Egito
Quatro anos da revolução: repressão aos que lutam e ataques aos trabalhadores
fevereiro 9, 2015
O quarto aniversário da revolução que derrubou o regime ditatorial de Hosni Mubarak esteve marcado por sangue e lágrimas.
Mais de 20 mortos nas ruas do Cairo e Alexandria nas mãos das forças de segurança e as bandas armadas pelo regime do marechal Abdel Fath Al-Sisi. Entre os mortos encontra-se a ativista Shaimaa El Sabbagh, do Partido Aliança Popular Socialista, abatida a sangue frio na cabeça enquanto marchava pacificamente no Cairo levando um cartaz que dizia “pão, liberdade e justiça social”. O vídeo em que a ativista e mãe de uma criança de cinco anos aparece ensanguentada nos braços de um amigo foi devastador e causou uma grande comoção em todo mundo.
Lamentamos a morte de Shaimaa, enviamos nossas mais sinceras condolências à sua família e às de todos os mártires caídos no domingo passado e nos unimos às vozes de indignação que ressoam no Egito e no mundo em denúncia à brutalidade e hipocrisia do regime. Em vez de abrir imediatamente investigações para descobrir os culpados pela morte das 23 pessoas no passado 25 de janeiro, o Ministro de Assuntos Exteriores se dirigiu aos meios públicos acusando vergonhosamente à Irmandade Muçulmana e a forças externas pela violência que marcou o aniversário da Revolução Egípcia. Agora mais que nunca é momento de retomar a luta por liberdade e justiça social que foi o motor das gigantescas manifestações ocorridas nos últimos anos.
Instabilidade, demissões e privatizações
Al-Sisi não pôde estabilizar o país, ao contrário, as péssimas condições de vida do povo trabalhador egípcio continuam se deteriorando e a única resposta do governo ao crescente descontentamento popular é o aumento do grau de controle e repressão. As políticas econômicas aplicadas até agora são mais do mesmo. O trem das privatizações segue o seu caminho e a conferência econômica na cidade de Sharm el-Sheikh, em março, prepara a venda ao capital privado de várias empresas públicas, além de apresentar megaprojetos econômicos a investidores privados, como a ampliação do canal de Suez, a construção de complexos turísticos e o projeto Triangulo Dourado, de mineração, no Alto Egito.
Menos alarde está se fazendo sobre as emendas à Lei Trabalhista que autorizam a demissão de trabalhadores sem direito a recurso na Corte do Trabalho e permitem as subcontratações e os contratos flexibilizados sem seguro social nem de saúde. Os níveis salariais continuam baixíssimos e o salário mínimo de 1200 libras egípcias (160 dólares), anunciado por Al-Sisi depois da sua vitória, é letra morta. As condições de trabalho são miseráveis. Muitos trabalhadores adoecem devido aos altos índices de insalubridade das indústrias petroquímicas, metalúrgicas, de cerâmica ou cristais. As mortes são constantes. Não há uma legislação que puna aos empresários que não asseguram condições dignas de trabalho.
O parlamento oriundo das próximas eleições de março de 2015 não garantirá a aplicação de leis justas uma vez que as velhas caras do regime, como o “magnata do aço”, Ahmed Ezz, sentenciado em 2011 por corrupção e libertado em setembro do ano passado, entre muitos outros, voltam à arena política.
São muitos os casos de fábricas que fecham depois de expirado o período de isenção fiscal. Por exemplo, uma fábrica de fibras na Alexandria colocou na rua 350 trabalhadores e liquidou a empresa em agosto do ano passado. Os trabalhadores continuam em luta e permanecem, três meses e meio após o ocorrido, realizando protestos nas portas da empresa. O caso de uma fábrica de fundição na Alexandria é emblemático. Os empresários deixaram aos trabalhadores sem salários nem pagamento das indenizações por oito meses após a dissolução da empresa, fechada também depois do fim das isenções fiscais. Assim mesmo, o dono da empresa Schweppes tentou vender a fábrica de Alexandria à Coca-Cola sem os 850 trabalhadores, que estão lutando contra o acordo há dois meses e, por enquanto, impediram a sua ratificação.
Por outro lado, durante o ano passado o Egito foi testemunha de um ritmo sem precedentes de demissões nas empresas Pharco, FarajAllah, Cadbury, Port Somid e Porto Sokhna, entre outras. Faz pouco tempo, 76 trabalhadores da Cargill (toda a linha de produção) foram despedidos.
Repressão para impedir as lutas
O governo Al-Sisi é ditatorial e repressivo. Representa a continuidade do regime estabelecido em 1952 por [Gamal Abdel] Nasser enquadrado em uma situação de grandes confrontos. O seu grande objetivo é esmagar completamente as lutas, encarcerando e matando aos ativistas que protestam. Os meios de comunicação internacionais repercutem com certa frequência casos dos jovens ativistas da Praça Tahrir, como o blogueiro AlaaAbdelFatah, detido junto com outras 24 pessoas em novembro de 2013 por fazer uma concentração no Cairo, ou a sua irmã Sanaa, detida por defendê-lo. Numerosos ativistas encarcerados realizam greves de fome neste momento.
Menos conhecidos, não obstante, são os violentos ataques aos trabalhadores que lutam por melhores condições de vida. Recentemente, um grande número de incidentes ocorreu em que os trabalhadores foram diretamente atacados com munição real, como no caso de Mohamed Kamel e os seus companheiros da empresa de tecelagem Abboud, na Alexandria, que protestavam pelo não-pagamento de salários.
Assim mesmo, os trabalhadores de uma fábrica de fibras em Ameria/Alexandria foram atacados por cães de uma empresa de segurança privada contratada pelo dono para intimidar aos ativistas. A propósito, o dono da fábrica é Ahmed Heikal, filho de Mohammed Hassanein Heikal, o principal acionista do Grupo de Investimentos Citadel, uma das maiores empresas de capital privado da África e o Oriente Médio.
Saad Mohamed Bakr, trabalhador da Empresa de Transporte Público que se imolou diante do Conselho de Ministros depois de ter sido arbitrariamente despedido e não poder retornar a trabalhar, é mais um mártir da revolução.
O recente exemplo de uma fábrica têxtil que desabou sobre os trabalhadores matando a 7 deles expressa a realidade de que, para o governo de Al-Sisi, a vida dos trabalhadores não importa tanto quanto os interesses dos grandes capitalistas, sejam eles militares, civis, nacionais ou estrangeiros.
O movimento sindical: uma reorganização mediada
Quando os egípcios derrubaram Hosni Mubarak em 2011, uma parte dos ativistas sindicais que tinham participado nos protestos vislumbrou a possibilidade de conquistar uma nova legislação sindical que libertasse as entidades das amarras do velho regime. Uma grande quantidade de novas organizações nasceu apoiada nas mobilizações, rompendo com a nasserista Federação Geral dos Sindicatos do Egito. O conselho militar, que em um primeiro momento tinha prometido aprovar uma “lei de sindicatos livres” mudou de ideia, por causa das numerosas greves, e paralisou o projeto de lei.
A Federação Geral de Sindicatos de Egito se negou a participar da luta pela aprovação desta lei. Também não trabalhou pela manutenção dos direitos trabalhistas quando da aprovação da última Constituição, tampouco lutou contra os ataques aos direitos estabelecidos na “lei trabalhista” de 2003, que regula o trabalho de milhares de trabalhadores egípcios nos setores privado e informal. Além disso, participaram do “diálogo social” com o Ministério do Trabalho e Imigração, com o objetivo de retirar direitos aos trabalhadores.
A experiência dos sindicatos independentes começou três anos antes da revolução e alcançou a centenas de sindicatos.
Ativistas do movimento operário e sindicalistas lançaram, em janeiro de 2014, uma campanha “Para uma lei trabalhista justa”, para defender os direitos dos trabalhadores. A campanha está a fazer reuniões e conferências em diferentes estados para avançar na consciência sobre a necessidade de conquistar leis justas no país, além de apoiar legalmente aos trabalhadores e propor um projeto de lei laboral.
A campanha “Para uma lei laboral justa” exige:
– A demissão do Ministro do Interior;
– A demissão e julgamento de todos os oficiais implicados em tortura e no uso de munição para valer contra os cidadãos egípcios;
– A revogação da lei antiprotesto, a garantia de liberdades e o direito de protestar pacificamente;
– O fim das demissões injustas e arbitrárias, bem como a assinatura de um decreto ditando a volta de todos os trabalhadores despedidos arbitrariamente, além das devidas compensações;
– A aprovação de uma lei que proteja o direito dos trabalhadores, detenha aos que a violem, e previna demissões de trabalhadores arbitrárias e injustas.
A resposta do regime foi introduzir elementos oportunistas e das forças de segurança para impedir o surgimento de alternativas independentes que pudessem organizar, unificar e dirigir as lutas contra o governo. Existe uma situação de dispersão, confusão e medo. O potente processo revolucionário vivido no país não conseguiu construir organizações de massas capazes de enfrentar com um programa, isto é, de maneira consciente, aos ataques do governo. O regime, além disso, vincula a revolução aos Irmãos Muçulmanos, o terrorismo e ao caos econômico, para ter uma justificativa para reprimir. Uma direção revolucionária não se improvisa e a sua ausência se converte em uma grande debilidade no Egito.
Surgiram, como afirmamos antes, pequenas organizações como o Sindicato Egípcio dos Petroleiros. Também apareceu recentemente um sindicato da indústria têxtil de Mahalla al-Kubra, que não sabemos exatamente se reflete um movimento progressivo ou uma tática da velha burocracia para aparecer como novidade.
A Federação Independente de Sindicatos Egípcios e a Federação Democrática dos Sindicatos Egípcios representam cerca de 2 milhões de trabalhadores cada um. Alguns objetam, no entanto, que foram construídos desde acima, sem democracia de base e um real processo de discussão. A pressão do governo sobre estas organizações é muito forte e levaram-nas à capitulação em alguns momentos. Há outros pequenos grupos como a Frente dos Trabalhadores Demitidos e a União de Trabalhadores Egípcios. Alguns destes sindicatos são iniciativas do governo ou dos aparelhos repressivos para desviar o processo de ruptura com as centrais oficialistas, outros refletem o processo de reorganização.
Outros grupos como o Centro Egípcio para os Direitos Econômicos e Sociais e a Iniciativa Egípcia para os Direitos Pessoais tem como um dos seus centros a denúncia das péssimas condições de vida do povo trabalhador e a mediação quando surgem conflitos.
Os grandes meios de comunicação jogaram um papel muito negativo em todo este processo, obscurecendo as lutas sociais, os protestos, as greves, os abusos contra os trabalhadores, os casos de corrupção e a sabotagem contra as empresas públicas. Representantes do governo de Al-Sisi reuniram-se com os diretores dos principais meios de comunicação para dizer-lhes que o grande tema a tratar é a luta contra o terrorismo e que estão proibidos de publicar qualquer notícia sobre os baixos salários, a crescente inflação, os casos de corrupção e os abusos policiais.
Com todas estas contradições há um importante processo de lutas e reorganização sindical que não cessou ainda. Os grandes projetos econômicos anunciados pelo governo não significarão a criação de empregos dignos, salários justos e mais direitos. O aumento da repressão pode desencadear novos protestos. A cada dia que passa fica mais claro que o regime não teme à Irmandade Muçulmana, como quer fazer parecer, em que pese sempre utilizá-los como desculpa para reprimir, do mesmo modo que aos trabalhadores e jovens ativistas que lutam contra as suas políticas, sejam do grupo ou ideologia que sejam. No Egito é proibido pensar, é proibido lutar.
Tradução: Rosangela Botelho