Oriente Médio
Por que defendemos o direito dos curdos a ter seu próprio Estado?
novembro 6, 2014

destacamos o papel que cumprem as mulheres nesse combate, lado a lado com os homens e comandando tropas.
Nós da LIT-QI, demos nosso apoio a essa luta e, ao mesmo tempo, expressamos nosso respaldo ao direito dos curdos a ter seu próprio Estado, recuperando os territórios que hoje pertencem a outros países. Por que o fazemos? Para responder, vejamos a história e a realidade atual deste povo.
Um pouco de história
A história dos curdos na região que hoje ocupam nos remete a Antiguidade: assentaram-se na Ásia Menor cerca de mil anos A.C. Durante a Idade Média, a região foi dominada pelo império árabe e, mais tarde, pelo Império Otomano-Turco. Neste período, ainda que, conservasse seu próprio idioma, a maioria dos curdos adotaria o ramo sunita da religião muçulmana, embora uma importante minoria seguisse com sua religião tradicional, o yazidismo. No século XIX, protagonizaram várias rebeliões de independências, mas foram derrotados.
Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o Império Otomano, uma vez derrotado, foi desintegrado. O Tratado de Sèvres reconhecia seu direito à autodeterminação e inclusive propunha a criação de um estado curdo, embora só em um terço dos territórios reivindicados por este povo e onde são maioria absoluta.
Mas esse tratado nunca entrou em vigor e foi substituído pelo Tratado de Lausana (1923) pelo qual o povo curdo ficou dividido entre quatro países (Turquia, Irã, Iraque e Síria), mais um pequeno setor na Armênia (então integrante da ex-URSS). Em 1925, uma insurreição foi derrotada pelas tropas turcas.
Em 1946, no Curdistão iraniano, o recém criado Partido Democrático do Curdistão (PDK) proclamou a República de Mahabad, que se manteve durante um ano até que as tropas e as autoridades do Irã ocuparam a cidade.
Nas décadas seguintes, a luta dos curdos se estendeu para todas as regiões. Em 1961, Mustafá Barzani, líder histórico do PDK, inicia uma guerra de guerrilhas no Iraque, mas é derrotado em 1975. Em 1979, ocorre uma nova rebelião no Irã, agora contra o regime dos aiatolás que tinha assumido o poder depois da revolução desse ano. A resposta do regime foi declarar a “guerra santa” contra os curdos. Em 1984, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK, fundado em 1978) inicia um levante guerrilheiro na Turquia. Em 1991, depois da primeira Guerra do Golfo, há uma nova rebelião no Iraque, contra Saddam Hussein, derrotada por este, ante a passividade das tropas ocidentais. Em 1992, vivenciamos o “março sangrento” na Turquia, onde o exército turco assassinou 200 manifestantes curdos.
A atualidade
O território do Curdistão histórico envolve uns 392.000 km2 (190.000 na Turquia, 125.000 no Irã, 65.000 no Iraque e 12.000 na Síria). Nestes territórios, está localizada uma parte importante das reservas petrolíferas iraquianas e iranianas, e quase a totalidade do petróleo sírio.
Embora não exista um censo rigoroso, se estima que há mais de 40 milhões de curdos (16 milhões na Turquia, mais de 10 milhões no Irã, 8 milhões no Iraque, 2 milhões na Síria e uma diáspora estabelecida em outros países).
Os curdos são atualmente a maior nacionalidade do mundo sem estado próprio. Nos países em que foram divididos, são oprimidos e discriminados, e quando lutam por suas reivindicações históricas, como já vimos, são duramente reprimidos. Por exemplo, na década de 1990, o exército turco destruiu 3.000 aldeias de população curda.
Na Síria da “dinastia” dos Assad, sequer tinham direito à cidadania. Por isso, em 2012, no marco da guerra civil nesse país, os curdos se somaram ao levante armado contra o regime de Bashar el Assad.
A isto se adiciona agora, a agressão do EI que os ataca com o objetivo de instalar um novo estado reacionário que controle as zonas petroleiras. Na Síria, as forças curdas do YPD (Partido da União Democrática) que combatem o EI, em defesa Kobane e a região de Aleppo, estão lutando ao lado de vários grupos da resistência rebelde anti-Assad.
Diante desta situação, o imperialismo que (aliado a várias burguesias de países árabes) foi o causador da divisão deste povo, em suas diferentes políticas para controlar o petróleo da região, “olha para outro lado” e deixa continuar as agressões e a opressão aos curdos, para além de sua retórica atual sobre “direitos humanos”. Basta ver as recentes declarações de John Kerry, secretário de Estado dos Estados Unidos, que, frente à agressão do EI declarou que “Kobane não é um objetivo estratégico de nosso governo”. E, apesar de ser a única força que (aliada com setores da resistência síria) combate efetivamente ao EI, não lhes mandou nenhuma ajuda militar, para não se chocar com seu governo aliado da Turquia.
A situação especial no Iraque
No Iraque, os curdos vivem uma situação especial. Neste país, ocupam uma parte do norte do país à que se chama Curdistão iraquiana ou segundo a denominação deste povo “Curdistão do sul”, cuja principal cidade é Mosul. É uma das zonas mais ricas em petróleo desta região.
Na década de 1980, durante a guerra Iraque-Irã, uma ofensiva do regime de Saddam Hussein, levou ao “genocídio de Anfal”[1] com duras consequências para a população, parte da qual teve que fugir do país.
Após a primeira guerra do Golfo (1991), muitos refugiados começaram a voltar e a região foi ganhando autonomia. Entre 1994 e 1997, se instalou uma guerra civil onde se enfrentaram as milícias do PDK e as da União Patriótica do Curdistão (UPK, uma cisão do anterior), com o triunfo do PDK.
Posteriormente, a direção do PDK, encabeçada por Masud Barzani (filho do fundador do partido) uniu-se à coalizão das forças imperialistas que invadem o Iraque e derrotam o regime de Saddam Hussein.
A partir deste acordo, a constituição de 2005, outorga ao Curdistão iraquiano o caráter de “entidade federativa autônoma”, com direito a eleger seu próprio governo e seu parlamento e ter, também, suas próprias relações exteriores. Vale registrar que os curdos sempre tiveram representantes nos governos pró-imperialistas durante todo o período de ocupação. Inclusive um curdo, Jalal Talabani, chegou a ser presidente do Iraque.
A burguesia curda da região passou a receber de 13% a 30% do valor do petróleo extraído, o que somado a uma boa produção agrária, a transformou em uma das mais ricas do Iraque, com uma economia muito sólida. Essa é a base sobre a qual se assenta o PDK que se transformou em uma organização claramente pró-imperialista.
Neste marco, o governo de Barzani e a burguesia curda do Iraque estão submetidos a duas pressões contraditórias. Por um lado, está sua aliança política, econômica e militar com o imperialismo norte-americano. E por outro, a pressão de seu próprio povo. De conteúdo, as milícias curdas do Iraque são as únicas que combateram efetivamente e conseguiram frear o EI nesse país, enquanto o exército iraquiano fugia vergonhosamente. Barzani, também, se viu obrigado a enviar armas a Kobane (embora através dos aviões imperialistas) e a permitir que milhares de milicianos se organizassem com o objetivo de ir combater junto a seus irmãos da Síria.
Mas, apesar disso, o que menos quer é "chutar o pau da barraca” e irritar o imperialismo norte-americano (ou ao seu aliado turco). Por isso, agora se limita somente a reclamar a independência do Curdistão iraquiano. Este objetivo seria por si só, progressivo, um avanço na luta deste povo, um ponto de apoio, se fosse colocado ao serviço da luta curda de conjunto. Mas nas mãos de Barzani e o PDK, significa de fato deixar de lado a construção de um estado curdo unificado e abandonar a sua sorte aos curdos de Turquia, Irã e Síria.
Para conseguir a reunificação do povo curdo em seu próprio Estado, há que combater, também, a política de Barzani e o PDK
Conclusões
Por todas estas razões (por ser um povo oprimido e dividido entre vários países), apoiamos a luta dos curdos contra o imperialismo, os regimes da Turquia, Irã, Iraque e Síria, e contra o EI. Por isso, também, defendemos seu direito a construir seu próprio estado unificado, em todo seu território histórico. Esta posição não é nova para a LIT nem para sua organização turca: já foi expressa em várias edições da revista Correio Internacional, na década de 1990, no marco da luta deste povo contra os ataques do regime de Saddam Hussein, no Iraque, e a feroz repressão dos diferentes governos turcos.
Tradução: Rosangela Botelho