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Capitalismo: produtor de pandemias

Há mais de um ano a pandemia da Covid-19 é tema central da vida de todos no planeta, onde todos os dias nos preocupamos com nossa rotina, com medo constante de nos contaminar, além da angústia em relação aos nossos entes queridos. Perante isso, nos questionamos e pensamos em como será “quando tudo isso acabar”. Porém, especialistas apontam que pandemias tem se tornado cada vez mais comuns, e assim passado o pico da Covid-19, outras pandemias não estão tão distantes assim.

Por: Samanta Wenckstern

No dia 11/03/2020, a OMS categorizou a Covid-19 como pandemia, fazendo com que todo o mundo ficasse em apreensão, mas sem imaginar o que estaria por vir. Mais de um ano após o anúncio, a pandemia começou a perder força em alguns poucos países devido à aceleração da vacinação, mas segue descontrolada, inclusive pela desigualdade no acesso às vacinas.

Desde o começo da pandemia surgiram diversas especulações sobre como a doença se desenvolveu e passou para os seres humanos. Vimos fake news, comentários racistas e preconceituosos sobre costumes chineses e muita teoria da conspiração. Inclusive, foi necessário uma pesquisa para comprovar que o vírus da Covid-19 não foi criado em laboratório [1], como alegavam muitas fake news.

Fugindo de respostas fáceis, devemos afirmar que até o momento não se sabe precisamente a origem do coronavírus, porém se tem indícios. Um estudo publicado recentemente na revista Science of the Total Environment [2] aponta para que o surgimento do vírus ocorreu na província chinesa de Hubei, mas não conseguiu identificar precisamente ainda qual animal foi a fonte do vírus, mas devido a evidências genéticas, provavelmente partiu de morcegos, tendo pangolins como possíveis hospedeiros intermediários. Os pangolins são mamíferos comuns na Ásia e África e são consumidos na China.

A pesquisa citada faz também uma interessante relação entre o surgimento deste coronavírus com o aquecimento global, pois devido ao aumento da temperatura e do dióxido de carbono a vegetação da região de Hubei foi afetada, mudando de arbustos tropicais para savanas tropicais e florestas decíduas. Essa mudança favoreceu a proliferação de morcegos na região, que são provavelmente a fonte da Covid-19.

O aquecimento global tem modificado as vegetações em todo o mundo, afetando a vida selvagem, e assim pode possibilitar a proliferação de novas doenças e consequentemente novas epidemias.

Desmatamento

Os coronavírus são uma família de vírus que causam infecções respiratórias e circulam entre animais como morcegos e roedores, mas podem saltar para humanos se a convivência estiver próxima.

Além dos coronavírus, outras doenças como o ebola, febre amarela, brucelose, surgem devido ao contato humano com animais selvagens, muitas vezes passando por meio de um vetor. Essas doenças já geraram epidemias e pandemias. O desmatamento, a destruição de habitats naturais fazem com que animais como ratos, morcegos e insetos convivam mais proximamente de humanos, sendo vetores de doenças já conhecidas, mas também de doenças novas.

Um estudo de 2017 [3] verificou que 25 dos 27 surtos de ebola que ocorreram entre os anos 2001 e 2014, ao longo dos limites do bioma da floresta tropical na África Central e Ocidental se iniciaram em regiões que passaram por desmatamento dois anos antes.

Os incêndios florestais, que tem causas humanas como na Amazônia, mas também devido ao aquecimento global, como o que vimos na Austrália em 2020, causam grandes desmatamentos, o que favorece o cenário descrito acima. Perante isso, pouco ou nada tem sido feito. Pelo contrário, no Brasil, vemos um incentivo por parte do governo Bolsonaro para o desmatamento.

Agronegócio: a tempestade perfeita para novas pandemias

Porém não é só o desmatamento e a mudança nas vegetações devido ao aquecimento global que podem facilitar o aparecimento de novas doenças e pandemias. A forma como criamos animais para consumo humano em grande escala possui um papel determinante para isso.

O biólogo Rob Wallace, em seu livro “Pandemia de agronegócio: doenças infecciosas, capitalismo e ciência” [4], analisa que a pecuária industrial oferece condições privilegiadas para que patógenos testem caminhos evolutivos e se tornem mais virulentos. Isso porque milenarmente a reprodução dos animais domésticos era in loco, o que favorecia uma diversidade genética e imunológica destes animais usados para consumo humano, criando uma barreira epidemiológica e evitando assim surtos de doenças. Com o advento da revolução agropecuária, no século XX, verifica-se uma prática de um monocultivo genético, o que facilita transmissão de doenças entre os animais e assim torna esses animais domésticos os melhores intermediadores entre as doenças que vem de animais selvagens e passam para os humanos, até pela larga escala em que são criados. Inclusive, o autor faz uma relação entre a revolução agropecuária com uma maior incidência de coronavírus nos últimos anos, como a Sars-1, Mers e Sars-2.

A lógica do lucro a qualquer custo, inerente ao capitalismo, transforma os animais em “proteína animal”, transformando seres vivos em meras mercadorias. A busca por maior produtividade favorece o já citado monocultivo genético e a compartimentação de animais em espaços minúsculos. Essa compartimentação faz com os animais não tenham acesso a luz solar, não tenham espaço sequer para se mexerem e por isso ficam em contato direto com suas próprias fezes. Devido às situações degradantes a que esse animais são expostos, para o aumento dos lucros da burguesia, se pratica o uso excessivo de antibióticos e fármacos na dieta desses animais, para assim evitar a proliferação de doenças. O uso excessivo de antibióticos pode gerar uma maior resistência microbiana, ou seja, as conhecidas microbactérias [5]. Por isso, no capitalismo o risco de surgimento de superbactérias resistentes a antibióticos e mortais para seres humanos é cada vez maior, assim como o aumento de vírus que sofrem mutações e passam de animais para seres humanos. Assim, a agropecuária apresenta dilemas éticos em relação ao tratamento das vidas desses animais e dilemas em relação ao perigo que esse tipo de produção representa para a humanidade.

Além das questões internas à forma como a agropecuária funciona e cria os animais, a expansão da fronteira agrícola é uma das principais causas do desmatamento, como vemos com bastante frequência no Brasil, com os desmatamentos criminosos dos biomas do cerrado, do pantanal e da floresta amazônica. Tanto o desmatamento, como a própria agropecuária em si favorecem o processo de aquecimento global, conforme relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) [6]. Como dito acima, o desmatamento e o aquecimento global ajudam no aparecimento e disseminação de doenças novas, e esses elementos somados a forma como os animais são criados na agropecuária provocam uma tempestade perfeita para novas pandemias.

Quais são as saídas?

Quando a pandemia surgiu, muitos viram com otimismo essa mudança drástica em nossas vidas, achando que a humanidade poderia se unir e sair da pandemia conjuntamente. Esse otimismo caiu por terra rapidamente, com o aumento da desigualdade social, da pobreza e da fome. Desigualdade escancarada neste momento de vacinação, onde vemos que os países centrais tem um ritmo acelerado, enquanto a maioria dos países periféricos sequer tem acesso às vacinas para a parcela mais vulnerável de sua população.

A Covid-19 não foi uma má sorte ou um acaso: o sistema capitalista, com sua depredação constante da natureza e sua busca incessante por lucro, facilita a disseminação de novas doenças e pandemias. A saída para a humanidade não sairá pelas mãos dos que provocaram a crise que estamos vivendo, e sim pelas mãos dos trabalhadores e povos oprimidos, que construindo uma nova sociedade, poderão ter uma relação com a natureza que não seja mediada pelo lucro.

1.ttps://coronavirus.bahia.fiocruz.br/novo-coronavirus-nao-foi-criado-em-laboratorio/

2.Ver estudo completo: https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0048969721004812

3.https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/12/23/medico-que-descobriu-o-ebola-alerta-para-virus-mortais-que-ainda-estao-por-vir

4.Rob Wallace. Pandemia de agronegócio: doenças infecciosa, capitalismo e ciência. São Paulo. Elefante e Igrá Kniga. 2020.

5.https://www.bbc.com/portuguese/geral-50119820

6.https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/4.-SPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf

 

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