A deterioração das condições de vida do povo cubano levou às maiores manifestações antigovernamentais, desde 1959, ocorridas em 11-J. Em mais de 60 cidades, nas 14 províncias e no município especial ilha da Juventude. Foram ouvidas consignas como: “Abaixo a ditadura” e “Liberdade”[1]. Os protestos explodiram pela escassez de alimentos, os apagões e os efeitos da crise econômica agravada pela pandemia.
Por: Américo Gomes
Majoritariamente compostas por setores populares, que não tem nada a ver com a direita burguesa ou pró-imperialistas (não são “mercenários”, “opositores do socialismo”, “gusanos”, “contrarrevolucionários”, ou “agentes a serviço do imperialismo”), e sim manifestantes populares, movidos pela degradação de suas condições de vida.
Estas condições se agravaram, ainda mais, a partir de 1 de janeiro de 2021 com o chamado dia “zero”, onde houve um ordenamento monetário[2] combinado com uma reforma salarial que mudou as rendas pessoais e a assistência social, além da correção de preços e da eliminação de subsídios, considerados pelo governo como “excessivos e indevidos”, que vão afetar as cestas básicas e o transporte[3].
O agravamento da situação econômica é fruto da restauração do capitalismo, feita pelo próprio governo cubano, combinada com o criminoso Bloqueio levado a cabo pelo imperialismo norte-americano, ao que se soma a pandemia da COVID. Fatos que afetaram profundamente a economia e atacam a vida dos trabalhadores.
Para o governo de Díaz-Canel estas medidas são essenciais para acabar com décadas de “ineficiência” na economia e aumentar a produtividade, para o povo significa o aumento da miséria.
O aumento da repressão
Após os protestos realizados em Cuba em 11-J, o governo castrista, agora, tendo na liderança o presidente Díaz-Canel, intensificou a repressão contra a juventude e o povo cubano, criminalizando, ainda mais, o protesto social, prendendo e maltratando ativistas e jovens que foram às ruas, somente pelo “delito” de expressarem suas opiniões. Mantendo várias pessoas detidas nos últimos meses como presos de consciência ou como presos políticos.
Em resposta aos protestos de 11 de julho, as autoridades cubanas usaram a mesma maquinaria de controle que usam há décadas para agir contra aqueles que pensam de outra forma, embora desta vez em uma escala que não tínhamos visto em quase 20 anos e com novas táticas que incluem censura e interrupções da Internet para controlar e encobrir as graves violações de direitos humanos que cometeram”[4].
O quadro de violações de direitos humanos, depois das manifestações, aponta para uma política de repressão dirigida para recuperar o controle e restabelecer uma cultura do medo que domina a sociedade cubana, intimidando, prendendo, detendo e criminalizando, em diferentes graus, as pessoas que protestaram.
Várias entidades de Direitos Humanos e organizações do movimento operário e sindical, em vários países do mundo, documentaram crimes dos agentes do Estado e graves violações de direitos. Por isso, estão se somando à campanha para que ponham em liberdade imediata e sem condições, as centenas de pessoas que continuam detidas por protestar.
Em sua maioria, os presos são acusados de delitos, que na verdade são acusações utilizadas para silenciar a dissidência, como: “desordem pública”, ou “desacato”. O que foi confirmado pelo artigo publicado em Cubadebate (jornal pró- governo)[5]·. Das 62 pessoas julgadas por fatos relacionados com os protestos do 11-J, em sua maioria foram por estes supostos delitos, além de “resistência”, “instigação à delinquência” e “danos”. O que contradiz a versão oficial de que a maioria está sendo julgada por delitos violentos.
Violações do direito de defesa.
Após as detenções em massa do 11-J, manifestantes que foram libertados, assim como os que continuam detidos, informaram uma diversidade de violações do devido processo legal e de seu direito à defesa.
Vários presos e/ou libertos não são informados de sua situação jurídica. Em alguns casos são informados somente da sentença ou da punição que devem cumprir. Como “apresentar-se para assinar todas as semanas” ou penalizados a “pagar uma multa”, em valores que muitas vezes chegam a duas ou quatro vezes o salário de um cubano.
Pior ainda, quando são informados de que mesmo saindo da prisão “as acusações não foram retiradas”, ou nem sequer informados de sua situação jurídica, deixando-os com medo de voltarem a ser detidos a qualquer momento.
As testemunhas selecionados para declarar sobre os “autores, fatos e circunstâncias” foram em sua maioria oficiais e chefes de estações da Polícia Nacional Revolucionária (muitas vezes assinalados como “agredidos”), oficiais do DTI e outros agentes da autoridade do Estado, o que demonstra uma alta carga de parcialidade.
Como em muitos julgamentos não é emitida documentação que informe as decisões do tribunal, se impossibilita realizar uma análise correta sobre as tomadas de decisões.
Os que continuam detidos enfrentam processos penais ordinários. A eles são atribuídos delitos mais graves, como desordem pública agravada, atentado, ou delitos contra a Segurança do Estado.
Cubadebate publicou a informação da própria Procuradoria Geral da República que apenas 35,4%, teve um advogado de defesa, mesmo assim afirmando que em nenhuma das denúncias contra o MININT (Ministério do Interior de Cuba) foram detectadas violações à legalidade.
No final, o grosso dos libertados são “pessoas de certa visibilidade: artistas, estudantes, universitários, gente com redes de apoio”. Muitas das pessoas que continuam presas são do povo sem “visibilidade”, pobres, doentes e incapacitados[6].
Regime de detenção: incomunicabilidade e desaparecimentos
Os presos denunciaram que as celas são muito pequenas, anti-higiênicas e que nelas não há atendimento médico. Sofreram ameaças e insultos, foram submetidos a atos humilhantes, acusações falsas, ameaças de morte e de danos à família ou pessoas queridas; submetidos à exposição de temperaturas extremas; fome ou sede; privação de sono e isolamento.
Além disso, houve corte de contato com o mundo exterior, sem notificar parentes ou amigos de que estavam em detenção ou negar o direito de receber visitas. Isso quando não se colocava os presos longe de suas províncias.
Houve presos que ficaram sem defensores jurídicos por mais de uma semana. Famílias privadas de informação, que não puderam fazer contato ou localizar onde estavam seus filhos detidos ou o local de detenção.
São vários os casos em que houve detenções sob regime de incomunicabilidade. Embora a Procuradoria Geral da República negue que a assistência letrada foi negada às pessoas detidas ou que o regime de incomunicabilidade foi aplicado.
O magistrado do Tribunal Supremo Popular Joselín Sánchez declarou ao Granma[7] que a Procuradoria recebeu 215 reclamações depois de 11 de julho, principalmente para saber onde estavam os detidos.
Também houve casos de desaparecimento forçado, com detenções onde se negava a revelar o paradeiro dos detidos.
Usando a alegação do contágio da COVID as autoridades cubanas negaram visitas de familiares. O que poderia ser justificado em determinadas circunstâncias, mas deveria ser compensado, potencializando outras formas de contato, como permitir o acesso a telefone, Internet, correio eletrônico ou vídeo chamadas e que os familiares entregassem comida e outros artigos.
Além disso, nada indica que as autoridades cubanas estejam realmente preocupadas com o contágio dos presos já que nas celas as condições de umidade, falta de espaço e de higiene eram gerais, também não foram adotadas medidas de distanciamento social nem outras para prevenir a COVID-19.
Na manifestação: repressão policial
“A ordem de combate está dada: às ruas os revolucionários”, ordenou Díaz-Canel em 11-J, dando sinal verde tanto às forças repressivas do Estado como aos seus partidários em grupos paramilitares (que agrediram os manifestantes com cassetetes, pedras e paus).
Os ataques das forças especiais, principalmente os “Boinas Negras,” como dos agentes da polícia e da segurança do Estado foram denunciados de forma generalizada. Uso de excessiva força policial, maus tratos e violência contra a população, jovens e particularmente as mulheres. Várias que foram detidas, por agentes homens, foram submetidas a revistas vexatórias. A violência deixou hematomas em braços e joelhos, produto do tratamento que sofreram nas mãos dos agentes de segurança do Estado.
Da mesma forma se sabe do confinamento de pessoas em viaturas da polícia sob o sol e em caminhões e reclusão domiciliar sem causa formada.
Busca e apreensão e detenções domiciliares
Mas a repressão não foi somente durante as manifestações. Os agentes do Estado, depois do protesto, agiram contra os jovens dos quais suspeitavam que tivessem participado nelas, os arrancaram de suas camas e, às vezes sem calçado nem roupa, os levaram à prisão em veículos policiais.
Quando não os buscavam e apreendiam diretamente, os agentes do Estado realizavam vigilância e monitoramento contra os manifestantes. Com a presença permanente e o acompanhamento destas pessoas. Acompanhado de terror psicológico, com a ameaça constante de detê-las ou da realização da detenção domiciliar.
Reclusões domiciliares
Outra tática empregada pelo Estado cubano é emitir formalmente ordens de reclusão domiciliar e com isso restringir a liberdade de circulação. Após as manifestações de 11-J muitas pessoas, que saíram da prisão e que tiveram as acusações contra si retiradas, tiveram que submeter-se à condição de uma detenção domiciliar, onde têm que ficar em suas casas, excetuando a ida ao seu local de trabalho ou estudo, ou para terem atendimento médico, podendo fazê-lo apenas com autorização judicial formal.
Negação e interrupções da internet
No próprio 11-J houve uma interrupção geral do serviço da Internet em todo o país e, posteriormente, uma redução do tráfego na rede até 12 de julho, segundo as medições feitas da rede. Desde então, as autoridades bloquearam regularmente os aplicativos de mensagem instantânea como Whatsapp, Telegram e Signal.
O regime usou sua associação com as empresas chinesas Huawei e ZEF, responsáveis pelos cortes da internet para desmobilizar as manifestações. Huawei também é responsável pelo monitoramento e vigilância de opositores dos governos na Zâmbia e Uganda.
Liberdade imediata a todos os presos políticos em Cuba! Basta de perseguições!
Ante toda a situação que descrevemos, a LIT-QI considera urgente que todas as entidades sindicais e populares se somem internacionalmente à campanha que exige do governo de Miguel Díaz-Canel que coloque em liberdade imediata e incondicional todas as pessoas detidas, exclusivamente por exercerem seu direito político de manifestação.
Não há informações precisas sobre o número atual de presos. Uma coordenação do Grupo de Trabalho sobre detenções por motivos políticos, Justiça 11J, fala de 897 a 1167 “cidadãos detidos” [8], foram presos 480 (96 sob medida cautelar de liberdade sob fiança e 41 em prisão domiciliar). Continuam detidos pelo menos 10 menores.[9], entre 15 e 18 anos, que podem ser julgados como adultos desde os 16 na ilha. Alguns expedientes foram transferidos para a Procuradoria Militar, em decorrência da modificação das acusações contra os acusados, em virtude de supostos ataques a locais pertencentes ao conglomerado empresarial militar GAESA[10].
É fundamental reiterar a petição feita pelos advogados e defensores de entidades de Direitos Humanos e de organizações da classe trabalhadora, como sindicatos e movimentos populares, internacionais, com acesso em Cuba para monitorar a situação dos presos. Assim como solicitar que estas entidades internacionais, do movimento sindical e popular, possam assistir, como observadores, aos próximos julgamentos das pessoas que continuam detidas.
A repressão é preparada para a manifestação de 15N
O regime cubano através da Procuradoria da República convocou vários membros do grupo Archipiélago, entre eles o dramaturgo Yúnior García, na quinta-feira 21 de outubro, para advertir sobre as consequências penais para os organizadores, se persistirem em realizar o protesto público. Isso foi precedido de uma série de perseguições e repressões através de ameaças, interrogatórios e até expulsões do trabalho. Como as que aconteceram com Daniela Rojas, presa; o médico Manuel Guerra, detido por algumas horas e expulso do seu trabalho; a demissão do professor universitário David Martinez e da própria perseguição de Yúnior García, entre outros.
O portal Cubadebate publicou uma nota da Procuradoria Geral informando que se manifestações similares forem realizadas em localidades provinciais de Villa Clara, Cienfuegos e Holguín, os manifestantes incorrerão nos delitos de “desobediência, manifestações ilícitas, instigação à delinquência”, entre outros. O governo qualifica a manifestação de “ilícita”, e supostamente “para destruir o socialismo”[11].
Yúnior na saída da Procuradoria Provincial de La Habana declarou: “Não percebo que haja uma só instituição do país onde nasci que se coloque do nosso lado, do lado do cidadão, que nem somos mercenários, nem estamos recebendo ordens de nenhum lugar, estamos simplesmente mostrando abertamente uma diferença de opinião, de critério, de perspectivas sobre o país que sonhamos e queremos construir”.
Reiteramos nosso apoio à convocatória do 15N e fazemos um chamado às organizações políticas, sindicais e sociais para defender o direito do povo cubano de se manifestar. Para exigir do governo que permita sua realização e repudiar a repressão, que já está em curso, contra seus organizadores e participantes.
[1] https://www.hypermediamagazine.com/dosieres-hm/dd-hh-en-latinoamerica/los-detenidos-del-11j-cuba/
[2] http://www.granma.cu/tarea-ordenamiento/2021-01-01/primero-de-enero-de-2021-dia-cero-para-el-ordenamiento-monetario-en-cuba
[3] https://www.france24.com/es/am%C3%A9rica-latina/20210102-1-de-enero-de-2021-d%C3%ADa-cero-para-la-reforma-monetaria-en-cuba
[4] Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da Anistia Internacional
[5] Em 4 de agosto
[6] https://www.hypermediamagazine.com/dosieres-hm/dd-hh-en-latinoamerica/los-detenidos-del-11j-cuba/
[7] https://oncubanews.com/cuba/algunas-lecciones-del-11-j-cubano-observaciones-de-julio-cesar-guanche/
[8] https://www.hypermediamagazine.com/dosieres-hm/los-juicios-del-11j/presos-politicos-en-cuba-numeros-y-juicios-en-torno-al-11j/
[9] A lista pode ser consultada na seguinte relação: Bit.ly/Detenidos11J.
[10] https://www.hypermediamagazine.com/dosieres-hm/los-juicios-del-11j/presos-politicos-en-cuba-numeros-y-juicios-en-torno-al-11j/
[11] Sobre isso ver o artigo: https://litci.org/es/cuba-el-regimen-responde-al-15n-con-mas-represion/