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Correio Internacional

O movimento de massas contra as mudanças climáticas

fevereiro 21, 2020

O movimento internacional contra as mudanças climáticas, que está se expandindo em todo o mundo, começa a criar raízes também na Itália (quão efetivo, ainda está para ser visto).  

Por: Matteo Bavassano (publicado em Correio Internacional – Novembro de 2019)
O fato não é absolutamente surpreendente em si mesmo: embora o último grande movimento internacional de massas que cruzou a Europa, o Norte da África e o Oriente Médio e, em menor escala, também os Estados Unidos, ou seja, o dos anos das “Primaveras Árabes”, que refletiu na Europa através dos movimentos dos Indignados e, nos EUA com o OccupyWallStreet, na Itália, por razões contingentes e puramente nacionais, não houve desenvolvimentos significativos; era, assim, certamente previsível que seria diferente com o movimento contra as mudanças climáticas.
O que, talvez, era difícil de prever é a amplitude que, pelo menos nas três greves climáticas globais, organizadas pelas Fridays for future (Sextas-feiras para o futuro), este movimento assumiu na Itália, sendo considerado o país europeu com maior mobilização; mas também nesse sentido havia fatores que poderiam indicar um desenvolvimento desse tipo: tentaremos enumerar alguns deles (sem esperar esgotá-los todos) e analisá-los.
A importância de uma análise não superficial
Analisar as causas e a extensão de um movimento que não é imediatamente classista, como aquele contra a mudança climática que agora alcançou uma dimensão de massa em diferentes países, é uma tarefa complexa e, para realizá-la adequadamente, devemos evitar uma série de simplificações que, infelizmente, são frequentemente moeda comum na esquerda que se apresenta como “classista”. Estas simplificações podem ser essencialmente divididas em dois grupos de signos opostos: sectárias e oportunistas / comodistas (codiste/codisti/codism*).
As simplificações sectárias partem da “absolutização” do caráter interclassista do movimento contra as mudanças climáticas, tal como se apresenta agora, e incluem uma série de posições que vão da teoria da conspiração, segundo a qual o movimento se desenvolveu com base em interesses conflitantes de setores da burguesia mundial, em um confronto interimperialista entre o Trump “poluidor” e o “capitalismo verde” chinês e, portanto, os manifestantes são espécies de marionetes que se movem de acordo com esse embate interburguês, até posições aparentemente classistas que não negam abertamente o problema das mudanças climáticas, mas argumentam que são secundárias em relação à principal contradição, que é a do capital e trabalho.
Estas “posições” subestimam a importância da intervenção no movimento, rejeitando a batalha por demandas concretas contra as mudanças climáticas, deixando, na prática, o campo livre para a hegemonia das posições burguesas e reformistas no movimento e, no campo teórico, negando o fato de que a contradição capitalismo-natureza seja inseparável daquela capital-trabalho, e que a solução não está subordinada a ela, numa visão do tipo «o socialismo resolverá tudo “, mas é paralela, pois a luta contra a destruição da natureza deve se tornar parte da luta pelo socialismo.
Mas isso só pode acontecer se as vanguardas políticas da classe operária conseguirem interagir vantajosamente com o movimento contra as mudanças climáticas: quer propondo medidas organizativas e reivindicações ao conjunto do movimento, para ganhar a confiança dos ativistas, mostrando que o interesse dos revolucionários é de que o movimento como tal se desenvolva e cresça, quer fazendo propaganda do socialismo entre a vanguarda do próprio movimento, isto é, explicando por que a solução não pode consistir apenas na luta contra as mudanças climáticas, mas deve necessariamente expandir-se em uma luta contra o sistema econômico capitalista, para substituí-lo por uma sociedade socialista.
A dialética de desenvolvimento do movimento contra as mudanças climáticas
Para além do que pensam os defensores das teorias de conspiração mencionadas, a verdadeira razão pela qual os ativistas estão se mobilizando é o fato que o capitalismo está destruindo o planeta: se não partimos deste fato concreto, é impossível entender corretamente a análise do desenvolvimento do movimento e, portanto, é impossível entender como intervir.
A ciência burguesa fala sobre mudanças climáticas há anos, mas mesmo antes disso, seguindo as ideias de Marx e Engels, os marxistas já haviam começado a falar sobre o tema, estendendo o campo não apenas ao aquecimento global, mas a todos os danos ambientais causados ​​pelo capitalismo, que a grande imprensa burguesa tem o cuidado de não citar se não for forçada e, acima de tudo, nunca estão ligadas ao sistema econômico como tal, mas apenas à sua má administração.
Alguém pode perguntar por que o movimento expandiu-se justamente agora. É evidente que a imprensa burguesa, a pedido obviamente da grande burguesia, decidiu dar maior importância ao problema climático em sua agenda, que antes era relegado ao pano de fundo do debate político, explorando a imagem midiática de uma jovem ativista de dezesseis anos, a sueca Greta Thunberg, para criar um amplo movimento de opinião, Fridays for future. Especialmente na Europa, isso correspondia a necessidades políticas específicas, ou seja, diante do fracasso dos partidos tradicionais do establishment europeu, em particular dos partidos socialdemocratas e dos partidos neorreformistas mais recentes (que nos anos da última crise foram a sustentação dos países cujo regime estava em maior dificuldade, Grécia, Espanha e Portugal), para conter o crescimento dos partidos de direita institucional (Lega, Front national, Ukip etc.) e repropor governos que tivessem o apoio das massas populares, possivelmente também através do crescimento de partidos verdes, como de fato aconteceu nas eleições europeias de maio passado.
Para os marxistas, no entanto, essas não são razões para se afastar do movimento, uma vez que representam o quadro objetivo das contradições que indicam como intervir no movimento: a burguesia tenta explorar um problema real para criar um apoio de massas à forças reformistas (como são os partidos verdes), mas para isso deve realmente mobilizar as massas populares contra as mudanças climáticas.
Esta mobilização, no entanto, não é controlada pela burguesia e, de fato, não parou após a segunda greve climática, realizada algumas semanas antes das eleições europeias: evidentemente, não é possível acabar de um dia para outro uma mobilização dessa magnitude, mas é necessário levá-la ao beco sem saída da pressão sobre os governos para que tomem medidas contra as mudanças climáticas. Quanto mais essa perspectiva parecer crível, mais ilusões terão os ativistas de que é possível encontrar uma solução sem lutar contra o sistema capitalista: é por isso que as Nações Unidas acolhem Greta Thunberg e a deixam falar diante da Assembleia Geral e das massas de todo o mundo, para que pareça crível que os poderosos da Terra estão se ocupando do problema. E, no entanto, contraditoriamente, as massas continuaram se mobilizando, como demonstrado pelas manifestações oceânicas da terceira greve climática.
Precisamente essa dinâmica de mobilização de massas, que no momento não mostra sinais de parar, abre possibilidades importantes para os revolucionários. Se as forças reformistas propõem, conforme sua natureza e sua utilidade para o capital, soluções para o aquecimento global compatíveis com o sistema econômico atual, todavia a contradição entre capitalismo e natureza é incurável, o que permite a intervenção e a propaganda revolucionárias no movimento, que podem explorar todas essas contradições para tentar oferecer um direcionamento classista a um movimento que nasce interclassista: somente o programa socialista pode de fato resolver o problema ambiental em sua raiz. A principal dificuldade dos revolucionários em intervir no movimento hoje se deve à sua fraqueza em relação à amplitude do próprio movimento.
A situação do movimento na Itália
No quadro internacional descrito, é necessário acrescentar as particularidades nacionais que fizeram com que, pelo menos até o momento em que estamos escrevendo, o movimento italiano contra as mudanças climáticas se tornasse o mais amplo entre os europeus.
Dado que, no momento, a mobilização envolve principalmente os estudantes, é importante destacar que não houve grandes manifestações estudantis desde aquela da primavera de 2015 contra a “Boa escola” de Renzi: isso significa que as forças estudantis se acumularam de alguma forma, somando-se às forças daqueles que já se haviam mobilizado, antes às forças das novas gerações de estudantes (que estão massivamente presentes nas manifestações), foram assim capazes de criar grandes manifestações que também abrem vastas possibilidades de radicalização.
Em segundo lugar, é bom levar em conta a situação política mais geral: o movimento contra as mudanças climáticas começou a se desenvolver em massa em 2018 e, pelo menos desde setembro de 2017, a imprensa burguesa de “esquerda” tinha iniciado uma ampla campanha na mídia contra o governo, especialmente na pessoa do então ministro do Interior, Matteo Salvini e suas medidas xenófobas e repressivas, uma campanha que havia propiciado toda uma série de iniciativas, também organizadas pelo Pd e pelas oposições parlamentares de “esquerda” que, porém, haviam mobilizado dezenas de milhares de pessoas em todo o país.
Nesse clima, as duas primeiras greves climáticas tiveram uma participação importante da massa, mas a terceira greve, realizada em 27 de setembro passado, representou um salto qualitativo, fazendo com que mais de um milhão de pessoas saíssem às ruas criando, assim, manifestações tão participativas como não se viam há quase vinte anos (pessoalmente, assistimos a um desfile de cerca 150 mil pessoas em Milão).
A magnitude deste terceiro dia de mobilização surpreendeu até aqueles que haviam apostado no crescimento do movimento: de fato, ainda que minoritárias por enquanto, em comparação ao movimento como um todo, começaram a se espalhar palavras de ordem anticapitalistas, opondo-se, assim, àqueles que queriam tornar o movimento apolítico mascarando-se por trás do apartidarismo das manifestações, na verdade tentando impedir que os partidos operários participassem das manifestações com seus símbolos.
Essa natureza apartidária “seletiva” certamente não afetou os administradores do Partido Democrata (como o prefeito de Milão, Sala) que tranquilamente se protegeram atrás do seu papel “institucional”, para fazer sua propaganda política. É claro que é o preconceito contra os partidos operários que deve ser combatido pela participação pessoal no movimento, e embora as bandeiras vermelhas ainda sejam um tabu em praticamente todas as manifestações, embora alguns ainda não estejam convencidos de que os partidos revolucionários possam fazer propaganda de suas posições durante as manifestações, apesar de tudo isso centenas de jovens e muito novos liam avidamente todos os folhetos que expressavam posições anticapitalistas distribuídos nos vários eventos.
Esta evidente predisposição dos jovens manifestantes à radicalização, juntamente com a amplitude do movimento, colocou as forças reformistas diante da necessidade imperiosa de controlá-lo mais ainda e travar o seu desenvolvimento.
As direções atuais do movimento e suas necessidades
O movimento, por sua própria natureza, não é homogêneo, não possui uma estrutura precisa e tem diferentes composições e orientações políticas em diferentes cidades: isso, se por um lado impede o desenvolvimento e a radicalização do movimento em nível nacional, por outro aumenta a dificuldade em controlar o movimento pelas forças políticas burguesas e reformistas, porque permite que, no nível local, especialmente nas grandes cidades, o movimento continue sendo controlado pelos Centros Sociais.
Estes últimos, por trás de uma fraseologia anticapitalista de fachada, na realidade condenam o movimento não apenas ao localismo, mantendo separadas as lutas das várias cidades também nesse campo, mas condenam também à subordinação ao Partido Democrata, não sendo capazes de fazer oposição política concreta no movimento, devido aos vínculos que mantêm com as administrações municipais (visando a manutenção de espaços ocupados).
As forças burguesas e reformistas apontam para uma estrutura nacional verticalmente estruturada, imposta burocraticamente, que possa controlar o movimento expurgando-o de tudo o que ha de revolucionário em seu interior, resumindo. A assembleia nacional realizada em Nápoles, de 4 a 5 de outubro, quase “surpreendentemente” uma semana após as mobilizações, sem que os ativistas soubessem de nada até alguns dias antes, representou um momento de confronto entre essas duas frentes rivais que disputam a direção do movimento e acabou em um impasse organizativo substancial, apesar de pequenos passos adiante no nível político geral, pelo menos em relação às premissas muito confusas do movimento.
Para alcançar alguns resultados, o movimento não pode ficar preso nas várias regiões, temos anos de exemplos de lutas estudantis levadas ao fracasso pelos vários Centros Sociais que as dirigiram. E aqui voltamos ao problema do comodismo, apenas sugerido anteriormente, que atinge várias organizações autodenominadas “classistas” e que, por oportunismo, não se opõem às modalidades organizativos dos Centros Sociais, contentando-se em poder “dar a sua opinião” em assembleias que não contam pra nada e são controladas pelos próprios CSs. Pensando em seu interesse organizacional, o contrapõem ao interesse geral do movimento, condenando-o à impotência.
A organização, já necessária hoje para o movimento, é de natureza nacional, mas não deve permitir o controle burocrático dos reformistas: para nós, essa organização deve basear-se na organização do movimento Fridays for future (que, no que diz respeito à Itália é no momento a estrutura predominante), com assembleias periódicas locais, que elejam democraticamente seus representantes junto a uma coordenação nacional que queira direcionar o movimento e transformá-lo de um movimento de opinião, em um movimento de luta através da identificação de uma série de reivindicações anticapitalistas nacionais, que sejam integradas pelas várias assembleias territoriais por reivindicações locais a serem realizadas na região, de modo a criar uma dinâmica que amplie o movimento, o faça  radicalizar e aumentar sua consciência anticapitalista.
Para isso, é necessário aproveitar ao máximo as contradições abertas por um movimento de massas como Fridays for future, apesar de sua atual confusão e heterogeneidade política. Agir fora dele significa condenar-nos a ser excluídos da mobilização. À medida que a influência das palavras de ordem dos revolucionários se desenvolver, o movimento perderá progressivamente seu caráter interclassista, e até os setores pequeno-burgueses que continuarem a se mobilizar se vincularão ao programa do socialismo revolucionário.
*codiste/codisti/codismo – os termos provêm de coda (fila, fileira), significam grupos que seguem uma corrente por interesses próprios e por acomodação, sem possuírem um específico projeto político, sendo considerados nocivos e oportunistas.
 
 
 

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