O preço de ser parte da UE e da zona euro
Analisamos em outro artigo que, a partir de sua entrada na zona euro, a Grécia percorreu o caminho que a transformou de sócio menor da cadeia imperialista em uma semicolônia das potências imperialistas europeias, especialmente da Alemanha. Algumas elaborações dentro da LIT-QI consideram que esse caráter semicolonial já começou a ser construído a partir do segundo pós-guerra e que agora se aprofundou ao extremo.
Por: Alejandro Iturbe
A definição de semicolônia parte do fato de que o país assinou pactos políticos e econômicos que o subordinam ao imperialismo, como aqueles que integram à UE (1993) e à zona euro (2001). Também existem pactos militares de subordinação, como a adesão da Grécia à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) a aliança militar imperialista, encabeçada pelo imperialismo norte-americano como uma peça-chave de sua estratégia militar e política mundial. A OTAN possui quatro bases na Grécia (Tessalônica, Larissa, Preveza e Souda Bay) de alto valor geográfico para o controle do Mediterrâneo oriental. Nesta subordinação ao imperialismo, a situação da Grécia é similar à dos países latino-americanos.
Ao adotar o euro como moeda, a Grécia renunciou ao direito de emitir sua própria moeda pelo que sua política monetária e financeira (de acordo ao Tratado de Maastricht) passou a estar supervisionada pelo BCE (Banco Central Europeu) e controlado pelas potências imperialistas do continente. Isto é, perdeu sua soberania monetária e financeira.
Esta situação de base deu um salto ao iniciar os acordos para os “planos de resgate” da dívida externa grega. Estes acordos tiveram duas consequências. Por um lado, a Troika (BCE, UE e FMI) passou a dirigir diretamente toda a política econômica grega, com a capacidade de definir que podia e o não se podia fazer. Por outro, expressou-se em planos de ajuste (cujo eixo era garantir o pagamento da dívida externa) que reduziam a cada vez mais a economia do país e atacavam duramente o nível de vida dos trabalhadores e do povo. Alguns pontos do recente acordo, como a “privatização” da cobrança de impostos já são diretamente elementos coloniais.
Ao mesmo tempo, esse caráter semicolonial leva a um esvaziamento de todo conteúdo de vontade popular das instituições da democracia burguesa. Quem realmente governa (a Troika) não é eleito pelo voto popular. E inclusive quando suas propostas são claramente rechaçadas pelo voto popular (como na eleição do Syriza, no ano passado, e no plebiscito do último dia 5 de julho), acabam se impondo planos ditados pela vontade da Troika, através de governos que passam a atuar como verdadeiros “administradores coloniais” do país.
Um país que se contrai
Este caráter semicolonial e o saque de riqueza se expressam com clareza na grande redução da economia do país. Inicialmente, a integração na UE e a zona euro (no marco de uma fase expansiva da economia mundial) originou um crescimento do PIB grego a uma média anual de 4% entre 2001-2006.
Mas estas cifras escondiam um processo profundo e muito perigoso de “simplificação” da economia do país. A grande indústria passou a concentrar-se em um único setor (a construção naval), enquanto outras, como a mineração, praticamente desapareciam. O outro setor privilegiado foi o turismo e as atividades associadas. Foram precisamente os rendimentos gerados pelo turismo e as atividades afins os que permitiram, nesses anos, compensar as crescentes importações de produtos industriais.
Mas em 2006 a economia grega “estagnou” e, até 2010, cresceu apenas 0,10% de média anual. O pagamento da dívida externa já passava sua fatura e, ao mesmo tempo, se antecipava a crise econômica mundial que estouraria em 2007.
A partir de 2010 começa o “colapso” completo. Com grandes dificuldades para pagar a dívida externa, os governos da Nova Democracia e do Pasok aceitaram “planos de resgate/ajuste” cada vez mais duros e destruidores. O resultado é que, desde 2011 até hoje, esses planos fizeram com que a economia grega decrescesse uns 28%, uma verdadeira catástrofe econômica e social gerada pelo capitalismo imperialista europeu.
A dívida externa
Alguns trabalhadores, ao ouvir nossa proposta do não pagamento da dívida externa, nos respondem que quem contraiu uma dívida deve pagá-la, como faz um trabalhador que pediu um crédito para comprar uma casa, um automóvel ou um eletrodoméstico. E se ele se endividou acima de sua capacidade de pagamento a culpa é dele e não do credor.
Mas, há uma grande diferença: quem contrai as dívidas externas dos Estados não são os trabalhadores senão os governos burgueses. E a maior parte dessas dívidas não foi para solucionar as necessidades do país ou do povo senão dos banqueiros e empresários.
Vejamos a evolução da dívida externa grega, para analisar sua composição. Nas últimas décadas, a dívida externa sempre foi relativamente alta comparada com o PIB do país: em 1990, representava 72%. A integração à zona euro (e a perda de soberania monetária) elevou essa percentagem ao redor de 100% e assim se manteve até 2005. Em 2006 e até 2010 (já no meio da crise econômica) salta para 150% e, a partir dos “planos de resgate”, cresce até 180% do PIB (mais de 310 bilhões de euros ou 338 bilhões de dólares).
Há que entender que são realmente os chamados “planos de resgate”. Em realidade, a quem se “resgata” é aos bancos credores já que o país que o solicita (porque não pode pagar os compromissos prévios) não vê um euro ou dólar. Esses planos fazem um movimento contável que permite que os bancos “limpem” seus balanços e o primeiro que se faz neles é “separar” a parte dos pagamentos previamente comprometidos e assegurar os pagamentos futuros.
Ao mesmo tempo, avança-se nos compromissos de privatizações de empresas do Estado a “preço de oferta”. Na Grécia, por exemplo, se fará um fundo com o resultado da venda das poucas que restaram no país (como o porto do Pireu) para… pagar a dívida.
Isto é, o país devedor paga, e paga: só neste plano de resgate se “reservaram” 13 bilhões de euros (14,17 bilhões em dólares) para os pagamentos deste ano. Aos quais devem ser somado os 425 milhões de euros que já foram pagos em abril passado.
Inclusive se considerássemos que a dívida externa grega de 2001 (ano da integração do país à zona euro) era “legítima” e não fraudulenta (120 bilhões de euros), ela já foi paga em excesso. Mas, em lugar disso, a dívida do país se multiplicou duas vezes e meia, com a “magia especulativa” do chamado juros compostos.
As dívidas são de honra?
Em realidade, são as grandes potências imperialistas as que na história disseram várias vezes “que Deus lhe pague” com sua dívida externa. Após a Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha devia bilhões de libras esterlinas à Argentina pelo fornecimento de alimentos durante o conflito. Mas não pagou: declarou um bloqueio de libras esterlinas e obrigou à Argentina a aceitar como pagamento as já muito obsoletas instalações da ferrovia, de empresas de energia e telefones de sua propriedade no país.
O imperialismo alemão saqueou à Grécia ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial com empréstimos forçados cujo valor hoje superaria os 150 bilhões de euros. A isso há que lhe somar mais de 100 bilhões de euros pelos danos ocasionados ao país durante a ocupação. Mas esta dívida (e outras) foi perdoada a Alemanha (por ordem dos EUA e Inglaterra). Hoje, o imperialismo alemão lhes paga esse “favor” destruindo novamente a Grécia.
Isto é, para as potências imperialistas suas dívidas (inclusive quando foram originadas sob o controle de baionetas dos agiotas) não se pagam, mas as dos países semicoloniais com eles são uma “questão de honra”.
As consequências para os trabalhadores e o povo
Para os trabalhadores e o povo grego, este caráter semicolonial e os sucessivos “planos de resgate/ajuste” têm consequências terríveis.
Em primeiro lugar, com um aumento brutal do desemprego. Isto já começou no melhor período de integração à UE, onde só no setor mineiro foram fechados 132.000 postos de trabalho até 2005. O desemprego no país era de 2% em 1980, e cresceu a 10% em 2000. A partir dos planos de ajuste iniciados em 2010, há um salto impressionante deste índice para 25,6% em abril de 2015 (53,2% para menores de 25 anos). E a situação só vai se agravar, já que o acordo recentemente assinado pelo governo do Syriza se compromete a reduzir 150.000 empregos no setor público.
O poder de compra do salário mínimo (640 euros) vem diminuindo desde 2009, com uma queda superior a 30%, o que o leva a níveis menores que em 1995. As aposentadorias sofreram uma redução real a mais de 30% e seu valor básico (recebido pela maioria dos aposentados) é de 360 euros. Também se aumentou de 62 para 67 anos a idade mínima para adquirir aposentadoria integral.
E isto também vai piorar com o acordo assinado pelo governo do Syriza que prevê a suspensão dos acordos salariais, a permissão de realizar pactos salariais por empresa sem intervenção dos sindicatos, a limitação de prazos de vigência máximos dos acordos salariais, a diminuição e o congelamento dos salários mínimos, a criação de contratos de formação abaixo do salário mínimo interprofissional, a extensão do tempo de experiência para doze meses, a redução do prazo de demissão e do pagamento de indenizações, e a ampliação do emprego temporário.
Agravando ao extremo as penúrias, o sistema de saúde está em situação de colapso pela grande redução da despesa da saúde pública. Atualmente, está-se levando a cabo uma reforma hospitalar que prevê, entre outras coisas, a restrição de contratação de especialistas e de pessoal dos serviços de urgências para reduzir “custos elevados e desnecessários”. Além disso, continuarão reduzindo as despesas por medicamentos. Lembremos que uma recente medida do governo do Syriza confiscou os fundos de reserva de caixa das dependências públicas (desde os municípios até os hospitais), o que significa que agora não têm dinheiro sequer para comprar curativos de proteção.
A percentagem de população pobre no país passou de 20,1% em 2009 para 35,8% em 2012, e estima-se que em 2015 chegará a quase 40%. Não é casual, então, que se tenham triplicado os casos de depressão e que o número de suicídios cresceu em 45%. Quando dizemos que a vida dos trabalhadores e do povo morre dentro do euro não estamos exagerando1.
Como analisamos em outro artigo, para romper este circuito infernal de decadência e miséria que gera o saque semicolonial é necessário não pagar a dívida externa e romper com a UE e a zona euro.
Nota:
1. www.eldiario.es/agendapublica/proyecto-europeo/estaGrecia_0_284871869.html
Artigo publicado na revista Correio Internacional n.o 13, agosto de 2015.