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Congo

Fora Kabila!

fevereiro 4, 2015
Dia 21 de Janeiro. Uma manifestação da oposição contra um projeto que modifica a lei eleitoral para permitir a manutenção do presidente no poder além de seu mandato, foi violentamente reprimida. Desde então espalharam-se a diversas cidades eventos insurrecionais como ocupação de estradas, saques, incendios de delegacias de políciae de edifícios

oficiais, refletindo a revolta da população e dos estudantes. Mesmo a igreja pediu ao governo que «não matasse seus concidadãos» e revogasse a lei eleitoral. Segundo pesquisas, a repressão teria feito entre 28 e 40 vítimas.

As razões da revolta

A situação política deste gigantesco país do centro da África lembra a recente revolução em Burkina Faso, onde o povo, indo às ruas, derrubou o governo. A Europa e os Estados Unidos, principais beneficiados com os saques dos recursos naturais da República Democrática do Congo (RDB), inquietam-se com a situação e conclamam por «um processo eleitoral democrático e transparente», pedindo «à classe dominante a responsabilidade política para manter a estabilidade».

O que desencadeou a reação violenta da população foi a adoção da proposta de emenda à lei eleitoral. Esta é uma manobra do regime para se manter no poder além de 2016, sem alterar a Constituição. De fato, após a Revolução em Burkina Faso, o próprio imperialismo americano desaconselhara o presidente de tentar uma manobra desta envergadura, temendo uma onda de revoltas. A tática é a seguinte: realizar as eleições somente após o censo da população, o que levaria no mínimo três anos: o tempo estimado para identificar, em circunstâncias muito difíceis, uma população de aproximadamente 66 milhões de habitantes. Finalmente, após a votação na Câmara, o artigo sobre a alteração foi vetado pelo Senado, que afirmou que “a atualização da lista eleitoral com base em dados demográficos deve estar em conformidade com o prazo constitucional para a organização das eleições presidenciais”[1]. Este compromisso é uma vitória temporária da mobilização, mas não é uma garantia contra futuras manobras, mesmo porque, de qualquer maneira, parece impossível fazer um censo e ao mesmo tempo manter o cronograma previsto. De fato, a RDC é uma das nações mais pobres do planeta, com uma infraestrutura deplorável e com uma administração pública bastante ineficiente. Um censo da população é uma tarefa gigantesca em um país com quase 80 vezes o tamanho da Bélgica.

Kabila: um balanço positivo para quem?
 
A imprensa não cansa de ressaltar o trabalho positivo de Kabila, tal qual Colette Braekman, que questiona:«Por que tamanho descontentamento e tamanho desejo de mudança, já que, desde a independência, o governo atual foi sem dúvida o que mais trabalhou pela reconstrução e pela modernização do país?»[2].

Esta nação de 66 milhões de habitantes está classicada em 187a, de um total de 187 países mencionados no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas[3]. A expectativa de vida é de 55 anos, a taxa de mortalidade infantil é a 14ª mais alta do mundo, com 78 mortes a cada 1000 nascimentos, e somente 46% da população tem acesso a água potável[4]. 70% da população vive abaixo do nível de pobreza e a mesma porcentagem vive da agricultura.


O que fez Joseph Kabila desde que foi eleito? Assinou ele mesmo leis escritas pelo imperialismo: o código de mineração, o código florestal e o código sobre os investimentos, que abrem brutalmente o subsolo do Congo às multinacionais estrangeiras. Todas estas reformas são impostas por meio do mecanismo da dívida, que determina o cancelamento da dívida com a aplicação de programas ultra-liberais.



A aposta é alta. Estes subsolos são realmente ricos em metais preciosos: coulumbita-tantalita, cobalto, diamante e ouro. A coulumbite-tantalita e o cobalto são utilizados em superligas, resistentes a condições extremas. O tântalo, derivado da coulumbite-tantalita é altamente resistente à corrosão, sendo utilizado não somente na eletrônica, mas na indústria aeroespacial e na aeronautica militar e civil. É também utilizado em telefones celulares, computadores (especialmente em laptops) e em controles de Playstation. O nióbio, extraído também do coltan (a coulumbite-tantalita), é um metal essencial para certos setores importantes, tais quais o setor enegético, o aeroespacial e do de transporte.

Na RDC, as estradas foram construídas nos últimos anos não para ligar as aldeias às escolas e aos centros de saúde, mas para transportar os materiais para as fronteiras e permitir o bom funcionamento desta pilhagem organizada.

A população está enraivecida. As administrações públicas não funcionam; a violência arbitrária da polícia, do exército e de grupos armados é corrente e cotidiana. A justiça lida com ataques regulares e pessoas graduadas não encontram empregos. A situação é catastrófica. Quando um dos países mais ricos em minerais do mundo importa anualmente 1 bilhão de dólares em gêneros alimentícios, isso quer dizer que toda a riqueza produzida não é direcionada para o desenvolvimento do país.

Um país ocupado militarmente

O saque em larga escala do subsolo congolês é a razão principal da presença da missão da ONU na RDC, já que o país não é ‘seguro’. A MONUSCO é uma das maiores missões das Nações Unidas, com 20.000 militares espalhados pelo território. Kabila os autorizou a utilizar «todos os meios necessários» para levar a cabo sua missão. Eis a chamada «manutenção da paz», mas para quem? As populações civis, vítimas das violências de grupos armados, da polícia e mesmo da MONUSCO, não são beneficiadas por esta ‘paz’. Esta missão, que tem um custo anual de 1,5 bilhão de dólares, serve para «apoiar o Governo da RDC em seus esforços de estabilização e de consolidação da paz»[5]. Em suma, serve para garantir um clima propício à extração das riquezas do Congo. A intervenção da ONU nada mais é que uma intervenção militar direta do imperialismo em um país estratégico que alimenta o mercado mundial e permite às multinacionais lucrarem milhões de dólares por ano.

A Europa está presente no Congo através das missões militares (EUSEC) e policiais (EUROPOL), no intuito não somente de formar o exército nacional, mas igualmente os batalhões da polícia, que atualmente reprimem as manifestações com sangue.

Por trás da fachada democrática…

Kabila foi instituído no poder pela «comunidade internacional» em 2001, após o assassinato de seu pai, Laurent Kabila, nacionalista que depôs o ditador Mobutu, com o apoio da população. Em 2006, eleições foram organizadas pela mesma «comunidade internacional» para legitimar Kabila no poder. “A revolução democrática está em andamento no Congo”, foi o título do editorial do Le Soir[6] na véspera do primeiro turno das eleições presidenciais na República Democrática do Congo. “Em poucos dias uma nova legitimidade aparecerá no Congo, baseada na vontade popular”. Tipos de exclamações delirantes como esta inundam as mídias cada vez que o imperialismo se dota deste método que denominamos de «reação democrática», que consiste em aclamar a liberdade dos «cidadãos» de irem às urnas, ao mesmo tempo que tenta estabilizar um regime semi-colonial em um país rico em energia e recursos geológicos, ou de interesse estratégico, ou todos os três, como é o caso do Congo[7].

Em 2011, disputando com a UDPS[8] e seu dirigente histórico de oposição, Etienne Tshisekedi, Joseph Kabila organizou muitas fraudes para vencer as eleições. Naquela época, os próprios institutos ocidentais de monitoramento reconheceram as fraudes. Segundo o relatório de Humans Right Watch[9], a repressão às manifestações da oposição que denunciava a fraude, ocorrida no dia seguinte às eleições, foi particularmente sangrenta, com mais de 24 pessoas mortas e dezenas de outras presas. A organização suspeita de que o número de mortos seja maior porque corpos teriam sido escondidos e pelas instruções dadas aos hospitais para não revelarem detalhes das admissões de pacientes. Houve evidências de execuções sumárias e casos de tortura (espancamentos, golpes de bastão com pregos). Mas isso não impediu a Europa e os EUA de continuar apoiando Kabila, um homem forte, que garante os negócios.

… um regime ditatorial

Então como, neste clima, o regime se mantém? De fato, os congoleses são conscientes de que a classe política congolesa, além de não lhes dar nada, organiza a pilhagem do país.
Vê-se todos os dias caminhões cheios de minerais e de madeiras preciosas deixar o Congo. Para responder à questão acima é preciso começar com uma observação: a República Democrática do Congo não tem nada de democrática.

Durante as manifestações destes últimos dias, a polícia disparou balas reais contra a multidão, a Agência Nacional de Inteligência (ANR) cortou a Internet e as redes GSM, os partidos de oposição foram cercados pela polícia[10]. Os dias seguintes foram marcados por incursões nos campi e em outros focos de oposição. E teme-se que estes militantes sejam torturados ou assassinados. Mas o discurso oficial, transmitido em 21 de Janeiro na RTBF, canal de televisão pública belga, proferido pelo ministro das Comunicações, é de que os mortos são apenas saqueadores filmados por agentes de segurança em propriedades privadas!


Para se manter no poder, o governo pode contar com as instituições repressivas do Estado, dependentes diretamente da presidência. Ela se utiliza da Guarda Republicana do presidente (12.000 homens), da ANR, da polícia de intervenção rápida (PIR) e da direção geral de migrações (controle de deslocamentos internos e externos). «Segundo a Anistia Internacional, seus agentes [da ANR] estão entre os torturados mais temidos da RDC. […] A oposição e os militantes da sociedade civil, acusados de violarem a segurança de Estado, são particularmente visados. Os ativistas são presos, mantidos em condições cruéis e desumanas, sem comida ou água, em centros de detenção secretos e sem acesso à assistência jurídica”[11].



Este governo não tolera crítica alguma, a tal ponto que chegou a expulsar, em outubro de 2014, o diretor adjunto do gabinete dos direitos humanos das Nações Unidas por ter ‘ousado’ denunciar em seus relatórios os abusos da polícia e do exército em uma operação de “segurança” entre Novembro de 2013 e Fevereiro de 2014[12].

Por uma revolução congolesa

As manifestações insurrecionais contra o poder são expressão de um profundo ódio da população para com os seus dirigentes, que se tornam bilionários graças a seus serviços prestados às multinacionais imperialistas, enquanto esta mesma população vive na miséria quase total. Essas mobilizações seguem o exemplo heróico do povo burquinense, que mostrou que a mobilização do povo é o único caminho. No Congo, também, a tarefa dos trabalhadores e da juventude, para melhorar suas condições de vida, é se livrar de Kabila e seu bando!

O que o povo congolês precisa não é de eleições manipuladas e organizadas pelo imperialismo, sob ocupação militar, mas de verdadeiras eleições livres, sob o controle dos movimentos populares, como os movimentos organizados da sociedade civil, os sindicatos, etc.

É igualmente fundamental que os trabalhadores belgas e europeus se mobilizem para defender os direitos democráticos de seus irmãos de classe congoleses, começando por denunciar a cumplicidade de seus governos e da Europa para com o regime ditatorial, que visa tão somente garantir os lucros das multinacionais!

·        Não à prorrogação do mandato de Kabila! Revogação da modificação na lei eleitoral!

·        Por eleições livres, sob o controle das organizações populares!

·        Fora as tropas da ONU e da União Europeia do Congo!

·        Nacionalização do setor de mineração! Não à pilhagem dos recursos naturais do Congo! Não ao pagamento da dívida!

·        Congo pertence ao povo congolês, não às multinacionais!
a

 

Tradução: Jóe José Dias


[1] Site de RFI, le 23/01/2015: http://www.rfi.fr/afrique/20150123-rdc-seant-adopte-article-8-loi-electorale-apres-amendements/.

[2] Blog da jornalista, de 21 janeiro http://blog.lesoir.be/colette-braeckman/

[3] Trefon, T., La mascarade de l’aide au développement, éd. Academia, l’Harmattan, 2011, p. 178.

[5] Site da MONUSCO

[6]  Um dos principais jornais da Bélgica http://www.lesoir.be/

[7] Presse Internaitnale n°41, septembre 2006 – http://www.lct-cwb.be/images/pdfs/PI/PI_41.pdf

[8] Union pour la démocratie et le progrès social

[10] Le Soir 20/01/2015

[11] Trefon, T., La mascarade de l’aide au développement, éd. Academia, l’Harmattan, 2011, pp. 145-146.

[12] Centre d’actualité de l’ONU http://www.un.org

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