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sexta-feira, abril 19, 2024

A força e os limites do processo revolucionário no Norte da África e Oriente Médio

O processo revolucionário aberto no final de 2010 no Norte da África e Oriente Médio continua sendo um dos centros da situação política mundial. 

Como toda revolução, inclui combinações inéditas. Como todo processo complexo, suscita inúmeras polêmicas. Esse texto busca apontar suas tendências mais gerais, realçando seus limites já muito evidentes. Retomamos também as polêmicas abertas sobre esse processo.

Existe ou não uma revolução em curso?  


A discussão sobre o que se passa na região começa pela definição: trata-se ou não de uma revolução em curso?  Desde seu início, assumimos a caracterização do processo como um processo revolucionário, assumindo uma polêmica com a maioria absoluta da esquerda.

Trotsky fez uma definição clássica do que é uma revolução: “O traço característico mais indiscutível das revoluções é a intervenção direta das massas nos acontecimentos históricos (…) nos momentos decisivos, quando a ordem estabelecida se faz insuportável para as massas, elas rompem as barreiras que as separam da discussão política, derrubam seus representantes tradicionais,  e , com sua intervenção, criam um ponto de partida para o novo regime (…) A história das revoluções é para nós, acima de tudo, a história da irrupção violenta das massas no governo de seus próprios destinos” (Trotsky, História da Revolução Russa)

A maior parte da esquerda não identifica na região uma revolução em curso. Vê acontecimentos pontuais e momentâneos, algumas “rebeliões”, como se fossem algumas explosões de indignação que surgem e desaparecem.

Deixa de lado, dessa maneira, a globalidade do que ocorre no Norte da África e Oriente Médio há quatro anos. Quando um processo revolucionário começa, nada fica igual, com mudanças qualitativas na realidade. E a realidade nessa região é muito diferente desde o início do processo revolucionário.

“Primavera árabe”? E agora “Inverno”?
 
Existe outra polêmica sobre o que está se passando na região. Depois de quase quatro anos de evolução, a maioria da esquerda mundial- que nunca entendeu o que se passa como uma revolução- dá o processo como praticamente encerrado.

Essas correntes assumiram no início a definição jornalística “primavera árabe” para descrever o ascenso democrático que derrubou governos como na Tunísia e Egito. Agora se fala do “fim da primavera” e se aponta o “inverno”.

No entanto, um processo revolucionário longo e complexo como esse inclui um enfrentamento duro e tenaz de revolução e contrarrevolução, com momentos de ascensos e refluxos, vitórias e derrotas parciais. Essa definição é muito mais rica que uma simplificação apoiada na evolução das estações do ano.

Existe hoje uma conjuntura marcada por impasses e refluxos, mas também pela abertura de novas frentes de batalha como os curdos, a retomada na Palestina e os realinhamentos que essas frentes causam. Na Síria, existe um novo momento na guerra civil, com retrocesso militar da oposição ao regime de Assad, imprensada com a ofensiva militar do governo, e o bombardeio imperialista sobre as posições de Estado Islâmico.  
 
No Iraque, existe uma nova realidade, com o avanço de Estado Islâmico. Existe uma nova guerra civil, agora como disputa entre dois setores contra revolucionários: o governo xiita ligado ao Irã contra o Estado Islâmico. Por trás dessa guerra civil está a disputa pelo controle do petróleo.

No Egito, Sissi ganhou as eleições, e lançou um duro ataque aos trabalhadores com aumento de quase 80% na gasolina. É possível que acabe se enfrentando como novo surto de greves.

Israel invadiu brutalmente Gaza, mas foi derrotado pela resistência palestina e pelo repúdio das massas em todo o mundo ao genocídio palestino.

Os impasses da conjuntura refletem limites profundos

Esses impasses têm em geral raízes profundas. Por um lado, a revolução tem limites severos para se aprofundar. Em primeiro lugar porque a classe operária vem apresentando um pequeno peso em todo esse processo. Em segundo lugar porque na região as direções revolucionárias são praticamente ausentes. Essa combinação impede que o movimento de massas possa avançar e abrir um momento superior das revoluções.

Aproveitando-se desses limites, a contra ofensiva imperialista e a repressão violenta das ditaduras fizeram muitas vezes o ascenso recuar. Mas a contra revolução também mostra seus limites. A continuidade e aprofundamento da crise econômica leva a uma crescente pauperização das massas. A manutenção das ditaduras odiadas renova a cada dia a radicalização política do processo. O resultado é a reativação dos móveis da revolução, fazendo que o ascenso se retome depois de cada derrota.

Não existe nenhuma derrota definitiva nem muito menos estabilização da região. A nova derrota da invasão de Gaza por Israel e a extensão do conflito à Turquia demonstram isso.

Tomar um momento de refluxo e impasse como o atual pelo fim da revolução é um erro catastrófico, típico da esquerda pequeno-burguesa impressionista. 

As características particulares desse processo revolucionário

O desenvolvimento dos enfrentamentos entre a revolução e a contra revolução nesses quatro anos nos permitem apontar algumas características e tendências particulares desse processo revolucionário.

Existem fatores na região que tornam os conflitos mais severos e profundos. Em primeiro lugar estão ali as maiores reservas de petróleo do mundo, estratégicas para o imperialismo.

Em segundo lugar, a exploração e opressão imperialista fazem dessa região rica em petróleo literalmente um barril de pólvora. Depois do auge do nacionalismo burguês, como o nasserismo egípcio e o partido Baath na década de 50 do século XX, veio um processo de recolonização do imperialismo, com capitulação e associação das burguesias locais. Essas burguesias corruptas e repressivas têm um padrão de vida extremamente luxuoso, perante a pobreza brutal da maioria da população. 

Em terceiro, na região está o estado nazifascista de Israel. Se por um lado Israel assegura a dominação militar do imperialismo, por outro é um fator de radicalização política permanente, de conflitos e guerras. Israel não pode conviver democraticamente com uma população árabe contrária a usurpação dos territórios palestinos.   

O quarto elemento: a região, antes do processo revolucionário, era quase toda marcada por ditaduras odiadas, com dezenas de anos de existência.

Os brutais antagonismos de classe e de opressão nacional em geral não são resolvidos no marco de democracias burguesas.
Esses elementos estruturais foram fortemente afetados pela crise econômica que existe no mundo desde 2008-09.  O aumento do desemprego, especialmente na juventude, e dos preços dos bens de consumo básico, fizeram explodir o descontentamento. O desespero e a falta de perspectivas levaram as massas à ação.

Não foi por acaso que a cena inicial de todo o processo foi a auto imolação de um vendedor de rua na Tunísia, que colocou fogo em seu próprio corpo ao ter seu carrinho de frutas confiscado pela polícia. Os protestos que se seguiram tomaram o país e incendiaram toda a região.

A revolução permanente na região

O processo de revolução permanente incorpora esses fatores na região. Ao lutar contra a miséria e contra as ditaduras, os trabalhadores e os povos desses países questionam inconscientemente a exploração e opressão do imperialismo e das burguesias locais associadas.

Essa base econômica, material, não foi resolvida por nenhuma das alternativas burguesas que se impuseram conjunturalmente. Ao contrário, só tem piorado com as crises políticas e guerras.  Todo o processo é agravado pela existência e ação do estado de Israel.
Trata-se de uma revolução que tem como sujeito social as massas populares urbanas. Em particular os setores mais jovens, desempregados ou precarizados.

O proletariado tem importância econômica e social em vários países, como no Egito e Iran. Não é por acaso que a greve dos 24 mil operários da fábrica têxtil de Mahala (Egito) em 2006 foi um dos símbolos que gerou o Movimento 26 de abril, um dos motores do processo revolucionário aberto no Egito em 2011.

Em outros países, o peso do proletariado é menor. Por outro lado, as direções reformistas fazem de tudo para evitar qualquer papel independente do proletariado, ampliando o retrocesso na consciência e na organização da classe.

O sujeito social dessas revoluções têm sido massas populares urbanas. Em seu meio os operários estão presentes como indivíduos e não como classe organizada e dirigente.

Essas revoluções têm – na maior parte dos países da região- tarefas democráticas como centrais, como seu primeiro móvel. Isso não se confunde com a visão etapista do stalinismo que busca sempre subordinar o proletariado a algum setor da burguesia “democrática” ou “nacionalista”.

Trata-se da definição de que o centro do programa nesse momento para a maioria desses países é a derrubada dessas ditaduras, abrindo passo à revolução socialista, de forma semelhante que Trotsky compreendeu a revolução espanhola ou a revolução russa de fevereiro.

Isso permite a unidade de ação com aqueles que lutam contra essas ditaduras, mas ao mesmo tempo nos impõe uma luta constante para que proletariado hegemonize o processo revolucionário, de forma independente da burguesia. Na época imperialista, as revoluções nos países atrasados começam por questões mínimas ou democráticas que a burguesia não tem condições de cumprir, empurrando o proletariado a encabeçar essas lutas, que só podem ser resolvidas com a tomada do poder.

Outra faceta da concepção da revolução permanente fundamental para entender a região é seu caráter internacional. Trata-se de uma região inteira em ebulição em que os processos interatuam diretamente. O início da revolução na Tunísia rapidamente se espalhou pelos países vizinhos. A derrota de Israel em Gaza foi comemorada em toda a região. A luta curda em Kobane contra EI afeta o conjunto da região, em particular Turquia e Síria.

A ausência de direção revolucionária

As alternativas do movimento de massas que surgem depois da restauração do Leste Europeu são mais frágeis por não serem hegemonizadas pelo proletariado. Essa é uma característica geral desse início de século. Na região, isso é ainda mais acentuado, não só pelo peso desigual do proletariado (de país a país), como pela inexistência de organizações revolucionárias de peso. Isso tudo esteriliza muitas vezes os esforços heroicos das massas em luta.

O papel das direções tradicionais da esquerda, em particular do stalinismo na região em sua capitulação ao nacionalismo burguês, faz parte fundamental desse retrocesso.

Muitas vezes, é mais fácil buscar uma identidade religiosa, de raça ou de gênero, que de classe.  Isso leva a que predomine a fragmentação, e nessa região, em particular a religião islâmica.

Essa região é tradicionalmente dividida em termos religiosos. Essa divisão esconde hoje interesses burgueses particulares, em particular ao redor da disputa pelo petróleo, a maior riqueza da região.

Os limites da democracia burguesa

Na América Latina, uma série de revoluções democráticas derrotou ditaduras como na Argentina (1982), Brasil (1984), Uruguai (1985), gerando um processo que levou ao estabeleciment0o de regimes democrático burgueses na maioria do continente.

No entanto, no Norte da África e Oriente Médio isso não ocorreu. Não existiram nesses quatro anos na maioria desses países a derrubada das ditaduras e o estabelecimento de democracias burguesas.

Têm ocorrido processos convulsivos com insurreições, guerras civis, golpes e não o estabelecimento de democracias burguesas. Os mesmos motivos (petróleo, Israel) que originaram as ditaduras dificultam sua derrubada.

No Egito, o regime bonapartista se manteve mesmo após a queda de Mubarak e Morsi. Na Líbia, após a queda de Khadafi , o imperialismo busca reconstruir o estado, mas até agora não conseguiu estabilizar nenhuma alternativa de governo estável, sempre questionado por milícias de distintos grupos.

No Iraque, a retirada das tropas imperialistas não estabilizou um governo de unidade nacional como desejava o imperialismo, e menos ainda uma democracia burguesa. Foi estabelecido um governo chiita alinhado com o Irã, com fortes características bonapartistas.  A rebelião sunita foi capitalizada pelo Estado Islâmico, e o país vive nova guerra civil, agora com dois polos contra-revolucionários.

Na Síria, segue a guerra civil, incluindo agora o enfrentamento do regime e do imperialismo contra Estado Islâmico. No Bahrein, Kwait e Arábia Saudita, a dura repressão conseguiu derrotar conjunturalmente as mobilizações.

A exceção, ao menos até agora, é a Tunísia, em que não só foi derrotado o governo de Ben Ali, mas também a ditadura que dirigia o país.

Pode ser que essa realidade de conjunto mude com o desenvolvimento da situação? Sim, pode. O ascenso revolucionário pode muitas coisas. O que estamos afirmando é que até agora isso não se deu como fenômeno generalizado.
 
A decadência do imperialismo também lhe impõe limites

O imperialismo norte-americano é hegemônico em termos econômicos, políticos e militares. É a única superpotência nuclear, afastando qualquer possibilidade de uma nova guerra mundial nessa etapa.

Mas existe um elemento da realidade que precisamos analisar. A decadência é do conjunto do imperialismo, e não só dos EUA. A resultante é que essa hegemonia vai se tornando mais e mais parasitária, com subordinação crescente aos grandes fundos de investimento do capital financeiro.
 
O imperialismo norte-americano vem diminuindo sua capacidade de disciplinar o mundo em termos militares desde a derrota do Vietnam em 1975. Essa derrota causou a “síndrome do Vietnam”, em que as massas norte-americanas rejeitam guerras que levem a morte de seus filhos e filhas. Como o imperialismo teve até agora de conviver com uma democracia burguesa, tem de responder a essas pressões.

Depois do ataque às Torres Gêmeas em 2001, Bush partiu para uma contra ofensiva para superar essa situação, com a justificativa da “luta contra o terrorismo”. Isso implicou –entre outras coisas- na invasão do Afeganistão (2001) e Iraque (2003).

A derrota da contra ofensiva de Bush, em particular no Iraque, fez retornar com força esse reflexo nas massas norte-americanas, agora como “Síndrome do Iraque”. Esse fator está presente até hoje nas limitações do imperialismo para intervir na região.

Em geral, o imperialismo responde a essa realidade com agressões militares aéreas, evitando a exposição de suas tropas em invasões terrestres. Ou ainda com a terceirização das ocupações por outros países, como é o caso do Haiti.

Nesse momento, por exemplo, o imperialismo teria condições militares para arrasar o Estado Islâmico, como muito maior facilidade do que fez com Saddam Hussein em 2003. Não o pode fazer porque não tem as condições políticas internas que lhe foram favorecidas pelo ataque às Torres Gêmeas. Tem que se limitar aos ataques aéreos que tem feito até agora.

As correntes islâmicas burguesas

O nacionalismo árabe já vinha em decadência desde a década de 70, desde o PND (nasserista) de Sadat e Mubarak, ao Baath de Sadam Husseim e Assad. Depois de sua capitulação ao imperialismo, os governos que tinham essa origem, passaram a implementar os planos neoliberais na região. Isso incluiu Egito, Síria, Líbia e Iraque, com ditaduras que se tornaram alvos da fúria das massas, assim como outros governos da região.

Aproveitando-se da crise das ditaduras, vários partidos islâmicos burgueses tradicionais chegaram ao governo e viveram crises importantes.  Foi assim com a Irmandade Muçulmana no Egito e com o Enhada na Tunísia. Pode ser que isso esteja começando agora com o AKP de Erdogan na Turquia.

Não se pode, no entanto, subestimar essas correntes pelo peso de massas que mantém, assim como pelas crises cíclicas também de seus oponentes. Ainda que em decadência, podem retomar importância se aproveitando das crises políticas que ocorrerem.

Ao lado do povo contra as ditaduras síria e líbia? Não tomar partido? 

Existe outra grande polêmica surgida com a eclosão do processo revolucionário no Norte da África e no Oriente Médio com grande parte da esquerda. Quando essas mobilizações se chocaram com as ditaduras como a Líbia e a Síria, se colocou a disjuntiva: estar ao lado desses povos em luta ou ao lado dessas ditaduras odiadas? Esse debate tomou cores ainda maiores quando a luta evoluiu para o terreno militar com guerras civis nesses países.

A maioria da esquerda saiu em defesa dessas ditaduras, negando as revoluções em curso e reduzindo tudo a uma intervenção imperialista para derrubar governos “anti-imperialistas”. Esqueciam propositalmente toda a capitulação dessas burguesias ao imperialismo, que abandonaram suas posturas nacionalistas do passado para aplicarem os planos neoliberais em seus países.   O governo de Assad e Kadhafi eram apoiados diretamente pelo imperialismo até que as massas se rebelaram nesses países, e o imperialismo teve de se diferenciar deles.  

Sofremos ataques, bem ao estilo stalinista, por ser “aliados do imperialismo” ao apoiar as mobilizações dos povos desses países contra esses governos.

Os governos de Cuba e Venezuela, ao apoiar essas ditaduras, sinalizaram a atitude que podem ter no caso de que grandes ascensos de massas se enfrentem com eles.

Agora, a posição dessas correntes se choca mais uma vez contra a realidade. Os ataques aéreos do imperialismo contra as posições do Estado Islâmico (EI) na Síria, materializam uma aliança explícita entre Assad e os governos imperialistas. Segundo o jornal libanês Al Monitor, os Estados Unidos, “que carecem de aliados confiáveis na Síria, poderia contemplar o regime como a única força capaz de conter o Estado Islâmico no norte do país”, de modo que “não tem problemas em permitir-lhe tomar zonas de Alepo e de sua periferia”.
É importante perguntar então: quem é o aliado do imperialismo nesse momento?

As correntes ditas trotsquistas, como PTS e Socialsimo o Barbarie, igualaram a ditadura de Assad com os setores que se levantaram em armas contra ela, e não tomaram partido nessa revolução. Esse é um erro gravíssimo:  ficar “neutros” perante algo relativamente óbvio como uma luta de massas contra ditaduras odiadas.


Confundir a luta das massas com suas direções burguesas ou reformistas é uma péssima base para análise de qualquer processo. Mas se isso é errado em qualquer lugar, é ainda mais em processos complexos como os do Oriente Médio e Norte da África, em que inexistem  direções revolucionárias.

Nem sempre os sectários são ultra-esquerdistas. Nesse caso, essas correntes têm uma posição oportunista. Terminaram por ajudar objetivamente as ditaduras dominantes e se colocar como ala esquerda do bloco castro-chavista para atacar essas revoluções.
Nossa reivindicação de armas para os combatentes sírios  e armas para o povo de Kobane se apoia na tradição do trotsquismo na revolução espanhola, manchada por essas correntes.

Os militares seguem no poder no Egito

No Egito, o regime militar teve uma vitória com a eleição do marechal Sissi em maio de 2014. Era a expressão da continuidade do regime militar, mesmo com a derrubada dos governos Mubarak e Morsi. A recente absolvição de Mubarak é uma prova a mais dessa continuidade.

Mas a abstenção de 54% da população na eleição de Sissi mostrou um desgaste importante do regime. Uma pesquisa feita ainda antes da posse de Sissi, indica que existe uma insatisfação bastante ampla com o conjunto das instituições. Os egípcios estão muito mais insatisfeitos (72%) do que satisfeitos (24%) com a situação do país em geral.  Os militares tinham um apoio de 88% da população  logo após a derrubada de Mubarak,  73% há um ano atrás depois da queda de Morsi e 56% na posse de Sissi. A Irmandade, que tinha 53% de apoio antes de sua queda, caiu para 42%.     

Uma vez eleito, Sissi aumentou os preços da gasolina entre 40 e 78%, gerando um aumento em vários outros preços e aumentando a insatisfação.

O movimento operário, de grande importância no país, teve uma onda de greves em fevereiro deste ano, que inclusive precipitou a queda do governo Hazem el-Beblawi. Agora, ao enfrentar esse novo ataque, pode voltar a se manifestar com peso.

Uma nova guerra civil no Iraque

No Iraque, o imperialismo norte americano foi derrotado pela resistência iraquiana, e teve de retirar suas tropas em 2011.
Isso se expressou no caráter do governo do primeiro ministro xiita Nuri Al Maliki.  Esse não era simplesmente um títere do imperialismo, mas um acordo com a ditadura iraniana xiita. Essa alternativa aparecia como a melhor para garantir alguma estabilidade e enfraquecer a resistência iraquiana, principalmente sunita (Sadan Hussein era sunita) , algo que naquele momento interessava muito tanto aos EUA quanto ao Irã.

A política do imperialismo era um governo de unidade nacional, que incluísse os xiitas, sunitas e curdos, mas Maliki levou adiante um governo de exclusão dos outros setores, interessado no controle exclusivo do petróleo.

Isso facilitou a crise e os levantamentos sunitas, que terminaram sendo capitalizados pela alternativa contra revolucionária do ISIS (depois Estado Islâmico). Em uma rápida ofensiva, o ISIS derrotou o exército iraquiano armado pelos EUA, que fugiu vergonhosamente sem combate, e passou a controlar grande parte do território sunita do Iraque.

A queda de Maliki, que foi substituído por um novo governo liderado por Al-Abadi, tem como objetivo retomar a proposta do imperialismo de um governo de unidade nacional (com um vice-presidente sunita) para se contrapor ao Estado Islâmico.
Mas a guerra civil continua. A ameaça de divisão do país segue colocada, com a constituição do Califato proclamado pelo Estado Islâmico.
 
O impasse sírio

A contra-ofensiva brutal de Assad apoiado pelo Hezbollah  e a atuação do Estado Islâmico  enfraqueceram a resistência militar contra a ditadura. A guerra civil já conta quase 200 mil mortos, seis milhões de pessoas desalojadas e três milhões em outros países.
A presença de uma quinta coluna- com as forças do Estado Islâmico- que combatia também a oposição síria tornou a situação militar extremadamente complexa. Com a proclamação do Califato, o  EI passou a questionar diretamente o governo Assad. A partir daí se desenvolve  a ofensiva aérea imperialista em aliança explícita com Assad.

O Exercito Livre da Síria, a Frente Islâmica e a Frente Revolucionária tinham de combater o estado sírio apoiado por Hezbollah por um lado e por outro os exércitos fortemente armados de Estado Islâmico. O retrocesso militar da oposição tem essa dupla explicação.

No entanto, apesar da abrumadora superioridade militar, o regime não conseguiu aplastar a revolução. Mesmo destruindo físicamente as cidades não consegue ocupá-las e reestabilizá-las. Nem sequer as áreas ao redor da capital de Damasco são controladas completamente pela ditadura de Assad.

A realidade é que, a custa de sacrifícios cada vez maiores, as forças antiditatoriais seguem  na luta, controlando áreas importantes, como partes de Alepo e Idlib,  áreas na periferia de Damasco e nas imediações de Homs. Recentemente, afirmam ter avançado em termos  militares entre o sudoeste de Damasco, Dara e Kuneitra, abrindo novamente espaço para a fronteira com o Líbano.
A direção dessa oposição é burguesa e pró imperialista. A chamada Coalizão Nacional para as Forças da Oposição e a Revolução Síria (CNFORS) apóia abertamente a intervenção imperialista na região.

Mesmo os setores ligados diretamente á luta armada se mostravam incapazes de unificar a luta contra o regime. A formação  do Conselho do Comando da Revolução, que unifica a Frente Islâmica e o Exército Livre Sirio (ELS) pode ser um passo adiante nesse sentido.
 
Um novo fator contra-revolucionário: o Estado Islâmico

Com seu avanço militar no Iraque e na Síria, o Estado Islâmico proclamou o Califato, com território que vai de Diyala, no leste de Iraque a Alepo, no norte da Siria.  Trata-se da tentativa de estabelecer um estado, com referência religiosa nos califatos islâmicos do século VII. Sua liderança, Al-Baghdadi, se proclama como continuidade de Mahome.

Na verdade, não se trata de uma guerra religiosa, apesar de usar essa base ideológica sunita. O califato do Estado islâmico é uma ditadura, com métodos fascistas de terrorismo para paralisar os oponentes, que tem como único objetivo controlar uma parte significativa do petróleo da região.

Com o controle dessas fontes petroleiras, EI consegue uma renda anual estimada entre 600 a 800 milhões de dólares. Com isso, tem acesso a um armamento pesado (com destaque para tanques modernos e artilharia) que usa em seus confrontos militares.
Como o EI se fortaleceu o suficiente para se enfrentar diretamente com os estados iraquiano e sírio e tentar conformar um novo estado, o imperialismo agora tem de enfrentá-lo.
 
A derrota israelense em Gaza

O estado nazi fascista de Israel invadiu Gaza, tentando se aproveitar desse momento de relativo refluxo da revolução árabe. Mas a feroz resistência palestina e o isolamento crescente em todo o mundo determinaram sua derrota.

Mesmo com todo apoio da mídia imperialista a Israel, foi impossível evitar o repúdio da opinião pública mundial ao genocídio palestino. Manifestações radicalizadas da juventude palestina ameaçavam se transformar em uma terceira intifada.

Israel teve de recuar, sem conseguir destruir a estrutura militar de Hamas e tendo de abrir negociações para o fim do bloqueio a Gaza. Essa nova derrota israelense abriu crise em seu governo e fortaleceu o Hamas.

No entanto, Hamas avança em negociações com a Autoridade Palestina no sentido da aceitação do Estado israelense e que a Fatah controle os acessos a Gaza.
 
A crise de Israel continua: agora o governo Netanyahu foi obrigado a demitir ministros que não concordaram com a proclamaçaõ do caráter judeu do estado Israel e convocou eçeições para aprofundar a linha racista. os países da EU que sustentam os sionistas, mas precisam de uma saída negociada, fizeram um gesto simbólico para pressionar um pouco Netanyahu ao reconhecer o estado palestino.

 

 


Líbia: continua a crise

Desde a derrubada da ditadura libia de Kadhafi, o imperialismo tenta recompor um estado. Não conseguiu até agora. Não existem ainda Forças Armadas que se imponham perante as distintas milícias, nem um regime político estabelecido com um mínimo de estabilidade.

Depois de sucessivos governos em crise, as últimas eleições em junho de 2014 geraram um governo civil, oposto à hegemonia islâmica do congresso anterior. O novo governo teve de funcionar em Tobruk, perto da fronteira com o Egito, enquanto o antigo governo, instalado ainda na capital Tripoli, não se dissolveu.
Hoje existem dois governos, dois congressos disputando sua legitimidade no país. O movimento de massas não tem uma alternativa independente para se impor. A contra-revolução não consegue estabilizar o país.

A luta progressiva dos curdos
 
Os curdos são uma das maiores nações oprimidas sem Estado próprio. Têm uma população de cerca de 40 milhões de pessoas dispersas em territórios de quatro Estados Turquia, Irã, Iraque e Síria.Trata-se de uma luta justa pelo direito à autodeterminação nacional de separação e criação de um Estado independente da nacionalidade curda. Neste sentido, a luta dos curdos contra o EI, os governos turco,  iraquiano e iraniano é justa e progressista, apesar de suas direções burguesas e pró imperialistas, que devem ser combatidas pelas classes exploradas.

Kobane é uma cidade curda na Síria, próxima à fronteira com a Turquia. A resistência heroica dos curdos ali presentes ao cerco desenvolvido por EI a essa cidade deve ser apoiada pelos revolucionários de todo o mundo. Apesar da superioridade militar do EI, a resistência curda conseguiu fazer retroceder parcialmente a ocupação dos arredores da cidade. Aqui se deu um acordo extremamente progressivo entre o Comando Geral do YPG (milicias curdas) com o Exército Livre da Síria,  para lutar contra EI.
Essa batalha polariza o conjunto da região, desestabilizou a Turquia e está abrindo a possibilidade da primeira grande derrota militar de EI.

A Turquia se desestabiliza
 
A Turquia vive nesse momento uma integração turbulenta ao conflito no Oriente Médio. O governo do partido burguês islâmico AKP de Erdogan enfrentou em 2013 grandes mobilizações estudantis , extensão do ascenso na região. No entanto, as mobilizações foram derrotadas e Erdogan (que era primeiro ministro) eleito presidente em agosto desse ano.

Agora, o processo regional vem a tona pelo problema curdo. O governo do AKP tem uma política na prática de aliança com EI em Kobane,  para não fortalecer a luta curda na Turquia.

O PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) desenvolve na Turquia uma luta armada pela autodeterminação curda há dezenas de anos. Erdogan impede que voluntários curdos cruzem a fronteira para ajudar na batalha de Kobane, assim como o envio de armas.
O resultado é um levante curdo na Turquia, acompanhado por uma parte significativa do movimento de massas. O governo Erdogan se utiliza de bandos fascistas para atacar as mobilizações curdas contra seu governo. O conflito sírio está desestabilizando a Turquia.

A exceção da Tunísia

A Tunísia foi onde o processo revolucionário se iniciou em dezembro de 2010, e também o país em que se deu a primeira grande vitória com a queda do ditador Ben Ali em janeiro de 2011.

O primeiro governo eleito foi de um partido islâmico, Partido do Renascimiento (Ennahda), nacionalista burguês semelhante a “Irmandade Muçulmana” no Egito. Esse governo foi derrotado por uma revolta popular seguida de uma greve geral depois do assassinato de um líder da  oposição reformista Chokri Belaid, em fevereiro de 2013. 

Foi eleita uma Assembléia Constituinte , que definiu uma das constituições mais liberais da região que assegura a liberdade religiosa, sem imposição da sharia (lei religiosa), liberdade de expressão e igualdade entre homens e mulheres.

Em novas eleições, ganhou uma coalizão burguesa laica ligada a antigos funcionários da ditadura de Ali “Chamada por Tunis”, que se apresentou como alternativa ao islamismo do Ennahda. O novo governo terá de enfrentar a mesma crise econômica que foi uma das bases do início do processo revolucionário há quatro anos atrás. O desemprego segue atingindo 16% da população e 40% da juventude. 
Ao contrário do restante da região, na Tunísia caiu a ditadura e se estabeleceu uma democracia burguesa.

Um processo revolucionário com impasses e limites estruturais

Como vimos os impasses e limites da revolução no Norte da áfrica e Oriente Médio tem razões estruturais, relacionados com a ausência de direções revolucionárias e ao pequeno papel do proletariado.
Por outro lado, tampouco o imperialismo e as burguesias locais conseguem dar saída a crise econômica e as misérias das massas.
Não conseguem derrotar violentamente as massas nem estabilizar os governos de turno.

Já houve várias tentativas de derrotar violentamente as massas.  O imperialismo tentou com sua invasão do Iraque e Afeganistão. Israel  também tentou com a invasão do Líbano em 2006 e em sua recente invasão de Gaza. Assad está tentando agora na Síria. Nenhum dessas tentativas conseguiu se impor até agora.

Por outro lado, o imperialismo, como vimos tampouco aposta na reação democrática para desviar o ascenso para a democracia burguesa.

A resultante é um processo convulsivo, que não se estabiliza nem nas derrotas nem nas vitórias parciais. Uma realidade extremamente contraditória e complexa, um grande desafio para a esquerda revolucionária. Mas, acima de tudo, uma região que não deixa de ser um dos centros da revolução mundial. 

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