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sábado, abril 20, 2024

Nascimento e evolução do discurso orientalista: uma crítica marxista

Além de servir para interpretar o mundo, o discurso é uma ferramenta para transmitir ideologias. Serve também para legitimar e explicar as ações das classes sociais, que geralmente atuam em defesa de seus interesses. Quando se trata de relações de dominação, sejam elas entre classes, Estados, civilizações ou pessoas, o discurso de alguns cumpre o papel de apoiar e reforçar o status quo, enquanto o de outros é de luta contra a ordem. As guerras são também guerras de relatos, de discursos opostos que interatuam em disputa; os grandes enfrentamentos entre civilizações sempre estiveram acompanhados dos relatos em que se baseavam.

Por: Gabriel Huland

Surgimento e expansão do Islã

As grandes religiões monoteístas se apoiam em relatos históricos, míticos e jurídicos que oferecem determinadas interpretações de mundo e normas de conduta humana. Algumas religiões têm um caráter expansionista e outras não. Dentre as religiões expansionistas monoteístas, o cristianismo e o islã são as mais importantes, sendo uma terceira, evidentemente, o judaísmo.

O islã surge no século VII d.C. e se expande formidavelmente, convertendo-se em algo mais que uma simples religião; antes, é uma visão de mundo igualitarista que busca unificar todas as tribos da península arábica sob um poder único.

Porém, vendo ameaçado seu poder, os oligarcas da Meca estão preocupados. A mensagem igualitarista deste jovem Maomé e, sobretudo, sua irreverência antiaristocrática são capazes de socavar as bases de um mundo hierarquizado e não-igualitário.” (Chebel, 2011, p.18)

Tanto o islã como o cristianismo têm importantes pontos de contato, tanto é assim que de um ponto de vista sociológico se considera que existe um fio de continuidade entre ambos. Em muitos momentos, as duas religiões souberam conviver de maneira harmoniosa, em outros, no entanto, a harmonia não foi a regra. A expansão do islã causou assombro no mundo cristão.

Primeiro a Pérsia, Síria e Egito, logo Turquia, depois o Norte da África; todas estas regiões foram caindo diante dos exércitos muçulmanos; nos século VIII e IX conquistaram a Espanha, Sicília e partes da França; nos séculos XIII e XIV o islã chegou ao poder na Índia, Indonésia e China. E perante este assalto extraordinário, a Europa só pôde responder com medo, inclusive com uma espécie de terror. Os autores cristãos que testemunharam as conquistas islâmicas tinham escasso interesse em aprender a elevada cultura e a magnificência dos muçulmanos, que eram, como disse Gibbon, ‘contemporâneos ao período mais obscuro e indolente dos anais europeus’ (e completa, ainda que com alguma satisfação: ‘desde que aumentou a produção de ciência no Ocidente, parece que o estudo no Oriente definhou e declinou’).” (Said, 2014, p.93)

A primeira grande resposta do mundo cristão à expansão do islã foram as cruzadas. A partir da Europa se organizaram exércitos para invadir as terras bíblicas, que naquele momento formavam parte dos territórios do Império Muçulmano, com o objetivo de tomar Jerusalém dos árabes.

Esta violenta reação dos católicos se deu em proporções exorbitantes, não somente pela ameaça militar representada pelo islã, mas também pela superioridade técnica e cultural que este império ascendente representava naquele momento em relação a uma Europa fragmentada e dividida sob o domínio de uma nobreza parasitária e uma Igreja Católica corrupta.

Em princípios do século XIX, nos tempos em que reinava seu antepassado (de al-Mustazhir) Harun AL-Rashid, o califado era o Estado mais rico e poderoso da Terra, e sua capital (Bagdá) era o centro da civilização mais avançada. Tinham mil médicos diplomados, um grande hospital gratuito, um serviço postal regular, vários bancos —alguns dos quais tinham sucursais na China —, uma excelente canalização de água, um sistema de descargas direto aos esgotos, bem como uma fábrica de papel: os ocidentais, que só passam a utilizar o pergaminho após sua chegada ao Oriente, aprenderam na Síria a arte de fabricar papel a partir da palha de trigo.” (Maalouf, 2012, p. 97)

O papado impulsionava as cruzadas não somente para retomar o Santo Sepulcro, mas também para livrar a humanidade de um culto que “exaltava a ignorância, a crueldade, a escravidão, o despotismo e era inimigo da civilização” (Gil Bar-dají, 2009). Não se tratava simplesmente de uma questão territorial, que sem dúvidas era parte do problema, mas de uma guerra de relatos, entre duas maneiras de sentir e perceber a realidade.

“(…) mas as cruzadas são o ponto de partida de todas as perseguições àqueles que não professam uma mesma fé, passando por este monumento à intolerância que foi a Inquisição, seguindo com as depredações e genocídios a cargo dos espanhóis, portugueses, ingleses, franceses e holandeses nas Américas, Ásia e África entre 1500-1900, e culminando com os holocaustos de Stalin e Hitler, Hiroshima e Vietnã – sem esquecermo-nos dos massacres perpetrados contra o povo armênio (1915-1923) e argelino (1948-1960) –, que abalaram o nosso século XX.” (Elía, sem data, p. 12)

O Renascimento, as Revoluções Burguesas e a Expansão Colonial

Com o Renascimento, a Expansão Marítima às Américas, as Revoluções Liberais (principalmente a Revolução Francesa), a Revolução Industrial e a formação dos Estados Nacionais na Europa, os impérios britânico e francês, no século XIX, viram-se imersos em um período de importantes avanços tecnológicos, econômicos, políticos e militares, iniciando uma grande expansão colonial, que teve como uma de suas consequências o domínio do comércio marítimo no Mediterrâneo e das rotas comerciais com a Índia.

A França estendeu seu domínio sobre a Tunísia em 1881, a Grã-Bretanha ocupou o Egito em 1882, a Itália tomou a Líbia em 1911, e as potências europeias consentiram em relação a um protetorado espanhol-francês sobre o Marrocos (o único país do Norte da África a conseguir preservar sua independência do domínio otomano).” (Rogan, 2009, p. 134)

Todos estes acontecimentos marcam, durante um intervalo temporal de 3 ou 4 séculos, o período de consolidação do sistema capitalista na Europa e sua posterior expansão em busca de mercados, mão de obra e matérias-primas. Por falta de espaço, não podemos explicar em detalhes todos estes grandes acontecimentos da história humana, que marcam o início da decadência do mundo islâmico e o domínio europeu sobre o mundo.

A colonização do Norte da África avançou com força no século XIX, visto que nos séculos anteriores os principais impérios europeus estavam mais ocupados estabilizando os seus países, que vivenciaram diversas revoluções, e consolidando os avanços tecnológicos e econômicos representados pela revolução industrial. Espanha e Portugal, por sua vez, já possuíam domínios coloniais na América e viviam de usurpar o ouro e outras riquezas naturais.

As colônias se estabeleciam por razões econômicas e estratégicas; esperava-se que proporcionassem produtos tropicais à metrópole e servissem de mercado para suas manufaturas, além de oferecer um lugar de assentamento para seus cidadãos e uma fonte de investimentos produtivos para sua burguesia. Por outro lado, considerava-se que os impérios tinham uma missão civilizadora que difundiria o cristianismo e elevaria a cultura nativa até os níveis europeus.” (Allen, 2013)

Para levar a cabo esse ambicioso projeto colonial eram necessários dois requisitos: em primeiro lugar, construir um discurso que legitimasse a colonização. Em segundo lugar, estudar e codificar as sociedades que teriam que dominar. É neste contexto que aparece o discurso orientalista.

O período em que se produziu o grande progresso das instituições e do conteúdo do orientalismo coincidiu exatamente com o período de maior expansão europeia; desde 1815 a 1914 o domínio colonial europeu direto se ampliou de mais ou menos 35% da superfície da Terra para 85%. Todos os continentes foram afetados, mas sobretudo a África e a Ásia. Os dois grandes impérios eram o britânico e o francês, aliados e sócios em alguns momentos e rivais hostis em outros. No Oriente, desde as costas orientais do Mediterrâneo até a Indochina e a Malásia, suas possessões coloniais e áreas de influência imperial eram adjacentes, com frequência faziam fronteira e, reiteradamente, haviam sido objeto de suas disputas. Mas foi no Oriente Médio, nas terras do Oriente Médio árabe em que supostamente o islã define suas características culturais e étnicas, onde britânicos e franceses se enfrentaram entre si e com o ‘Oriente’ de uma maneira mais intensa, familiar e complexa.” (Said, 2014, p.7)

O orientalismo está, de acordo com este raciocínio, ligado às estruturas do poder econômico e político das elites europeias que, por sua vez, necessitavam construir da maneira mais “científica” e objetiva possível, pelo menos na aparência, um relato que identificasse os inimigos da civilização que lideravam e que queriam expandir.

Esta expansão europeia se insere na etapa de formação dos Estados nacionais e da construção das identidades nacionais europeias. O êxito de tal projeto passava em grande medida pela caracterização do “outro”, do “estranho” e do “bárbaro”, já que, ao fim e ao cabo, tão importante quanto saber quem somos é saber quem não somos.

O orientalismo se apoia desde o princípio em generalizações abstratas sobre um suposto caráter oriental, contraposto ao ocidental. Por ser uma representação mental, a ideia de Oriente, este espaço geográfico e cultural a-histórico, é estática; ao contrário do Ocidente, que é, por sua vez, dinâmico, cambiante, histórico e diverso.

No entanto, os “acadêmicos” orientalistas não estavam preocupados em analisar a realidade, mas em buscar os aspectos desta realidade que se ajustassem às suas teorias e preconceitos, ainda que os aspectos que se ajustassem fossem totalmente minoritários e pouco representativos das sociedades em questão.

O objetivo dos orientalistas era “salvar o oriental dos orientais”, que nada mais eram que seres bárbaros e incapazes de se autogovernar, mediante a exaltação de um remoto passado greco-romano presente no Oriente. Estas supostas raízes greco-romanas, isto é, a existência de alguns pontos de contato entre Oriente e Ocidente, era o que permitia a estas civilizações atrasadas orientais ter esperança no futuro.

Segundo Said, o orientalismo é antes de tudo um discurso acadêmico criado e desenvolvido por antropólogos, sociólogos, historiadores, filólogos, etc. De um modo mais geral, orientalismo é também o estilo de pensamento que se baseia na distinção ontológica e epistemológica que se estabelece entre Oriente e Ocidente, ou seja, a forma de pensar o Oriente desenvolvida tanto por poetas, romancistas e filósofos, como por políticos, economistas e administradores do Império.

Finalmente, a partir do século XVIII, o orientalismo é ‘a instituição coletiva que se relaciona com o Oriente, relação que consiste em fazer declarações sobre ele, adotar posturas em relação a ele, descrevê-lo, ensiná-lo, colonizá-lo e decidir sobre ele; em resumo, um estilo ocidental que pretende dominar, reestruturar e exercer autoridade sobre o Oriente’ (Said, 2014, p.81).” (Gil Bardají, 2009)

Os estudos do orientalismo têm como referência teórica Edward Said, palestino radicado nos EUA e catedrático de literatura inglesa e comparada da Universidade de Columbia (Nova York), que, em 1978, publicou sua obra mais importante: Orientalismo.

Não obstante, existe uma série de autores contemporâneos que criticam alguns aspectos da obra de Said e buscam atualizá-la à luz dos novos acontecimentos do Norte da África e do Oriente Médio conhecidos como “Primavera Árabe”.

Das muitas definições de orientalismo esboçadas anteriormente, interessa-nos especialmente a última, que afirma se tratar de um discurso acadêmico utilizado com finalidades específicas por determinadas classes sociais: as burguesias industriais europeias, centralmente a francesa e a inglesa.

O orientalismo como discurso se converteu em uma das ferramentas mais poderosas para submeter uma parte dos países do mundo à empresa colonial europeia em um primeiro momento e à dominação econômica norte-americana nos dias atuais.

O orientalismo moderno

A figura do “especialista em mundo árabe”, muito comum nas universidades, governos e grandes meios de comunicação, caracteriza um “especialista” (em geral não árabe) em sociedades que fizeram parte dos impérios árabe e otomano.

Na maioria das instituições que analisam o “mundo árabe”, o número de vozes árabes é bastante minoritário em relação às não árabes, o que confirma uma das grandes premissas do discurso orientalista: que os árabes são incapazes de representar a si mesmos.

O ‘especialista em mundo árabe’ é a pessoa que pelo simples fato de ter dedicado uma grande parte de sua carreira a estudar árabe se considera no direito de fazer análises acerca da sociedade árabe, da política árabe, da história árabe ou da ‘mente árabe’.” (Gil Bardají, 2009)

O debate sobre o orientalismo, presente nos discursos dos grandes meios de comunicação na Europa e nos EUA, mantém toda a sua atualidade porque, ainda que a humanidade tenha vivido na segunda metade do século XX fortes processos de descolonização, segue existindo uma dependência econômica e política dos ditos países em desenvolvimento (semicoloniais) em relação aos países considerados desenvolvidos (imperialistas).

O orientalismo forjado nos EUA a partir da segunda metade do século XX se distingue do europeu no sentido de que o orientalista de hoje é “um especialista regional, que se coloca a serviço do governo, do mundo dos negócios, ou de ambos” (Said, 2014, p.376).

Não se trata de um mero especialista em literatura, mas de um sociólogo especializado em uma determinada região do planeta. O Oriente Médio se converteu em uma região estratégica do ponto de vista político e econômico, deixando de ser um mero rival do ponto de vista religioso, como era o caso anteriormente.

Em 1973, durante os angustiantes dias da guerra árabe-israelense, o New York Times Magazine solicitou dois artigos, um que representava o lado israelense do conflito e outro o árabe. O primeiro foi delegado a um jurista israelense, e o segundo a um ex-embaixador americano em um país árabe que não tinha nenhuma formação em estudos orientais.” (Said, 2014, p. 387)

Israel e a necessidade de converter o árabe em antissemita

Assim, a criação do Estado de Israel veio acompanhada da necessidade de converter o árabe em antissemita. Segundo um estudo sobre como os árabes são retratados em livros didáticos norte-americanos, “o laço mais forte é a hostilidade dos árabes — seu ódio — aos judeus e ao Estado de Israel” (The Arabs in American Textbooks citado por Said, 2014). O árabe se converte então em antissemita, fornecedor de petróleo e jihadista.

Por outro lado, o discurso orientalista, ao estar associado às relações de poder entre Ocidente e Oriente, assume distintas formas segundo as necessidades de cada momento. Se antes era necessário caracterizar o oriental como um ser atrasado, misterioso e exótico, as relações econômicas atuais exigem a descrição do árabe como um ser perigoso, um terrorista irracional em potencial, um ser intolerante e extremista. Esta visão se fez abundante na grande mídia, sobretudo a partir da eclosão dos conflitos árabe-israelenses.

Após a guerra de 1973 entre palestinos e israelenses, os árabes começam a se desenhar como uma ameaça. Eram ‘semitas’, tinham todos os traços de uma caricatura, e também eram ‘a causa’ dos problemas que acometiam o Ocidente — a falta de petróleo. O antissemitismo foi se transferindo assim do judeu ao árabe. Considera-se o ‘árabe’ como um perturbador dos planos ocidentais e um obstáculo à criação do Estado de Israel em 1948. (…) O protótipo do judeu anterior ao nazismo — nos diz Said — se desdobrou. Por um lado aparece o herói judeu colonizador, que assume o papel de orientalista pioneiro, tal qual Burton ou Lane1. Por outro lado nos aparece a sua sombra terrível na forma do árabe oriental. (…) O árabe é agora um antissionista fornecedor de petróleo.” (Said, 2014, citado por Cabrera, 1997)

Orientalismo nos meios de comunicação de massas

O discurso orientalista penetrou com força nos meios de comunicação, seja por meio do cinema, do rádio, da TV ou da imprensa escrita. O discurso acadêmico serviu de base teórica para a construção de discursos utilizados pelos grandes meios de comunicação de massa para descrever os árabes e convencer a opinião pública de um conjunto de estereótipos que pouco tem a ver com a realidade.

Os grandes jornais são parte, em sua maioria, de mega corporações midiáticas produtoras de discursos legitimadores de uma ordem social e defensoras de interesses políticos e econômicos específicos: o sistema capitalista em sua atual forma decadente e parasitária.

O documentário Reel Bad Arabs: How Hollywood Vilifies a People (Filmes ruins, árabes malvados: como Holywood vilificou um povo; na versão em português), de Jack Shaheen, explora mais de cem anos de criação de imagens degradantes e estereotipadas sobre os árabes por parte dos grandes estúdios cinematográficos norte-americanos.

A persistência em difundir tais preconceitos (o documentarista analisou mais de mil filmes) contribuiu imensamente para a naturalização de preconceitos e percepções totalmente distorcidas sobre os diferentes povos árabes. Trata-se de uma grande demonstração de como o discurso orientalista se apoderou da opinião pública contemporânea.

Crítica ao Orientalismo

Para analisar o orientalismo, Said utiliza os conceitos de discurso e poder de Foucault (Gil Bardají, 2009). Os estudos realizados pelo escritor palestino se baseiam fundamentalmente no âmbito da análise literária e do discurso, mediante exame das bases ideológicas do discurso orientalista.

Ao longo das décadas posteriores ao lançamento de sua obra-prima (Orientalismo), um importante número de estudos críticos à sua obra foram publicados. A crítica mais importante aceita por Said é a de que ele não propõe categorias distintas das que censura, ou seja, em que pese a crítica bem fundamentada da separação artificial entre Ocidente e Oriente, Said acaba por assimilar estas duas categorias indiretamente ao não propor nenhuma outra que possa ser utilizada para analisar a Europa (Ocidente) e o mundo árabe (Oriente).

Outra importante crítica se refere ao fato de Said estar por demais “ocidentalizado”, por sua formação fortemente britânica, na Palestina e no Egito, e a decisão de seguir sua carreira acadêmica nos EUA. Por outro lado, a bibliografia utilizada em Orientalismo é majoritariamente europeia: são poucos os autores árabes citados por Said.

Gilbert Achcar não apenas afirma que Said sofreu demasiadas influências das academias britânica e norte-americana como utiliza pouco o vasto arsenal cultural da filosofia ocidental.

Por outro lado, com exceção de uma pequena referência a Weber e os inúmeros rechaços a Marx por ser Orientalista, há pouca discussão no livro de Said sobre o vasto corpus da filosofia e da teoria social ocidental.” (Achcar, 2013, p. 1375)

De acordo com o professor da School of Oriental and African Studies (University of London), o Orientalismo se assenta no idealismo metodológico-filosófico essencialista europeu, ao assumir a ideia de que o destino de uma civilização está fortemente ancorado na cultura, principalmente na religião, que permeia e explica todos os aspectos da civilização. Para Achcar, o estudo da religião nasce do enfrentamento entre o relativismo pluralista burguês e o monopólio ideológico do cristianismo (Achcar, 2013). Falta por parte de Said uma leitura que abarque o conjunto das relações sociais de classe existentes em uma sociedade, limitando-se a um debate meramente cultural no plano das ideias.

As críticas, em grande medida justas, não reduzem a importância de Orientalismo para o mundo político, cultural e acadêmico. Trata-se de uma das grandes obras do século XX. Para alguns, o autor é o fundador do que viria a ser o discurso pós-colonial.

O livro de Said cumpriu um papel muito importante e não foi certamente por se tratar simplesmente de uma peça acadêmica. Mas pelo contrário: foi exatamente a enorme polêmica causada por Orientalismo que fez dele um marco na história das ideias.” (Achcar, 2013, p.1276)

Por último, sintetizamos as características que nos parecem ser as mais importantes do discurso orientalista.

Características mais importantes do discurso orientalista

  • O Oriente é tratado como um espaço geográfico e cultural a-histórico.
  • Subestima o desenvolvimento cultural dos povos da região do Oriente Médio e Norte da África.
  • Utiliza os valores das democracias liberais europeias modernas para avaliar os regimes políticos da região chamada de Oriente.
  • Os árabes são incapazes de se autogovernar.
  • Outorga aos EUA e às potências europeias o papel de promotor da democracia na região.
  • Caracteriza a maioria dos árabes como seres extremistas, jihadistas, fornecedores de petróleo e antissemitas.
  • Os Estados nacionais árabes nascidos da era colonial são inviáveis, pois são uma panela de pressão de etnias, religiões e seitas distintas.
  • Os meios de comunicação que exprimem um discurso orientalista costumam fazê-lo por meio dos “especialistas em mundo árabe” e não de analistas de procedência árabe que vivam no país analisado. Isto não quer dizer que pessoas de origem árabe não possam também expressar elementos orientalistas em seu discurso, ou, ao contrário, que pessoas não árabes não possam praticar um discurso não orientalista.

Nota:

  1. Dois dos primeiros orientalistas. Citados por Said.

Trabalhos citados

Achcar, G. (2013). Marxism, Orientalism, Cosmopolitanism. London: Saqi Books.

Allen, R. C. (2013). Historia económica mundial: una breve introducción. Madrid: Alianza Editorial.

Almarcegui, P. (2014). Orientalismo e pós-orientalismo. Dez anos sem Edward Said. Quaderns del mediterrani (20-21), 231-234.

Cabrera, H. (15 de março de 1997). Web Islam. Recuperado em 17 de junho de 2015, de Orientalismo: En torno al discurso de Edward Said: http://www.webislam.com/articulos/18026-orientalismo_en_torno_al_discurso_de_edward_said.html

Chebel, M. (2011). El islam – Historia y modernidad. Madrid: Paidós Contexto.

Elía, R. S. (Sem data). La civilización del islam. Pequeña enciclopedia de la cultura, las artes, las ciencias, el pensamiento y la fe de los pueblos musulmanes. Buenos Aires, Argentina.

Gil Bardají, A. (2009). Orientalismo, treinta años después. La Torre del Virrey, revista de Estudios Culturales (7), 61-66.

Maalouf, A. (2012). Las cruzadas vistas por los árabes (7a ed.). Madrid: Alianza Editorial.

Said, E. W. (2014). Orientalismo (6a ed.). Barcelona: Debolsillo.

Rogan, E. (2009). The Arabs. A History. London: Penguin Books.

 

Tradução: Arthur Gibson

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