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Algumas reflexões sobre o “morenismo”

janeiro 26, 2012
Publicado na revista Marxismo Vivo Especial (2007) com o título: Nahuel Moreno. A 20 anos de sua morte, algumas reflexões sobre o “morenismo”.
 
Normalmente, dentro da esquerda, quando um determinado dirigente adquire uma grande projeção e contribui com algo qualitativamente diferente de seus antecessores, seja isso positivo ou negativo, seus seguidores, ou mesmo seus inimigos, identificam o movimento ao qual o dirigente pertence com o seu nome. Assim, fala-se de marxismo, de leninismo, de stalinismo ou de trotskismo. Ainda em vida de Moreno, e principalmente depois de sua morte, alguns milhares de pessoas, organizadas inclusive em correntes distintas, se autodenominam morenistas, como forma de se identificar com as idéias e o trabalho prático do dirigente trotskista argentino Nahuel Moreno, morto há 20 anos. Cabe-nos agora perguntar: é justa essa denominação? Existiu um “morenismo”? Moreno deixou contribuições qualitativas que justifiquem falar de “morenismo”? Ou essa denominação não é mais do que a identificação carinhosa com um dirigente trotskista muito respeitado?
 
A propósito desse tema dos nomes que os movimentos adquirem, é necessário observar que essas denominações não são sempre justas. O próprio Moreno opinava que era injusto falar de “marxismo” porque essa denominação identifica uma determinada concepção de mundo com o próprio Karl Marx quando, na realidade, ela era produto do trabalho prático e intelectual de uma equipe formado por ele e por Friedrich Engels. Dessa forma, essa injustiça histórica, surgida provavelmente por limitações idiomáticas, condenou Engels a um papel auxiliar, de colaborador de Marx, quando ele era na verdade muito mais do que isso.
 
O caso do trotskismo também merece ser analisado. Nos primeiros anos da luta contra Stalin, nem Trotsky, nem seus seguidores, falavam de “trotskismo” para identificar seu movimento. Eles se autodenominavam “bolcheviques/leninistas” e tinham razão. Não era possível falar de “trotskismo” porque, embora Trotsky tivesse desempenhado um papel brilhante na Revolução de Outubro e à frente do Exército Vermelho na Guerra Civil, não havia incorporado ao marxismo e ao leninismo algo que fosse qualitativo e que, portanto, merecesse identificar seu movimento com seu nome. Quem começou a falar de trotskismo foi Stalin, com o objetivo de contrapor Trotsky e seus seguidores a Lenin e aos bolcheviques. Por isso, tanto Trotsky como seus companheiros, nesses primeiros anos, quando falavam de trotskismo, sempre punham a palavra entre aspas (“trotskismo”).
 
No entanto, com o passar do tempo, essa denominação cunhada por Stalin foi sendo incorporada pelos discípulos de Trotsky, não para diferenciá-lo de Lenin, mas de Stalin, e, nesse momento, essa denominação do movimento foi correta porque Trotsky, em sua luta contra Stalin, deu uma contribuição qualitativa ao marxismo. Tratava-se da interpretação sobre a degeneração burocrática da URSS e da tarefa que dela se desprendia: a revolução política.
 
Se analisarmos o “morenismo” com esses critérios, teríamos que fazer uma dupla interpretação. Sem dúvida, Moreno trouxe contribuições ao trotskismo, a maioria delas resumidas em seu trabalho Atualização do Programa de Transição.
 
Moreno pôde acrescentar suas contribuições ao marxismo porque sempre buscou um equilíbrio entre a ação prática e o estudo, a reflexão e a elaboração teórica. No entanto, essas contribuições, sendo muito importantes, não foram qualitativamente distintas das elaborações de Marx, Engels, Lenin e Trotsky. Nesse sentido, não poderíamos falar da existência de um “morenismo” como uma síntese superadora do marxismo. Contudo, se localizarmos Moreno no interior do movimento trotskista, poderemos falar de um “morenismo” como uma corrente diferenciada, com uma personalidade própria em quase todos os terrenos. Diferente e, em muitos aspectos, oposta ao restante das correntes que integraram, e integram, o denominado movimento trotskista.
 
O movimento trotskista: várias décadas na marginalidade
 
Quando Trotsky construiu a IV Internacional, estava consciente de que “nadava contra a corrente”. Sua intenção era a de que a IV fosse a continuidade da III Internacional da época de Lenin. Porém, os contextos mundiais em que se construíram essas duas internacionais foram opostos. A III Internacional foi o subproduto do triunfo da maior revolução da história: a Revolução de Outubro. A IV Internacional foi o subproduto do maior processo contra-revolucionário: o fascismo, de um lado, e o stalinismo, do outro.
 
Justamente por isso, a questão de construir ou não a IV Internacional foi tão polêmica entre os revolucionários. Trotsky insistia em construí-la e seus críticos diziam-lhe que não havia nenhum acontecimento da luta de classes que o justificasse. Trotsky lhes respondia dizendo que havia dois grandes acontecimentos: o stalinismo e o fascismo.
 
Para Trotsky, se não se construísse a IV, o stalinismo e o fascismo acabariam com qualquer tipo de vestígio de programa e organização revolucionária. Quando, em 1938, Trotsky construiu a IV, não o fez com a esperança de ganhar, nesse momento, as massas para esse programa, mas com o objetivo de poder intervir no próximo e inevitável ascenso revolucionário com um programa e uma organização revolucionária internacional.
 
Trotsky sabia perfeitamente que a IV Internacional estava isolada das grandes massas, mas pensava que essa situação não duraria muito tempo. A Segunda Guerra Mundial, em sua interpretação, abriria uma situação revolucionária e, da mesma forma como aconteceu com os bolcheviques durante a Primeira Guerra, essa situação levaria a IV se transformar em uma internacional de massas.
 
Trotsky, em certo sentido, acertou. A derrota do fascismo durante a Segunda Guerra Mundial abriu uma situação revolucionária como nunca antes ocorrera. Mas isso não fortaleceu a IV Internacional, e sim o stalinismo, que usurpou as conquistas da Revolução de Outubro em seu proveito, e foi visto pelas massas como o bastião da luta contra o fascismo. Essa realidade condenou a IV Internacional ao isolamento e, mais ainda, à marginalidade por várias décadas.
 
O Movimento Trotskista foi heróico por ter lutado durante muito tempo para manter vivo o programa da revolução proletária contra aparatos tão poderosos como o fascismo e o stalinismo. Mas, tal como assinalava Marx, “a existência determina a consciência” e, no caso do trotskismo, uma existência marginal levou, na maioria dos casos, a processos degenerativos e ao abandono, na prática, do programa revolucionário.
 
Nahuel Moreno começou a militar na Argentina, possivelmente em um dos lugares onde o trotskismo era mais marginal. Foi, talvez, essa realidade o que o levou durante toda a sua vida, apesar das condições objetivas adversas, a lutar duramente, de maneira quase desesperada, para encontrar, no marco do programa trotskista, o caminho das massas e romper, assim, com a marginalidade.
 
Moreno, em forma quase permanente, procurou explicar as causas e conseqüências da marginalidade do movimento trotskista do qual fazia parte. Não conhecemos outro dirigente trotskista que se tenha preocupado com esse assunto. E isso não é casual. Tem a ver com a própria marginalidade. Como Moreno repetiu tantas vezes: “Há setores do movimento trotskista que são tão marginais que não sabem que são marginais”.
 
Ao encontro das massas
 
Muitas organizações trotskistas se adaptaram à marginalidade a tal ponto que, durante várias décadas, se construíram centenas de pequenos grupos que tiveram, e têm, como prática central, procurar destruir outro grupo trotskista, na maioria das vezes tão pequeno como os primeiros, para ganhar para seu “partido” um ou dois militantes da outra organização. Para cumprir esse objetivo, normalmente se valem de qualquer expediente, desde manobrar, até caluniar. Esse setor do “trotskismo”, vítima da marginalidade, renunciou na prática à eterna batalha de Trotsky: encontrar, com um programa revolucionário, o caminho das massas.
 
Como dizíamos anteriormente, Nahuel Moreno se recusou a se adaptar à marginalidade. A obsessão de toda sua vida foi encontrar o caminho para as massas e, em especial, em direção à classe operária. Moreno era obcecado por encontrar as palavras de ordem e as táticas que pudessem estabelecer uma ponte entre os trotskistas e as massas. Mas seríamos injustos com o movimento trotskista se disséssemos que Moreno foi o único que buscou esse caminho. Isso não é verdade. Houve muitas organizações e dirigentes trotskistas que também buscaram. Mas, o que sim é verdade, é que Moreno foi um dos poucos que lutou para encontrar o caminho em direção às massas no marco do programa trotskista.
 
A nova direção da IV Internacional depois da morte de Trotsky (Michel Pablo e Ernest Mandel) não atuou como uma seita marginal frente às massas que, depois da Segunda Guerra Mundial, se agruparam em torno aos partidos comunistas. Pelo contrário, tentaram romper com a marginalidade, mas fizeram isso com uma orientação contrária ao programa trotskista. Convocaram os trotskistas a entrar nos partidos comunistas para atuar, na prática, como conselheiros das direções stalinistas. A tal ponto foi assim que, em 1953, quando os operários de Alemanha Oriental se levantaram contra o governo da burocracia, a direção de Pablo e Mandel, num primeiro momento, se colocou do lado do governo contra as massas.
 
No caso da Revolução Boliviana de 1952, o trotskismo tampouco foi marginal. Pelo contrário. No processo revolucionário, o Partido Operário Revolucionário (POR), a seção da IV Internacional, ganhou influência de massas. Mais ainda, ocupou um papel de destaque à frente das milícias armadas que agrupavam mais de 100.000 operários e camponeses. Mas a direção da IV Internacional, Pablo e Mandel, novamente procurou ir ao encontro das massas por fora do programa trotskista. Sua orientação foi dar apoio crítico ao governo burguês do MNR. Foi a primeira traição do trotskismo a uma revolução.
 
Nessa época, o jovem Moreno teve uma posição oposta. Ele também buscou o caminho das massas, mas não a ponto de capitular à consciência atrasada delas, que apoiavam o governo burguês do MNR. Moreno orientou a não ter nenhuma confiança no governo do MNR e afirmou que o poder deveria ser tomado pelo organismo que as massas tinham construído durante a revolução, a Central Operária Boliviana (COB). Propôs, de forma coerente com o programa trotskista: Todo o poder à COB!
 
Na Nicarágua, no final da década de 70, as massas se insurgiram contra a ditadura de Somoza. À sua frente se colocou a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional). A Fração Bolchevique, dirigida por Moreno, lançou como consigna: Vitória à FSLN! Diante desse mesmo fato, o SWP dos EUA, atuou como uma seita marginal. Dizia, com razão, que a FSLN era uma direção pequeno-burguesa, mas não teve política nenhuma ou, melhor dizendo, sua política se limitou a agitar essa caracterização.
 
Moreno, pelo contrário, além de defender a palavra de ordem Vitória à FSLN! convocou a formação de uma Brigada Internacional (A Brigada Simón Bolívar) para intervir, junto com os sandinistas, na luta armada contra Somoza. A Brigada se formou, entrou na Nicarágua, e participou dos combates que levaram à queda da ditadura Somoza.
 
O prestígio que a Brigada adquiriu na Nicarágua foi muito grande, e foi usado, por orientação de Moreno, para organizar, depois da vitória, várias dezenas de sindicatos operários. Essa política levou a um enfrentamento com a direção Sandinista, que acabou expulsando a Brigada da Nicarágua e entregando-a a polícia do Panamá, que prendeu e torturou os brigadistas.
 
O SWP dos EUA, que havia atuado como uma seita marginal, procurou ir ao encontro das massas, mas o fez de forma desastrosa. Parou de agitar a caracterização de que a FSLN era uma direção pequeno-burguesa e passou a apoiar essa direção, no mesmo momento em que essa direção, que havia desempenhado um papel muito progressivo na luta contra Somoza, passava a desempenhar um papel regressivo, ao reorganizar o estado burguês. Mas o SWP não se limitou a isso. Quando os sandinistas expulsaram a Brigada Simón Bolívar, a direção do SWP, em conjunto com o resto da direção do Secretariado Unificado da IV Internacional, formou uma delegação que se encontrou com a direção Sandinista para lhe dar seu apoio e para denunciar os trotskistas da Brigada como ultra-esquerdistas. Foi uma nova traição.
 
A mesma história, embora com outros personagens, se repetiu no Brasil. Também no fim da década de 70, Moreno propôs, como forma de ir ao encontro das massas, chamar a classe operária e os dirigentes sindicais a construir um Partido dos Trabalhadores. Essa proposta foi tomada pelos dirigentes sindicais e pelos trabalhadores e assim o PT foi construído. Outra corrente trotskista, o lambertismo, em um primeiro momento respondeu a essa proposta como uma seita marginal. Denunciou, com razão, que à frente do projeto do PT estava um setor da burocracia e que o PT não seria um partido revolucionário, mas foram incapazes de ver, nesse momento, que esse partido operário de massas abriria um campo importante para o trabalho dos revolucionários. Por essa razão, a política do lambertismo se limitava a denunciar Lula e sua corrente e a chamar a construção de sindicatos livres, sem a burocracia, que eram, na prática, sindicatos dos militantes e simpatizantes lambertistas. Mas essa posição não durou muito tempo. Quando o lambertismo “descobriu” o PT, acreditou ter tocado o “céu com as mãos” e passou ao outro extremo. Confundiram um fato enormemente progressivo: milhares e milhares de operários, camponeses e jovens construindo um partido operário, independente da burguesia, com algo sumamente regressivo: uma direção burocrática, a de Lula e sua corrente, querendo construir um partido independente para colaborar com a burguesia. A partir daí, lançaram-se, corretamente, à construção do PT, mas capitulando, aqui e ali, à direção do PT. Os resultados estão à vista. Passados mais de 20 anos, o lambertismo continua fazendo parte do PT, enquanto este, no governo, não faz outra coisa a não ser administrar os negócios da burguesia. Por outro lado, 80% de seus militantes e dirigentes abandonaram suas fileiras para integrar o aparato controlado por Lula, a tal ponto que uma boa parte dos ministros e funcionários de confiança do governo Lula provém da corrente lambertista.
 
O trotskismo operário
 
Mostramos anteriormente como a maioria do Trotskismo, em seu afã de romper com a marginalidade, procurou encontrar o caminho das massas rompendo com o programa trotskista. A marginalidade do trotskismo e o tremendo peso dos aparatos, em especial das novas direções (titoísmo, maoísmo, castrismo, PT…) provocaram essa situação. Também mostramos como Nahuel Moreno, em toda sua trajetória militante, se diferenciou da maioria do movimento trotskista. No entanto, não é nosso interesse canonizar Moreno. Se atuássemos assim, estaríamos sendo antimorenistas.
 
Moreno também sofreu na própria carne a marginalidade do trotskismo e não foi imune à pressão das novas direções. Assim, por exemplo, não pôde escapar da influência da direção cubana. Uma direção pequeno-burguesa, sem nenhuma relação com a classe operária, contrária à democracia operária, que se pôs à frente de uma revolução e por isso provocou uma onda de simpatia na vanguarda e nas massas de todo o continente e no mundo.
 
Moreno chegou a identificar Fidel Castro e Che Guevara como a sua direção e a considerar que por fora do castrismo não existia “… outra corrente revolucionária na América”. Entretanto, diferente da maioria das outras correntes do movimento trotskista, Moreno não levou essas idéias até as últimas conseqüências. Pelo contrário, à medida que os fatos demonstravam a realidade, Moreno foi desnudando e denunciando o caráter burocrático e pequeno-burguês da direção castrista e o crescente caráter contra-revolucionário de sua política.
 
Por que Moreno, apesar de suas opiniões iniciais, não se transformou, como a maioria das correntes trotskistas, em um porta-voz do castrismo? Como pôde reorientar sua posição e a posição da corrente que dirigia? Porque, apesar de suas dúvidas e confusões momentâneas, sempre se manteve fiel à classe operária, a seus interesses e suas lutas.
 
A relação de Nahuel Moreno com a classe operária surgiu em seus primeiros anos de militância. Ele foi ganho para o trotskismo argentino em 1939 (quando Trotsky ainda estava vivo). O trotskismo argentino não era apenas marginal. Era pior que isso. Como Moreno bem assinalava, o trotskismo argentino daquela época “era uma festa”. Ser trotskista significava participar de reuniões intermináveis, de intelectuais pequeno-burgueses, que se reuniam em distintos bares de Buenos Aires para debater sobre os mais diversos temas políticos. Por isso, não deixa de ser curioso que Moreno tenha sido ganho para o trotskismo por um dos poucos operários que existiam nesse movimento: um trabalhador marítimo chamado Faraldo.
 
Foi justamente esse operário marítimo quem o colocou em contato pela primeira vez, em 1941, com os operários da fábrica têxtil Alpargatas, uma das mais importantes do país. Foi nessa fábrica que Moreno conheceu um dirigente operário boliviano chamado Fidel Ortiz Saavedra, por quem sentia grande admiração. Fidel era semi-analfabeto, mas tinha um alto nível político e era um grande orador.
 
Fidel Ortiz Saavedra ajudou Moreno a ganhar para o trotskismo um grupo de jovens operários com os quais, no ano de 1943, formou o GOM (Grupo Operário Marxista).
 
Foi essa relação com Faraldo, com os operários da fábrica Alpargatas, com Fidel Ortiz Saavedra, com o dirigente dos operários da madeira Mateo Fossa (que se encontrou com Trotsky), com os jovens operários do GOM, que fizeram Moreno chegar a uma conclusão fundamental: não há trotskismo fora da classe operária. De tal forma que no primeiro documento político que Moreno escreveu (em 1943), intitulado “O Partido”, assinala: “[A necessidade] mais urgente, mais imediata, hoje como ontem é: aproximar-nos da vanguarda proletária, sempre que isso se apresente como uma tarefa possível, e rechaçar como oportunista toda intenção de nos desviar dessa linha”. Conseqüente com essa conclusão, em 1945 a maioria dos militantes do GOM, com Moreno à cabeça, rompeu definitivamente com o trotskismo dos bares de Buenos Aires. Foram morar na Villa Pobladora, que era a principal concentração operária do país e que se transformaria em uma “fortaleza trotskista”.
 
Essa orientação de Moreno, em relação à classe operária, que manteve até sua morte, o diferenciou profundamente não de todos, mas da maioria dos outros dirigentes trotskistas.
 
A propósito dessa relação com a classe operária, Moreno afirmou em um de seus últimos trabalhos: “Ao longo de minha vida política, depois, por exemplo, de observar com simpatia o regime que surgiu da revolução Cubana, cheguei à conclusão de que é necessário continuar com a política revolucionária de classe, ainda que atrase a tomada do poder em vinte ou trinta anos ou quanto tempo seja necessário. Nós queremos que a classe operária chegue verdadeiramente ao poder, por isso queremos dirigi-la.”
 
Moreno e a Internacional
 
Trotsky deu tanta importância à construção da Internacional que o genial dirigente da Revolução de Outubro, construtor e dirigente do vitorioso Exército Vermelho, considerava que sua contribuição mais importante à revolução havia sido a construção da pequena e frágil IV Internacional. Trotsky mantinha essa opinião por uma simples razão. Porque quando encabeçou a construção da IV, não havia outra pessoa que pudesse empreender essa tarefa e porque considerava que era impossível construir um partido revolucionário, em nível nacional, se não fosse como parte de uma internacional. Entretanto, apesar dos esforços de Trotsky, hoje a IV Internacional está destruída e isso merece algumas considerações.
 
Sempre houve muitas organizações trotskistas, em nível nacional, que acreditavam que ser internacionalista é simplesmente apoiar as lutas que ocorrem em outros países, mesmo não fazendo parte de uma organização internacional. Também sempre houve, e há, importantes organizações nacionais que se autodefinem como trotskistas, mas que consideram que não estão dadas as condições para a construção de um partido mundial. Há outros grupos trotskistas que estão a favor da construção de um partido revolucionário em nível internacional, mas que entendem essa “internacional” como uma soma de partidos nacionais subordinados a um partido nacional maior, que seria uma espécie de “partido mãe”.
 
Por fim, na história do movimento trotskista existiu uma série de organizações, e de dirigentes, que estando a favor, teoricamente, da construção da Internacional tiveram uma atitude irresponsável frente à mesma. Não dedicaram o grosso de seus esforços à sua construção e inclusive não tiveram maiores problemas em romper com ela em função de uma diferença nacional ou circunstancial.
 
Todas essas organizações, que constituem a ampla maioria do movimento trotskista, nunca compreenderam, ou não estiveram de acordo, com algo que foi o centro do pensamento de Trotsky e dos bolcheviques: que a revolução tem um caráter mundial, que por isso é necessário um partido mundial e que não é possível construir um partido revolucionário em nível nacional se ele não faz parte de uma Internacional. Nesse sentido, o trabalho internacionalista de Nahuel Moreno aparece como uma das poucas exceções no interior do movimento trotskista.
 
A primeira organização criada por Moreno, o GOM da Argentina, de 1943 até 1948, tinha uma prática “internacionalista” similar à que teve e tem uma boa parte do movimento trotskista. O GOM apoiava as lutas dos trabalhadores de todo o mundo, e, mais ainda, reivindicava a IV Internacional, mas não estava comprometido com sua construção. Essa realidade mudou a partir de 1948, quando Moreno participou como delegado do II Congresso da IV Internacional.
 
Desde então, o objetivo central de Moreno não foi construir um partido, ou vários partidos nacionais, mas sim uma internacional que os agrupasse. É interessante observar que Moreno, por levar adiante uma luta conseqüente em defesa do programa trotskista, sempre teve muitas dificuldades em sua atuação no interior da IV Internacional. No entanto, as diferenças, os enfrentamentos, e mesmo as tremendas injustiças, nunca o levaram a ter uma atitude irresponsável e muito menos autoproclamatória de romper formando sua própria internacional como lamentavelmente muitos dirigentes fizeram.
 
Moreno não defendeu a ruptura com a Internacional quando, em 1951, o III Congresso Mundial reconheceu como seção oficial na Argentina o grupo dirigido J. Posadas, um dirigente que além de capitular abertamente ao peronismo e ao stalinismo, desprestigiou toda a IV Internacional com suas políticas delirantes, como o chamado a que a URSS lançasse a bomba atômica contra os EUA ou sobre a necessidade de formar comitês de recepção para os OVNIS.
 
Quando a Internacional se dividiu, em 1953, e se formou o Comitê Internacional, encabeçado pelo SWP dos EUA, que agrupava os setores que se opunham à capitulação de Pablo ao stalinismo, Moreno não propôs romper com esse Comitê, apesar de que este, em dez anos, não convocou um único congresso mundial.
 
Quando, em 1963, a Internacional se reunificou e Moreno se opôs à reunificação devido à falta de qualquer balanço, um ano depois defendeu a adesão, para não ficar fora desse marco internacional.
 
Finalmente, em 1969, quando o IX Congresso da Internacional, votou que a seção oficial da Argentina era o PRT (O Combatente), uma organização que estava rompendo com o trotskismo (coisa que se concretizou pouco tempo depois), Moreno não propôs a ruptura com a IV Internacional. Pelo contrário, foi um defensor intransigente da internacional, lutando em seu interior para dotá-la de um programa revolucionário.
 
Moreno só defendeu a ruptura com o SU em 1979, isto é, depois de quase 30 anos de luta contra as várias direções pablistas e neopablistas. Só defendeu a ruptura quando a luta de classes nos colocou em trincheiras opostas. A direção do SU se solidarizou com a direção da FSLN da Nicarágua quando esta reprimiu a Brigada Simón Bolívar, ao mesmo tempo em que proibia a construção de partidos trotskistas na Nicarágua e em vários países da América Central.
 
Mas Moreno não rompeu com o SU para abandonar a luta pela IV Internacional, nem para autoproclamar uma nova Quarta. Quando rompeu, se aproximou de outras correntes internacionais (o lambertismo e uma corrente do SU) com as quais encarou a tarefa de construir o Comitê Internacional – Quarta Internacional (CI-QI) que tinha, como seu principal objetivo, reconstruir a IV, e foi apenas quando essa experiência fracassou (a partir da capitulação de Lambert à Frente Popular da França) que Moreno chamou a construção da LIT-QI a partir de sua própria corrente.
 
Moreno ficou à frente da LIT e pouco tempo depois ficou também à frente do MAS (a seção argentina da LIT). Os resultados dessa atividade foram impressionantes. Quando Moreno morreu a LIT se convertera, de longe, na corrente mais dinâmica do trotskismo em nível internacional e o MAS era o maior partido da esquerda argentina e o maior partido trotskista do mundo.
 
Na história do movimento trotskista, em várias oportunidades, também se deram saltos importantes em nível de uma determinada seção ou de uma corrente internacional. Como esses saltos se davam no marco da marginalidade, na maioria dos casos, ajudaram a confundir os dirigentes que estavam à frente deles e, dessa forma, esses avanços alimentaram projetos de “partidos-mãe”, ao mesmo tempo em que várias IV Internacionais foram autoproclamadas. Moreno fez exatamente o contrário.
 
Moreno, estando à frente da corrente mais dinâmica do trotskismo, não autoproclamou a LIT como a IV Internacional reconstruída. Não foi por casualidade que a última tarefa internacional que levou adiante antes de morrer foi viajar à Inglaterra para tentar construir uma organização em comum com os dirigentes do Workers Revolutionary Party desse país. Moreno atuava assim porque não via a LIT como um objetivo em si mesmo, mas como um instrumento a serviço da reconstrução da IV Internacional.
 
Por outro lado, Moreno, que se apoiou muito no MAS argentino para construir a LIT, nunca considerou essa organização como um “partido mãe”. Pelo contrário. Para Moreno, o MAS era só uma parte de uma organização internacional, que era a LIT-QI, e insistia sempre em que a mais poderosa e provada direção nacional é inferior a mais débil das direções internacionais. Essa concepção está concretizada mesmo nos estatutos da LIT-QI, que não permitem que um partido nacional, por maior que seja, tenha mais de três membros na direção internacional, da mesma forma que não permitem que as duas maiores seções juntas possam ter mais da metade dessa mesma direção.
 
Essas foram as últimas lições que Moreno nos deixou e elas contrastam notavelmente com aquelas deixadas pela maioria dos dirigentes de sua geração.
 
Existe, legitimamente, uma corrente morenista
 
Por tudo o que se disse anteriormente, estaremos fazendo justiça se dissermos que Moreno construiu uma corrente com um perfil próprio, denominada morenismo, que não é diferente do movimento trotskista da época de Trotsky, mas que foi, e é, muito diferente da maioria do movimento trotskista surgido depois da morte de Trotsky. Isso é assim em quase todos os terrenos. Em relação à teoria, ao programa, às massas, à classe operária, à internacional…
 
Há vários dirigentes que se reivindicam trotskistas que procuram mostrar a falência de Moreno e do Morenismo. Entre eles se destacam notavelmente o PO (Partido Operário) e o PTS, ambos da Argentina.
 
Essas organizações utilizam um método curioso, mas certamente nada original. A destruição do MAS, depois da morte de Moreno, seria a prova mais evidente da falência de Moreno e do morenismo. Se esse tipo de raciocínio fosse válido, a restauração do capitalismo no Leste europeu seria uma prova categórica da falência do marxismo, da mesma maneira que a degeneração stalinista da ex-URSS, do Partido Comunista da União Soviética e da III Internacional seriam uma prova da falência do bolchevismo.
 
Mas essas correntes cometem um erro a mais. Analisam a trajetória de um dirigente internacional e levam em consideração apenas sua atividade nacional, sem levar em conta o que era para Moreno sua atividade central: a construção da Internacional. Por isso analisam a destruição do MAS e não se referem à situação da LIT-QI.
 
A LIT, da mesma forma que o MAS, passou por uma importante crise e para isso contribuíram fatores subjetivos e objetivos: a morte do próprio Moreno e as confusões criadas a partir dos processos do Leste europeu. Mas, desde alguns anos, a LIT não só deu um salto qualitativo na superação de sua crise como hoje em dia é uma referência para um número importante de organizações, dos mais variados países, que vêem a necessidade de construir uma organização revolucionária, centralizada democraticamente, em nível internacional.
 
Evidentemente a atual direção da LIT tem seu mérito nessas conquistas, mas, na realidade, nosso verdadeiro mérito, foi ter seguido três conselhos básicos de Moreno para superar a crise das organizações trotskistas: tornar-nos mais marxistas do que nunca, nos ligar cada vez mais à classe operária e ser mais internacionalistas do que nunca.
 
Sem dúvida, nos últimos anos, avançamos na tarefa de construir a LIT, mas não podemos ser conformistas. Porque nem para Moreno, nem para nós, a construção da LIT foi um objetivo em si mesmo. Construímos a LIT com o objetivo de reconstruir a IV Internacional.
 
Esse é o momento histórico para encarar essa tarefa. Porque as massas estão se sublevando e porque as revoluções do Leste europeu feriram o stalinismo mortalmente. Não há, portanto, mais razões objetivas para novas e longas décadas de marginalidade.
 
Reconstruir a IV Internacional é nosso objetivo estratégico. Se no próximo período avançarmos nessa tarefa, estaremos fazendo honra ao título de morenistas, com o qual só queremos dizer que somos trotskistas (de Trotsky). Essa será nossa melhor homenagem, prática, não só a Moreno, mas a todos os revolucionários que deram o melhor de suas vidas para que a Internacional fosse construída.
 
* Martín Hernández é membro do Comitê Executivo Internacional da LIT-QI

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