para frear as lutas, alimentando novamente a confiança perdida dos operários em relação às direções políticas que sistematicamente os têm traído (os seus agentes no movimento operário, cit. Lênin). Tudo isso, como dissemos, em termos gerais. Depois, existem casos específicos como esse do salário mínimo, em que não temos um ascenso da luta de classe e a questão salarial é apenas matéria de campanha eleitoral exatamente para aqueles partidos que votaram e apoiaram os piores ataques à classe operária perpetrados pelos governos burgueses de qualquer uma das vertentes políticas. O salário mínimo legal será o cavalo de batalha dos vários politiqueiros da esquerda reformista e burguesa, por uma propaganda com a finalidade de lavar a sujeira do rosto, depois de anos de traição contra a classe operária.

Tradução: Nívia Leão.

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