sáb abr 13, 2024
sábado, abril 13, 2024

Cuba: o significado do “dia zero”

A partir de 1º. de janeiro, o governo cubano começou a aplicar um plano econômico cuja medida principal é a eliminação da dupla moeda no país: o peso não conversível e o peso conversível, que pode ser trocado por dólares na cotação de 1=1. Agora só existirá uma única moeda que estará cotada a 24 pesos por cada dólar, o que significa uma mega desvalorização com fortes impactos em todas as demais variáveis da economia, em especial nos salários.

Por: Alejandro Iturbe

A imprensa burguesa internacional aplaude como uma medida dura, porém necessária para “avançar pelo bom caminho do capitalismo”, embora ainda consideram que se trata de uma transição a partir de uma “economia socialista”. Um destes meios a qualifica como “Uma mudança de paradigma”[1].

Em um enfoque aparentemente oposto, a mídia oficial cubana reconhece que não se trata de uma medida menor, mas de  fundo:  “Não serão transformações superficiais”. No entanto defendem a drástica medida e a consideram inevitável pela “pressão permanente de um bloqueio que é mais do que pura propaganda” e “o impacto da pandemia”. Nesse contexto, afirmam que essas mudanças ocorrem no marco do processo da Revolução de 1959 (“uma Revolução para o bem de todos”) e por isso, “há razões para o otimismo”[2]. Embora a palavra “socialismo” tenha desaparecido do texto, todo o tom do artigo transmite a ideia de que se trata de uma transformação dentro da continuidade de seus parâmetros.

Acreditamos que ambos os enfoques estejam equivocados porque partem de uma premissa falsa: a economia cubana continuava sendo “socialista” no final de 2020. A LIT-QI, em oposição à imensa maioria da esquerda mundial, afirma, há mais de duas décadas, que o capitalismo foi restaurado na Ilha [3]. Neste marco conceitual, consideramos que as medidas adotadas a partir do “dia zero” representam um brutal plano de ajuste capitalista aplicado pelo governo de Miguel Díaz-Canel e do Partido Comunista cubano sobre os trabalhadores e o povo cubano.

A revolução e as conquistas

Para fundamentar esta consideração, nos parece necessário fazer uma breve revisão da história cubana, desde a Revolução de 1959, que expropriou as empresas imperialistas e a burguesia cubana (que fugiu massivamente para Miami). Cuba se transformou assim no primeiro Estado operário da América Latina, no próprio “quintal” do imperialismo estadunidense, e Fidel Castro e Che Guevara as referências de milhões de trabalhadores.

Como resultado da aplicação da economia centralizada e planificada pelo Estado, Cuba deixou de ser uma semicolônia ianque e o povo cubano conseguiu conquistas importantíssimas, como a eliminação da fome e da miséria, e de flagelos como a prostituição.

Houve avanços muito grandes no terreno da educação, que foi considerada uma das melhores do mundo, e a criação de um excelente sistema de saúde pública, com o maior número de médicos por cada mil habitantes do mundo, e uma indústria farmacêutica própria, independente dos grandes conglomerados privados das potências imperialistas.

A magnitude desta última conquista foi tão grande que inclusive 25 anos depois da restauração capitalista e de ter sido deteriorado, este sistema foi capaz de derrotar o coronavírus [4] e agora produzirá sua própria vacina para toda a população [5].

Ao mesmo tempo em que reivindicamos estas grandes conquistas da revolução, é necessário dizer que a direção cubana construiu um Estado burocrático, sem democracia real para os trabalhadores e as massas, segundo o modelo stalinista. Os trabalhadores cubanos nunca dirigiram o Estado cubano, quem sim dirigiu foi a burocracia do Partido Comunista.

Além disso, a direção castrista se manteve dentro do critério do “socialismo em um só país” proposto pelo stalinismo desde a segunda metade da década de 1920, contra a revolução socialista internacional proposta pelo marxismo desde o século XIX. Aquele modelo stalinista terminou fracassando e, tal como antecipou León Trotsky em seu livro A Revolução Traída , conduziu à restauração capitalista não só na ex URSS, mas também na Europa oriental, China e Cuba.

Embora não seja o objetivo central deste artigo, esta concepção do “socialismo em um só país” levou ao fato de que a própria política internacional do castrismo foi a que contribuiu para o isolamento da Revolução e a sobrevivência do imperialismo. Por exemplo, quando disse à direção sandinista em 1979, “que não fizessem uma nova Cuba na Nicarágua”, mas que se mantivessem nos marcos do capitalismo [6].

O período especial e a restauração

Em 1990, a queda da URSS e a restauração capitalista no Leste europeu significaram um duro golpe para a economia cubana, centrada na exportação do açúcar e seu intercâmbio por petróleo e tecnologia com esses países. Neste contexto, abriu-se o denominado “período especial” e a direção castrista começou a desenvolver uma política de restauração capitalista e de desmonte das bases econômicas do Estado operário. As principais marcas da restauração foram [7]:

  • A Lei de Investimentos Estrangeiros de 1995 que criou as “empresas mistas”, administradas pelo capital estrangeiro. Os investimentos foram dirigidos principalmente ao turismo e ramos afins, mas depois se ampliaram para outros setores, produtos farmacêuticos e, recentemente, petróleo.
  • Foi eliminado o monopólio do comércio exterior por parte do Estado, até então exercido pelo Ministério de Comércio Exterior: tanto as empresas estatais como as mistas podem negociar livremente suas exportações e importações.
  • O dólar se transformou, de fato, na moeda efetiva de Cuba, coexistindo com duas moedas nacionais: uma “conversível” em dólares e outra “não conversível”.
  • A produção e a comercialização da cana de açúcar foram, de fato, privatizadas, através das “unidades básicas de produção cooperativa” (80% da área cultivada). Seus membros não têm a propriedade jurídica da terra, mas os lucros obtidos são repartidos. Em 1994, começaram a funcionar os “mercados agropecuários livres” cujos preços são determinados pelo mercado.

O que acabamos de analisar não teve nada a ver com a NEP (Nova Economia Política) aplicada na URSS entre 1921 e 1928. Trata-se de algo qualitativamente diferente porque significou a destruição da essência do Estado operário cubano: eliminou-se a planificação econômica estatal centralizada e o Ministério que a realizava foi dissolvido. Em seu lugar, surgiu um novo Estado capitalista no qual a economia funciona de acordo com a lei capitalista do lucro.

A entrada do imperialismo

A restauração capitalista cubana foi feita essencialmente por meio dos investimentos estrangeiros, em especial dos imperialismos europeus e o canadense que hoje dominam os setores mais dinâmicos e fortes da economia [8]. Cuba foi perdendo a autonomia conseguida com a construção do Estado operário e começou um acelerado processo de recolonização.

Ao mesmo tempo, surgia uma nova burguesia “nacional” a partir dos aparatos do Estado e do Partido Comunista, basicamente pelo controle dos conglomerados de empresas estatais que subsistiam. No centro deste processo se localizava a própria família Castro. A revista Forbes estimava que, no momento de sua morte, Fidel possuía uma fortuna de cerca de 900 milhões de dólares [9].

A estrutura econômica cubana mudou muito nas últimas décadas: deixou de se basear no açúcar e se concentrou nos serviços que, em 2004, representavam 73,6% do PIB do país e 51% do emprego[10]. Nesse mesmo ano, os “rendimentos em divisas associados ao turismo” quase igualaram a cifra de exportações de bens físicos (mais de 2.1 bilhões de dólares). Quando se somam as entradas pelos medicamentos e outros, os serviços geram mais de 60% das divisas que ingressavam ao país. Entre esses “serviços” deve se incluir a “exportação temporária” dos muito qualificados médicos cubanos, o que rendia importantes receitas ao Estado capitalista cubano [11].

A visita de Obama

Nesse contexto, em 2016 ocorre a visita do então presidente Obama a Cuba e seu encontro com Raúl Castro. Por um lado, se retomavam as relações diplomáticas entre ambos os países (suspensas por décadas) e, por outro, se assentavam as bases para eliminar o bloqueio comercial e de investimentos declarado pelos EUA em 1962[12]. Este fato foi apresentado pelos defensores da corrente castro-chavista como “um triunfo da revolução”. Entretanto, seu significado real era completamente diferente.

Em primeiro lugar, desde a restauração do capitalismo em Cuba, um intenso debate se abriu dentro da burguesia imperialista estadunidense. Por um lado, estava a desprezível burguesia anticastrista residente em Miami, com fortes laços e muito peso dentro do Partido Republicano, que colocava duas condições para retomar relações com Cuba (e liberar o comércio e os investimentos): a queda do regime castrista e a garantia da devolução das propriedades expropriadas pela Revolução.

Por outro lado, diversos setores, majoritariamente ligados aos democratas, mas também com expressão dentro dos republicanos (como o senador de origem cubana Mark Rubio que participou da visita) viam que não eram aproveitadas excelentes possibilidades de negócios em um país tão próximo geograficamente, em áreas como turismo, finanças, produção agrária, venda de produtos industriais, etc. Oportunidades que estavam sendo utilizadas por países europeus (especialmente a Espanha). De fato, alguns já “trapaceavam” a legislação vigente nos EUA e realizavam investimentos “camuflados” por trás de empresas canadenses.

Em segundo lugar, o projeto do regime castrista é transformar Cuba em um destino de capitais estadunidenses, um receptor semicolonial de importantes investimentos imperialistas a poucas milhas da costa de Miami. Com uma parte desses investimentos dedicada ao turismo e à saúde, e outra à “zona franca industrial” criada no porto Mariel em 2013[12]. E que este processo fosse feito sem mudar o regime político castrista e respeitando as propriedades de seus altos componentes, agora a serviço de administrar um país capitalista semicolonizado.

Obama respondeu positivamente em ambos os aspectos. Por um lado disse: “Queremos ser sócios” (e todos sabemos o que isto significa na boca do imperialismo). Por outro: “o destino de Cuba deve ser definido pelos cubanos” e “aceitamos a existência de dois sistemas diferentes”. Em outras palavras, contanto que nos garantam a entrega de Cuba, não questionaremos o regime castrista.

Dois obstáculos: Trump e a pandemia

Essa era a realidade e a dinâmica em 2016. Desde então até hoje se cruzaram dois obstáculos nesse plano do regime castrista. O primeiro foi o triunfo de Donald Trump que, em função de manter a aliança com a desprezível burguesia anticastrista residente em Miami, deu marcha à ré na política impulsionada por Obama…e tudo se congelou.

Por outro lado, a pandemia e as restrições às viagens internacionais significaram um corte do fluxo de dólares que entravam na Ilha pela via do turismo estrangeiro. Com isso, toda a economia sofreu um golpe, que, numa análise profunda, já funcionava com o dólar como verdadeira moeda. Por exemplo, uma análise da BBC, sobre as recentes medidas, diz: “Os especialistas acreditam que Cuba vive um processo de desvalorização de sua moeda que acentua um comportamento cada vez mais frequente entre os cubanos: a busca desesperada de dólares”[14].

Esta é a verdadeira razão de fundo do plano “dia zero”: o estrangulamento temporário de um projeto de entrega do país ao imperialismo por escassez de dólares. O bloqueio estadunidense é um elemento real, mas secundário nesta realidade. É uma crise compreensível, mas típica de um país capitalista semicolonial e não de uma “fortaleza socialista sitiada” como argumentam os defensores do regime castrista.

Um ajuste que já vem de muitos anos

Com este cenário podemos entender muito melhor o significado do plano de medidas lançado no início deste ano. Nós o qualificamos como um “brutal plano de ajuste capitalista”. Mas antes de analisá-lo é importante assinalar que não é o primeiro plano de ajuste que o regime castrista aplica desde a restauração.

Por exemplo, em 2011 começou a aplicação de um plano de demissões em massa de funcionários do Estado: nesse momento, estimava-se que poderia atingir 1.300.000 pessoas[15]. Há vários nãos vem sendo reduzida a quantidade de beneficiários da chamada “caderneta de abastecimento”, pela qual os cubanos podiam adquirir produtos básicos a preços subvencionados. Produtos que, sem a caderneta, só podiam adquirir no mercado negro a preços muito mais altos.

Este último ponto era essencial, já que de fato os trabalhadores cubanos, pela forma com que recebiam seu salário, ficaram divididos em três segmentos. A maioria dos trabalhadores do Estado (e toda uma parte dos trabalhadores de pequenas empresas e comércios privados) recebiam pesos não conversíveis: eram os mais prejudicados, porque os preços dos “mercados livres” eram fixados em dólares. Conseguiam sobreviver graças à caderneta de abastecimento.

Um setor minoritário de trabalhadores estatais recebia em pesos conversíveis e assim tinha acesso com maior facilidade ao mercado negro. Muitos, como um setor de médicos, completavam seus rendimentos com serviços “por baixo do pano” aos estrangeiros que eram atendidos na Ilha. Finalmente, os trabalhadores ligados ao atendimento do turismo internacional (como hotelaria e certos restaurantes) conseguiam receber dólares diretamente dos visitantes estrangeiros.

A verdade é que no contexto de uma estrutura salarial legalmente diferenciada em 32 níveis, o próprio Instituto Nacional de Estatísticas cubano informava que o salário mínimo oficial, até estas medidas, era menos de 20 dólares e o salário médio do país era de 37 dólares [16].

A situação da classe operária e do povo cubano em seu conjunto deteriorou-se de forma dramática desde a restauração capitalista. Qualquer pessoa que tenha viajado e visto a realidade sem “viseiras ideológicas” pode comprovar. Entre outros flagelos capitalistas, voltou a prostituição.

Reflete-se também na própria literatura cubana. Leonardo Padura, que se tornou mundialmente conhecido pelo seu livro O homem que amava os cachorros , tinha escrito previamente uma série de romances protagonizados por um ex policial dedicado agora ao comercio de livros. Nelas, por trás de suas tramas específicas, se percebe, como contexto, essa degradação social [17].

O “dia zero”

A medida central deste novo plano é a unificação monetária e a legalização da dolarização completa da economia. Tal como dissemos, a nova moeda (agora conversível) começa com uma cotação de 24 pesos por dólar. Ao mesmo tempo, se estabelece um aumento do salário mínimo que o levaria, como ponto de partida, a um equivalente de quase 85 dólares.

Mas isto, que poderia parecer um aumento pequeno, porém real, não é assim. Por um lado, já foi anunciada a eliminação completa da “caderneta de abastecimento” [18], isto é, a unificação em um único mercado livre de todos os produtos básicos. Com isso, se acaba com o alívio que representava essa caderneta para muitos setores populares. O argumento para essa medida poderia ser os de qualquer ministro da economia de um governo burguês neoliberal: “É muito difícil subsidiar 100% da população porque dessa maneira protege-se quem contribui e quem não”, disse um dos funcionários que anunciou o plano [18].

Por outro lado, os especialistas concordam que estas medidas provocarão uma inflação de 160%, o que não só impactará no poder aquisitivo dos salários como, inevitavelmente, na cotação do dólar [19]. Com essa inflação e uma desvalorização que a cubra, o salário mínimo retrocederá rapidamente para menos de 34 dólares, agora sem subsídios para alimentos e produtos básicos.

À medida que deixam de falar para enganar os trabalhadores e o povo cubano, os altos funcionários castristas começam a dizer a verdade sobre o “dia zero”:  “o aumento das aposentadorias e da assistência social tem que ser feito mantendo um mínimo de equilíbrios macroeconômicos” e, como qualquer economista capitalista ortodoxo: “o maior risco de financiar um déficit orçamentário é o inflacionário, porque se joga na rua um dinheiro que não foi criado pela economia real” [20].

Dissemos que o “dia zero” era um profundo plano de ajuste lançado pelo governo de Díaz-Canel com o mesmo objetivo aplicados pelos outros governos burgueses: descarregar o custo da crise sobre as costas dos trabalhadores. Mas é necessário avançar ainda mais nesta análise: assim como esses governos, quer lançar as bases mais estratégicas de seu projeto de consolidar um novo e mais profundo nível de exploração dos trabalhadores, a serviço da colonização imperialista.

O governo cubano dá todas as garantias às empresas imperialistas para explorar os recursos da Ilha, oferece a possibilidade de contratar mão de obra altamente qualificada pagando os menores salários do continente e, junto com isso, o Estado garante às empresas que esses trabalhadores não farão greves nem exigências porque é proibido organizar-se fora do PC ou dos sindicatos oficiais. Um paraíso para os investimentos imperialistas, que o regime castrista espera que sejam retomados depois da pandemia e que sejam ampliados à burguesia estadunidense, na perspectiva de que Joe Biden retome a política de Obama.

Qual deve ser o programa para Cuba?

Procuramos mostrar que Cuba é, há mais de duas décadas, um Estado capitalista em acelerado processo de semicolonização. Nesse contexto, seu regime deve ser definido como uma ditadura capitalista, sem liberdades democráticas para os trabalhadores e o povo e com repressão para as diferentes manifestações opositoras.

Frente à essa realidade se apresentam basicamente três programas. O do imperialismo é, como vimos, “avançar pelo bom caminho do capitalismo [colonizado]”. Nesse sentido, não há nenhuma pressa para tirar o atual regime castrista, e se respeitarão as fortunas que seus altos quadros acumularam,. Dessa forma, em especial o imperialismo europeu, pede que abram algumas “válvulas de escape” para evitar que a caldeira exploda.

O segundo programa é o dos defensores da fábula da subsistência de Cuba como “último bastião do socialismo”. A conclusão é a defesa incondicional de tudo o que o regime castrista faça, tanto este brutal plano de ajuste como o da repressão a toda manifestação opositora com a acusação de que são “provocações do imperialismo”.

O terceiro programa é o que devemos levantar os revolucionários socialistas. É impossível desenvolvê-lo aqui com toda sua profundidade, mas acreditamos que, basicamente, surge da combinação das respostas a três problemas centrais: as condições de vida da classe operária, a colonização imperialista, e o caráter ditatorial do regime.

Se a análise que desenvolvemos estiver correta (isto é, se Cuba se transformou em um país capitalista em processo de colonização econômica), o eixo estratégico do programa deve ser a necessidade de que se desenvolva uma nova revolução operária e socialista no país que reconstrua as bases do Estado operário destruídas pelo castrismo. Dentro deste programa, tem importância central a luta contra a dominação imperialista, as medidas concretas que se aplicam para facilitá-la e suas consequências no nível de vida dos trabalhadores e do povo cubano.

Hoje, tal como em 1959, a verdadeira tarefa é libertar-se do imperialismo. A independência cubana conquistada com o Estado operário foi perdida. Para recuperar essa independência, hoje é necessário realizar uma nova revolução social que exproprie as empresas e os capitais europeus e canadenses (e impedir a irrupção massiva dos estadunidenses), da mesma forma que, para consegui-la, foi necessário expropriar ao imperialismo ianque e aos “vermes”. A profunda diferença com o processo iniciado em 1959 é que isso hoje significa lutar contra a política do regime castrista.

Muito relacionado a isso, é necessário levantar o rechaço ao plano de ajuste contido no “dia zero” e a reivindicação de um salário mínimo que cubra, em sua equivalência em dólares, o custo real da cesta básica necessária para uma família trabalhadora. E muito ligada a esta questão, está também a necessidade do direito dos trabalhadores de poder formar sindicatos independentes e do direito de greve.

Ambos os processos nos levam a bater de frente e a lutar contra o regime castrista e o governo de Díaz- Canel. Defendemos o direito de formar partidos políticos que não sejam o PC. Nisto, incluímos não somente o direito para partidos revolucionários, como os que compõem a LIT-QI, como também para organizações reformistas como Podemos e o Syriza. Para aqueles que nos acusam de defender liberdades também para a burguesia, respondemos que a burguesia imperialista já tem e terá todos os direitos de explorar os trabalhadores cubanos e obter grandes lucros no país, pelos acordos feitos pelo governo castrista. Defendemos as liberdades para todos, para que os trabalhadores possam lutar melhor contra esta exploração capitalista e contra a ditadura castrista. Esta luta só pode ser levada até o final com a derrocada do regime castrista, que as impede de modo absoluto.

Com respeito à luta antiditatorial e pelas liberdades democráticas para os trabalhadores e as massas, podemos dizer que a situação cubana é similar à luta contra outras ditaduras capitalistas. Para nós, a queda deste regime pela via da ação das massas seria um passo adiante e abriria melhores condições para a luta estratégica pela revolução operária e socialista.

Essas liberdades não virão das mãos do imperialismo que, em última instância, prefere por ora operar através do regime castrista e negociar com ele. Menos ainda virá dos “vermes” de Miami, expulsos com a revolução de 1959. É uma luta que deve estar intimamente ligada à construção de um novo Estado operário cubano e, com ele, a recuperação das conquistas que se perderam ou estão sendo perdidas. Nessa tarefa, o regime castrista (Díaz-Canel incluído) é o inimigo imediato a combater.

Esta proposta nos leva à necessidade da unidade de ação com setores médios que também lutam pelas liberdades democráticas. Por exemplo, a que realizamos, há alguns anos, com a artista plástica Tania Bruguera, perseguida pelo regime [21]. Ou a nossa solidariedade, com o que foi chamada, muito mais recentemente, “A revolução dos aplausos” [22]. Para nós, não se trata de setores contrarrevolucionários, mas de uma reivindicação democrática progressiva de setores médios, intelectuais e jovens.

Algumas considerações finais

Estas conclusões e estas propostas podem ser chocantes para a imensa maioria dos militantes da esquerda, educados na reivindicação e defesa do que foi o único Estado operário da América Latina, e do justo prestígio que os irmãos Castro (especialmente Fidel) ganharam por liderar essa revolução. Fomos parte dessa geração e grandes admiradores e defensores da revolução cubana. Mas, como marxistas, não podemos basear nossas análises e caracterizações, nem elaborar nossa política baseando-nos em razões sentimentais e sim nos fatos da realidade, por mais duros que sejam.

Preferimos nos basear em duas questões presentes em Trotsky. A primeira são suas elaborações de A Revolução Traída às quais já nos referimos, que nos permitem compreender o que acontece em Cuba. Outra, é o critério expressado no “Programa de Transição”: “Dizer a verdade às massas por mais amarga que esta seja”.

Notas:

[1] https://www.ambito.com/mundo/cuba/2021-ajuste-devaluacion-y-un-cambio-paradigma-n5160099

[2] https://cubasi.cu/es/noticia/editorial-sonar-una-cuba-mejor-trabajar-por-ese-sueno?fbclid=IwAR3YVZL5MmJFGlu_bWfotWs9hfT2cLbE8xj1rgDHVpCawqDdw8Lz9cbJC6w

[3] Sobre este tema, ver a transcrição do debate realizado no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, em 2001, entre a direção da LIT-QI e dirigentes cubanos em: https://litci.org/es/debate-de-la-lit-ci-con-los-dirigentes-cubanos-2001/

[4] https://litci.org/es/por-que-cuba-logra-frenar-la-expansion-del-coronavirus/

[5] https://www.dw.com/es/una-vacuna-contra-covid-19-hecha-en-cuba/a-54609196

[6] Sobre este tema, ver, entre outros muitos materiais, a revista Correio Internacional 48, julho 1990 (primeira época) e a revista Correio Internacional 20(terceira época), julho 2018.

[7] Os dados foram tomados do artigo citado na nota 3.

[8] Em 2005, existiam 258 empresas associadas com o capital estrangeiro. Os países de maior presença são Espanha (77 empresas), Canadá (41) e Itália (40). Dados extraídos do artigo Empresas Estrangeiras em Cuba, do jornalista Nelson Rubio.

[9] https://www.periodicocubano.com/conoce-la-fortuna-y-vida-lujosa-que-tuvo-fidel-castro/

[10] Em 2006, o comercio exterior e os ingressos por turismo e serviços somavam em torno de 10 bilhões de dólares, quase um terço da economia do país (Dados do Banco Central de Cuba).

[11] Ver artigo da nota 4 y https://litci.org/es/menu/especial/autores/medicos-cubanos-una-conquista-de-la-revolucion-del-59/.

[12] Sobre este tema, ver: https://litci.org/es/sobre-la-visita-de-obama-a-cuba/

[13] http://www.zedmariel.com/es

[14] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-55516428.amp, fonte em português, tradução nossa.

[15] https://elpais.com/internacional/2011/01/04/actualidad/1294095608_850215.html

[16] Dados extraídos de https://www.dw.com/es/cuba-quintuplicar%C3%A1-el-salario-m%C3%ADnimo-como-parte-de-su-reforma-monetaria/a-55913122#:~:text=El%20ministerio%20establece%2032%20escalas,estatal%20Oficina%20Nacional%20de%20Estad%C3%ADsticas.

[17] Recomendamos ler, em especial, sua tetralogia As quatro estações  e outras obras como A neblina de ontem.

[18] Ver nota 1.

[19] Idem.

[20] Idem.

[21] Ver diversos artigos em https://litci.org/es/?s=tania+bruguera

[22] Sobre este tema ver, entre outros artigos da imprensa: https://www.periodismodebarrio.org/2020/12/la-revolucion-de-los-aplausos/ y https://www.lavanguardia.com/internacional/20210103/6163004/revolucion-aplausos.html

Tradução: Lilian Enck

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