Crise econômica: já chegamos ao fundo?
Neste momento, o principal debate entre os economistas burgueses é se o pior da crise econômica internacional já passou ou não. Alguns dizem que já teria passado nos Estados Unidos, ainda que na Europa não.
Para tomar uma posição neste debate, é necessário precisar os ritmos da crise, o momento em que ela está agora e como este momento se integra na dinâmica mais geral.
Neste sentido, e antes de ir à análise dos dados, é necessário ter clareza sobre três coisas:
1. Quando os economistas burgueses dizem que o pior já passou, não estão dizendo que já se alcançou o último nível da queda, mas que estaria se desacelerando seu ritmo e, portanto, se estaria mais perto do rebote e do início da recuperação (o que estaria sendo antecipado pelo que chamam de surtos verdes).
2. As crises profundas como a atual têm um impacto central e depois uma onda expansiva (ou onda descendente, diríamos os marxistas) que reflete a profundidade deste impacto ao longo de vários anos. Essa onda de influência dificilmente se expressa como um efeito bola de neve ou plano inclinado permanente. Em geral, trata-se de uma dinâmica de forma mais fechada, com recuperações falsas ou muito débeis e uma tendência de queda de conjunto que nem sempre se dá no mesmo ritmo, porque também influenciam outros fatores: as medidas dos governos, fatos políticos etc.
Assim aconteceu com a crise de 1929: depois de uma forte queda por seis meses, teve um falso movimento de recuperação na primeira metade de 1929 (resultado de uma tentativa dos bancos de salvar algumas empresas), voltou a cair até uma débil recuperação em fins de 1932 e 1933 (início da era Roosevelt) para voltara a cair até o fundo em 1935 e 1936 e, aí sim, iniciar a recuperação em 1937. Porém alguns economistas marxistas acreditam que a recuperação de 1937-38 e a queda posterior são parte de sua onda de impacto e consideram que a economia dos Estados Unidos só se recuperou plenamente em 1943 com a indústria funcionando a pleno vapor para a Segunda Guerra Mundial. Se observarmos a evolução da economia dos EUA em 2008 por trimestre, também vemos esses movimentos irregulares.
3. Neste sentido, minha impressão é que o fundo da crise está longe de ser alcançado. Por diversas razões da própria estrutura da crise (que foram analisadas em outros textos) o vejo um par de passos mais abaixo. Acredito que está profundamente errado o prognóstico do FMI e de alguns economistas burgueses de que a recuperação se iniciará em 2010. Mas quero ser cuidadoso nesta afirmação, porque a realidade ainda não definiu claramente sua tendência e seria necessário ver o que ocorre no segundo trimestre de 2009 (e inclusive ao longo do ano) para ter maior clareza.
Vejamos, agora, alguns dados da economia mundial.
Estados Unidos
Em
Ou seja, dois trimestres seguidos muito negativos. No entanto, pela leve diminuição da cifra, os otimistas chegaram à conclusão de que já se estava desacelerando o ritmo da queda e que começavam a se ver surtos verdes: o consumo que cresceu 2,2% frente a uma queda de 4,3 no trimestre anterior. Outro surto verde, pouco comentado pela imprensa, foi que houve uma melhora nos lucros das empresas: “os benefícios da produção corrente (os lucros das empresas com inventário e avaliação de capital) tiveram um aumento de US$42,6 milhões no primeiro trimestre, em contraste com a diminuição de US$250,3 milhões no quarto trimestre” (Bureau de Análise Econômica, 29/5/2009).
Outros dados, no entanto, indicariam que a queda não terminou e que, inclusive, pode se aprofundar: tanto o investimento empresarial quanto o investimento em habitação caíram 38% (taxa anual), aprofundando o descenso do trimestre anterior (-21,1% no caso do investimento empresarial). Estes são dados estruturais, com um agravamento pela dinâmica futura do consumo. Por isso, não se entende muito bem com base em que elementos o FMI anuncia que o país voltará a crescer em 2010.
Europa
Segundo dados da Eurostat, a dinâmica da economia européia foi tão mal ou pior que a dos EUA, já que no primeiro trimestre de 2009 se aprofundaram os dados negativos do último de 2008 (-1,5%). Isso é o que se chama precisamente de um processo “bola de neve”. Tanto o conjunto dos países da União Européia quanto os da eurozona sofreram uma contração de 2,5% na média trimestral e 4,6% ao ano, as taxas mais negativas da série histórica, desde que começaram estas estatísticas.
A Alemanha caiu 3,5%, pela redução de suas exportações. França, que até agora se mantinha um pouco melhor que os outros membros da UE, sofreu uma queda média trimestral de 1,2%, e a taxa anual foi de -3,2%. O governo admite que a contração total do ano superou a das últimas crises: 1975 e
Neste caso, fora os países que quebraram como Islândia (-11,6%) e Irlanda (-9%), e os países do Leste europeu (alguns com queda superior a 10%). Entre os ricos os que parecem estar piores estruturalmente são o Reino Unido (pelo peso do setor especulativo parasitário que levou o país a ter a maior dívida externa por habitante do mundo) e Espanha (pelo estouro de uma grande bolha imobiliária).
China
No primeiro trimestre de
Aqui competem dois elementos contraditórios. Por um lado, se evidencia uma forte e crescente queda das exportações (um dos motores centrais do crescimento dos últimos anos). Vejamos estes dados, relativos ao mesmo mês do ano anterior: -2%; abril 2009 -17,1%, maio 2009 -26,4%. Por outro lado, o pacote anticrise lançado pelo governo (US$ 586 bilhões) destinado às obras públicas se expressou num aumento de 30% na produção de “bens urbanos de capital”. Por esse dado, alguns analistas consideram que a dinâmica geral da economia será boa e
De qualquer modo, ainda que +6% cause impacto em termos de qualquer economia capitalista, é importante entender que esta desaceleração já é um claro sintoma da crise na China. Se expressa, por um lado, no fechamento de 15 mil empresas (ainda que essa seja uma cifra muito pequena em comparação com a quantidade total de empresas do país) e na demissão de cerca de 20 milhões de trabalhadores.
Ao mesmo tempo, esta desaceleração também se expressa numa forte queda das exportações de matérias-primas da China para muitos países, causando um grande impacto em sua economia (por exemplo, as exportações peruanas, basicamente minerais, caíram mais de 17% no primeiro trimestre de 2009).
América Latina
A dinâmica geral da economia da América Latina acompanhará a tendência negativa do conjunto do mundo, como resultado combinado de vários fatores, entre eles a queda do volume e dos preços das exportações, por um lado, e a diminuição do fluxo de investimentos por outro.
O país mais afetado possivelmente seja o México, como resultado de sua profunda dependência dos EUA: alguns analistas estimam que seu PIB se contrairá até 10% no primeiro semestre de 2009. O impacto sobre a Argentina será forte, mas menor: a União de Indústrias da Argentina (UIA) estima que a produção industrial caiu 9,6% entre janeiro e abril de 2009 (com seis meses consecutivos de queda) e que a queda anual do PIB pode ser de 3% ou 4%. O Brasil, por diversas razões que não analisaremos aqui, parece ter um reflexo mais amenizado da crise: fala-se de um resultado, em 2009, entre -1,2% e -1,8%.