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Cuba

Um ano dos protestos de 11 de Julho em Cuba

julho 10, 2022

Um ano se passou desde a explosão social que sacudiu Cuba entre 11 e 12 de julho de 2021. De um extremo ao outro da ilha, milhares de manifestantes tomaram as ruas para repudiar a insuportável deterioração das condições de vida, agravada pelo flagelo da pandemia de Covid-19, que colapsou a saúde pública, e a opressão de um regime ditatorial que impede qualquer tipo de organização sindical e política fora do controle do Partido Comunista de Cuba (PCC). A LIT-QI apoiou os protestos e repudiou a repressão desde o começo, participando da campanha democrática pela liberdade dos presos políticos em vários países.

Por: Daniel Sugasti

A carestia, o desabastecimento, a proliferação das lojas em dólares[1], o descontrole da pandemia, somados às legítimas aspirações por liberdades democráticas, foram o motor dos protestos. A classe trabalhadora e o povo cubano, portanto, não saiu às ruas para “restaurar o capitalismo” a mando de Washington ou da burguesia cubana exilada em Miami, como alega o PCC e repete o amplo arco de partidos neoestalinistas e castro-chavistas. De nenhuma forma. Os protestos eclodiram pelos mesmos motivos que em qualquer outro país latino-americano: repúdio aos brutais ataques ao nível de vida da classe trabalhadora e, no caso cubano, à ditadura que o PCC lidera desde 1959.

Como explicamos em outros artigos, os protestos de 11 de julho (11J) de 2021 mal poderiam restaurar o capitalismo ou entregar o país ao capital estrangeiro, pela simples razão de que a economia de mercado foi restaurada na década de 1990 pela própria direção castrista que, nos últimos 30 anos, promoveu todo tipo de negócios com o imperialismo europeu, canadense e, em menor medida, até com o estadunidense.

Não existe socialismo em Cuba. Em Cuba existe um Estado capitalista cujo gendarme é uma ditadura burguesa, um regime policialesco que possui laços umbilicais com o capital imperialista. Em Cuba não existe “democracia operária”. Em Cuba, a classe trabalhadora não decide absolutamente nada, nem pode se organizar para resistir a qualquer medida do governo, pois carece de liberdade de opinião, de imprensa, sindical e política.

Este é o regime que o PCC e a maioria das organizações ditas de “esquerda” defende na América Latina.

Uma repressão executada com excesso

O regime cubano respondeu ao movimento de 11J com uma dura repressão. No plano da propaganda, a camarilha governante deu rédea solta a uma campanha de calúnias contra os manifestantes, acusando-os de fazer parte de uma conspiração contrarrevolucionária orquestrada pelo imperialismo. Sobre o valente povo cubano que, apesar do regime autoritário saiu às ruas, pesaram também os epítetos de “confusos”, vândalos, escória e gusanos[2] (vermes, ndt.)

A polícia cubana, junto com as tropas de elite (Boinas Negras) e grupos parapoliciais ligados ao aparato do Estado, mataram um manifestante e prenderam centenas de pessoas indiscriminadamente, entre elas, dezenas de menores de idade. As detenções não respeitaram nenhuma garantia jurídica; em muitos casos o paradeiro das pessoas era desconhecido por dias. O corte da Internet foi amplamente usado pelo Estado durante e depois dos protestos. Cidades como Artemisa, La Habana, Holguín e Matanzas foram militarizadas quase imediatamente. A bota da ditadura estava e está determinada a cortar o impulso opositor pela raiz, custe o que custar.

Um informe recente apresentado pela Justicia 11J e Cubalex tenta dimensionar a repressão aos protestos até 1 de julho de 2022. Por meio da colaboração constante e valente das e dos manifestantes e familiares, foi possível documentar 1.484 detenções desde o 11J. Do total de presos, 11% tinham entre 12 e 20 anos de idade[3]. Pelo menos 701 pessoas continuam presas.

Entretanto, Justicia 11J reconhece que estes não são dados definitivos, pois “(…) apesar de muitos esforços, não existe um número definitivo de pessoas detidas pela sua participação nos protestos de julho de 2021, não se sabe quantas pessoas foram colocadas em liberdade, quantas permanecem sob a custódia do Estado e em processo de investigação…”[4]. Em muitos casos, também não se sabe o local de detenção. Uma investigação da Cubalex, por outro lado, documentou pelo menos 14 técnicas de torturas nas prisões de Cuba.

Em fins de janeiro de 2022, a promotoria cubana informou que 790 pessoas enfrentavam processos penais por terem participado do 11J. Entre elas, 115 acusados/as com idades entre 16 e 20 anos. Desse número de acusados, 68% se encontravam em prisão provisória desde julho de 2021.

Entre fevereiro e março foram anunciadas as primeiras sentenças por sedição. O total da pena, em março, somava 1.916 anos de privação de liberdade. Segundo a ONG Prisoners Defenders, sete adolescentes de 16 e 17 anos foram condenados a penas entre sete e 19 anos na prisão. O Observatório Cubano de Direitos Humanos, por seu lado, informou que “…77% dos condenados não tinham antecedentes criminais…”[5]. A maioria, evidentemente, são indivíduos que foram protestar por um descontentamento justificado, muitos deles pela primeira vez em sua vida.

Quais foram as provas que o regime apresentou contra as e os manifestantes? Meros testemunhos de empregados do Estado, do próprio Partido Comunista de Cuba (PCC) e agentes do Ministério do Interior. Em outros casos, informação obtida, sem permissão dos acusados, de seus celulares ou conteúdo publicado em redes sociais.

Em suma, tanto a acusação, a justificação e o processo em si, completamente viciado, dão conta da completa ausência de garantias jurídicas e liberdades democráticas elementares. Os argumentos dos promotores cubanos são dignos dos Julgamentos de Moscou, a farsa jurídica que o estalinismo praticou durante a década de 1930.

A intenção do regime ao impor condenações “exemplares” contra os manifestantes do 11J é aterrorizar, desmoralizar aqueles que se atreveram a se mobilizar contra a carestia, a crise sanitária, a asfixia política, a ausência das liberdades democráticas mais elementares.

Redobrar a campanha contra as prisões e pela anulação das condenações

A LIT-QI se posicionou desde o começo a favor dos protestos do 11J em Cuba. Solidarizamo-nos com suas reivindicações e denunciamos a repressão por parte do regime de Díaz-Canel e da camarilha do PCC que controla o Estado cubano. Enfrentamos as calúnias contra os manifestantes que o neoestalinismo e o castro-chavismo promoveram em todo o mundo. E fizemos com o orgulho de estar no lado correto da história, ao lado dos interesses da classe trabalhadora de Cuba contra uma ditadura capitalista capaz de pisotear seu próprio povo para garantir seus negócios com o imperialismo. A maioria da chamada esquerda, por outro lado, não pode dizer o mesmo. Tal como fez com Gadafi, Assad, Maduro, Ortega e, agora, com Putin, se alinhou com os ditadores, contra os povos.

Desde o início nos somamos à campanha exigindo a liberdade imediata de todos/as os/as presos/as políticos/as em Cuba e o fim da repressão. Um ano depois, a luta não terminou. O avanço da criminalização torna imperioso redobrar esforços, ampliar a campanha democrática e internacionalista para libertar todos/as presos/as políticos/as e anular as condenações. Para isso, chamamos todas as organizações operárias, camponesas, estudantis, coletivos de artistas, intelectuais, enfim, todos/as aqueles/as que defendam os direitos humanos e as garantias democráticas, para que colaborem com esta iniciativa democrática.

Seguiremos sustentando a bandeira das liberdades democráticas em Cuba, contra o regime do PCC e as Forças Armadas que, longe do que representa o socialismo, semeia e colhe terror, desigualdade social, fome e migrações forçadas. Consideramos esta tarefa um ponto de partida essencial para uma luta estratégica: uma nova revolução na ilha, que recupere as conquistas materiais e culturais de 1959, mas com democracia operária, combate permanente a qualquer tipo de opressão, respeito à diversidade e que inicie o caminho para o socialismo.

Liberdade aos presos políticos em Cuba! Basta de repressão!

Nenhuma ingerência imperialista!

Abaixo o regime autoritário e capitalista de Díaz-Canel!

[1] Lojas em MLC (Moeda Livremente Convertível) nas quais só são aceitos o pagamento em dólares ou euros, sendo que a classe trabalhadora cubana recebe pagamentos na moeda nacional.

[2] Nome usado para os cubanos que estão contra do governo, usualmente utilizado para os anticastristas que vivem em Miami.(NdT.)

[3] Um ano sem justiça: padrões da violência estatal contra manifestantes do 11J. Ver: <https://bit.ly/unañosinjusticia>. O informe especifica que “Entre os 12 e  17 anos de idade – crianças, segundo a Convenção de Direitos da Criança –, resultaram detidas 57 pessoas, o que representa 3,8% do total de detidos…”.

[4] Ver: <https://www.facebook.com/justicia11j/posts/pfbid02Kpe7faQTBQGznD6sRknxj3xZauPzHHvSGCYxmdzVeafHyAnHGSfc94wrSWNU6aQel >.

[5] Ver: <https://observacuba.org/ocdh-condena-sentencias-tribunal-habana-falsa-criminalizacion-manifestantes-11j-cuba/ >.

Tradução: Lilian Enck

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